sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

Resoluto

Os anos passam,
as pessoas passam,
minha vida passa,
mas nada disso
se pode ver.
As palavras saem da boca,
as pernas vão para frente,
o amor adormece num canto
e, depois de um tanto,
acorda novamente.
Um dia não temos mais nada,
a não ser
o que sobrou
de nós.
Não falo de sentimento
nem de nenhum momento,
mas do que sobrou de nós:
Pele e osso,
gordura saturada,
veias e pescoço,
mãos ressecadas,
boca sem dentes,
amores de criança,
vontade, chocolate e
Talvez
uma breve e inútil
lembrança.


Fabiano Martins

quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

Até

Amanheceu na favela
e ninguém
notou
que a luz
era dela...
e que ela
me abandonou.
Já não posso ver;
já não enxergo
o meu caminho.
Nessa condição
sei que devo ir
sozinho.
Não há dor em viver
nem vou morrer
de amor.
Só porque
a luz era dela
e ela
me
abandonou.


Fabiano Martins

terça-feira, 27 de dezembro de 2011

Força

O vento que alimenta
o fogo
que me mantém de pé
É força
que imprime
o imenso
impulso
contra a
ré.
Como a nota que emociona
e o clamor
que nela
há,
a mesma palavra que
define, existe também para
guiar.
E essa luz que brilha
como um ponto
no horizonte
de escuridão
É a cura que toda droga procura
e também
que toda
paixão.


Fabiano Martins.

segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

Erros

A dor
sempre haverá,
ainda que seja
pela
má interpretação.
O ridículo vem de pensar
que somos
viciados em nos satisfazer.
E o erro maior
é saber
que ali
ela sempre
estará.


Fabiano Martins

quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

A beleza impossível

"Sou.
Como a vida que se consome
nessas horas
é."
Entendeu
que o amor
não é perfeito,
mas que amar
faz bem.
E, de algum jeito,
quis achar que existiria
depois também.
Mas o que sabe ele
sobre o minuto próximo
ao que se passa?
Nem dar a sugestão de um simples
palpite
pode.
Todavia, o amor que ele sente
não é assim;
é mais concreto,
mais existente.
E para ele isso faz sentido.

Então, no peito apequenado
pela luz que à janela se
encerra,
pôde entender
a importância
germinal
do imperfeito.


Fabiano Martins

segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Tarde de chuva

Às dezoito horas e trinta minutos,
numa tarde chuvosa
perto do Verão,
uma criança quis saber
por que é que, às vezes,
chovia tanto de uma só vez.
Expliquei-lhe que a Natureza
não sabia que era hora
do rush.
A mesma criança, então,
me perguntou o que era
rush, foi quando percebi
que ela era
como a Natureza.


Fabiano Martins.

sábado, 17 de dezembro de 2011

Reunião Anônima

Olá,
Meu nome é Amor.
Existo para libertar.
Minha duração está suspensa
em um fio tênue que se estende pelos dias.
Eu não sei quando é que
paro de existir.
Gostaria de perdurar.

Olá,
Eu sou a Boa Vontade.
Eu acho que me esquecem
porque eu não
sou verossímil.

Olá,
Eu sou a Diegese.
Existo, mas não
sei que você
sabe.

Olá,
Eu sou a Pureza.
Eu existo por um breve tempo,
depois vou embora.
Só retorno em corações
em que há amor
e boa vontade.
Ultimamente, não tenho trabalhado muito...

Olá,
eu sou a Tristeza,
eu existo para não deixar
ninguém esquecer
que eu existo,
e que por isso
é preciso perdoar.

Olá,
Eu sou o Perdão.
Eu mesmo não compreendo
todos os motivos pelos quais
eu existo.
Na maior parte do tempo,
eu estou apenas sendo pretendido.

Olá,
eu sou a Fé.
Eu não trago a exata
certeza,
nem de sim,
nem de não.
Acho que existo para guiar,
mas sou apenas
uma ponte no caminho.


Fabiano Martins

sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

Sob o céu

Filho intolerante de um pai silencioso,
tento encontrar, afinal,
desígnio que salve minh´alma
do poço,
que me torne um ser mais
orbital.


Fabiano Martins

quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

Sabedor

Eu não posso dizer que tudo vai acabar bem,
nem que você não sofrerá.
Na verdade,
eu não sei nem de que matéria
sou feito.
Desde que nasci, vivo do mesmo jeito:
tomando goles de ar.
Desconheço a face
da morte.
Dos anos, trago muitas marcas.
Não são os defeitos que
me forjam, nem tampouco
a ambição -
ao que o meu corpo secreta fluídos,
descarta resíduos
do que fora um
pão.
Tenho pena do orgulho que sentem
homens que sabem
o que homens
são.


Fabiano Martins

quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

A criança

Eu caminho
pela calçada,
o asfalto me condena;
eu me lanço à palavra
abonando a sentença.
Posso ser verbo,
linguagem,
imaginação.
Posso contra todos
os argumentos,
contra todas
as respostas, mas
contra palavras
impostas,
não.
Posso até vir a ser.
Quero saber
amiúde,
mas não há certeza
a se ter.
Eu caminho pela calçada,
ela me diz para
atravessar.
Eu dou as mãos
à beira da estrada,
não me atenho
à maré atrasada que segue
em fuga
no mar.


Fabiano Martins

terça-feira, 13 de dezembro de 2011

Inverno

No fim das contas, estamos aqui!
Eu olho para você
e a vejo.
Você me retribui um sorriso,
um aceno,
um cumprimento.
Eu olho para você,
mas, em olhar,
apenas capto imagens.
As cenas se embaralham;
o cérebro as organiza.
Percebo.

De verdade?
Talvez nem estejamos aqui.
Mas eu olho para você
e faz frio...


Fabiano Martins.

domingo, 11 de dezembro de 2011

Um futuro olhar

Em um museu de algum lugar do mundo
um homem e uma mulher conversam.
Ela diz com um tom apaixonado: "Alguém aparece no fundo
da tela... adoro esse quadro" - explica.
Respira fundo e diz:
"Não dá pra perceber, mas depois de um tempo
você vê alguém no fundo da tela!"
"Não era pra ser, quero dizer,
não há necessidade de haver alguém
ali. Entende?" Ele faz uma breve
pausa antes de continuar.
"Com uma certa boa vontade
você pode vislumbrar alguma coisa,
qualquer coisa... não quer dizer
que seja um homem, pode ser
um animal à espreita, pode ser uma flor,
pode ser até um erro."
"Um erro?", ela o interrompe, aparentando não entender.
Ele vai além: "Sim, ele pode ter começado a pintar
naquele dia com o pincel errado, manchou a tela
e..."
"Você não está sugerindo que todo o impressionismo
foi baseado em um erro de Monet, está?"
"Não, estou apenas dizendo onde a beleza
deste quadro está! Você gosta dele porque vê um homem,
porque você, talvez, sonhe com o arrependimento
de alguém que te magoou... um homem
com certeza, um homem! O homem que você
vê na tela."
Ela não diz nada.
Ele prossegue: "Eu vejo um animal."

E você, leitor. O que você vê?


Fabiano Martins.

sábado, 10 de dezembro de 2011

Tripulante

Não sinto o eixo se movimentar,
os verões me silenciam.
O tempo inteiro
em movimento, rodo.
Velocidade e modo
cadenciam.

Giro entre paredes
escarlates,
com suas estalactites,
entre o gris
e o lilá.

Sou resíduo
nesta esfera colorida,
acidentada e perdida,
simplesmente
a navegar.
Giro o tempo todo
sem repouso,
sem um forte luminoso,
na escuridão,
bem devagar.


Fabiano Martins

sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

Eu prefiro a margem

De que valem os poetas?
Para que servem as poesias?
Se o céu não é só azul,
se o mundo é propenso
à hipocrisia.
De que servem as palavras
das reflexões
dos auto-didatas,
se as pessoas querem ser
cópias exatas.

De que me adianta saber que vou morrer,
se vivo tentando enganar a morte.
De que adianta ter a liberdade
para falar sobre mistérios,
se tudo o que os outros desejam
é a tranquilidade de se esquecerem,
feito o nada.

Pois então só tenho a mim mesmo.
E as minhas mãos
ficam descompassadas,
escrevem ante o que a cabeça dita.
Escrevem palavra
por palavra.

Eu sou marginal, pois tenho
ideologia em meu coração.
Sofro por tudo aquilo
que me causa indignação.
Talvez me torne respeitável
e aprenda a sufocar a ilusão;
a vilipendiar meus ideais
em busca da socialização.


Fabiano Martins

terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Poeira

Tenho medo de ser exagerado de menos.
Meu grande medo é ser pequeno.
E o mundo, sendo tão grande,
me enche de dúvidas,
quando do espaço,
dissonante,
uma foto chega,
e na penumbra das estrelas
o gigante é poeira.

O que serei, então, senão a soma
dos meus medos...


Fabiano Martins

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Autonomia Parcial - Vídeo

Epifanias

Cada novo adeus
incide
como arrogância
nas ínfimas
constatações.
Epifanias são para artistas,
não são
para as multidões.

Eu falo sobre a púbis
da mulher amada,
sobre a beleza de suas
depilações,
enquanto ela
só revela a dor que há em cada,
afeita à raíz
de suas preocupações.


Fabiano Martins

sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Recortes

Tenho um olhar menino
capaz de causar
grandes paixões.
Tenho mãos à obra.
Tenho olhos endurecidos
por qualquer coisa infame
que tenha
visto.
Tenho dor que se completa
com a dor alheia.
Tenho a chuva a desdenhar
dos meus findos anos.
Tenho a graça
que se pôs a voar
ao longo do tempo.
Tenho cimento
sobre mim... e agora?


Fabiano Martins

Ao redor

O problema em discutir sobre as grandes
questões
é que nisso se toma
tempo demais.
Sendo assim, o grande perigo
é acabarmos esquecendo
que as corriqueiras
também são
essenciais.


Fabiano Martins

terça-feira, 29 de novembro de 2011

O experiente

- Ah, leva os meus sonhos, mundo
Ah, leva...
Porque de nada vale esse pessimismo feliz
De nada vale esse dinamismo sem fim
De nada.
Obrigado, tempo.
Ah vai, leva tudo de mim
Minha saúde
Minha inocência
Minhas verdades absolutas
Resoluta, ó tempo, o meu caminhar
Sério
Livre de fantasias
Fosco
Nubla os embaraços causados pela inexperiência
Brinda em mim o pior do mundo e me faz engajar o pensamento comum
Porque assim é que deve ser
Porque o peso se torna mais suportável
E as lágrimas secas fazem-me aguentar melhor o egoísmo
E a falsidade
Leva na minha idade o que poderia ter sido de mim e aquilo que me tornaria
Se tivesse dado asas a tudo o que venho agora negligenciar
Ah, vai tempo
Que faz dos homens sua comida
Leva de súbito, mudo, a minha vida.


Fabiano Martins

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Autonomia Parcial

Eu não conheço
meu inimigo.
Não sei
contra quem é
a briga.
A maré do
dia seguinte
enche
o oceano
de verdades
ambíguas.
Sou eu quem observa
o barco que me
leva ao longe;
Eu quem atravessa
a cidade.
Sou eu que faço
o meu receituário,
baseado nas minhas
necessidades.


Fabiano Martins

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

Metafísico

Eu não sei quem me falou
de Cristo.
Certamente, alguém que não
o conhecia.
Eu não sei quem me falou
que havia Deus,
provavelmente alguém
muito egoísta.
Não sei por que
acreditei sem provas
que existe alguma coisa
metafísica.
Não sei por que existem reis
e pessoas postas à prova
todos os dias.
Há tanto que não compreendo.
Tanto, que somente o tato
de um olhar
pode caber dentro.
Estou aqui.
Não vivo, reajo.
Não sou livre, mas verborrágico.


Fabiano Martins

terça-feira, 8 de novembro de 2011

Ambos

Fale-me do mundo,
dessa terra barrenta
embaixo dos teus pés. -

Eu não sei o
que me dá,
se é remédio
o que me diz
que ainda assim
devo tentar
ser semente e raiz.
Rogo ao céu
rispidamente,
eu,
niilista e cristão,
sempre
inocentemente,
sempre a carne
e o carvão.


Fabiano Martins

sexta-feira, 4 de novembro de 2011

FAMARTAN NO YOUTUBE

Segue o link:

http://www.youtube.com/watch?v=swK6r5TQRGQ&list=PLC56A517F5395D670&index=1&feature=plpp_video


Abraços a todos.

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

O ignorante

Não quero ser um poeta
unicamente
do amor sexual, mas
também quero
falar de
sexo.
Não quero ser
motivacional,
e nem
sem nexo.
Preciso reciclar o tempo todo
tudo o que pensei
até aqui.
Não quero dor
nem quero dolo,
mas preciso
desesperadamente
me remir.
O que é a vida
e o que ela
canta; que são seus braços?
Qual cura
seiva
a
planta?
O assobio
é só o vento,
não me arrepio
mas
lamento.
Não posso ser tudo de uma vez.
Devo pedir ou ajudar?
Ignorar?...
Quiçá... talvez...


Fabiano Martins

segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Luzes

A cidade arde ao longe.
Favela.
São as luzes ofuscantes, tremulantes,
vibrantes;
verdes, sim, e amarelas.
Há um irresistível
fascínio
pelo que não é real.
A ficção do eldorado
da Rocinha ou Vidigal.
Comum a todos
os anseios,
entre calvários de trabalhadores
operários e chacinas,
impunemente prosperando
sob a égide
cocaína.

Já não posso mais
olhar.
Viro-me, então, para ter
com o mar.
Penso que ela já
não está ali.
Mas o arroubo
seduz,
soterra meninos
sob balas, sangue e
pus.
A miséria não mudou de lugar.
O poder da cocaína
confronta
a beleza deste mar.


Fabiano Martins.

quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Sorte

Há uma estrela no céu
que brilha;
é a minha esperança.
Há um chamado
que incide
no céu
com fulgor e pujança.
É a sorte. É a vida. É o dia.
E a abençoada experiência
terrestre,
destes seres que
andam por aí
com perguntas muitas e
beijos
breves.


Fabiano Martins.

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Personalidade

Acima destes pés
cansados,
existo.
A olhar para o céu... persisto!
Há uma estranha
e velada
insistência
que me vem por trás das horas
dos dias.
Há uma chuva que corrói
o que é bom,
dissipando o lampejo
de rebeldia.
Não me aquieto frente
ao conforto de uma vida sem rumo.
Não desejo, não absolvo.
Eu vou contra tudo.
O sistema me mostra seus olhos de anos
atrás.
O sistema me mostra seus olhos
ferinos a querer sempre mais.
E por fim, o sistema
arrefece o impulso vital;
se disfarça de sorte.
O sistema é um drama fatal
que nos leva o norte.
Não há mote
senão a incessante adesão,
e, portanto, inexisto
debaixo de tanta
negação.


Fabiano Martins.

sexta-feira, 21 de outubro de 2011

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Pelo caminho

As pessoas precisam se matar.
Os cientistas precisam nos libertar.
A religião precisa nos confortar.
Eu procuro meu lugar.

Recuso o conforto de um deus doente,
recuso a palavra de um ateu descrente.
Ofereço-me à jornada puramente
por não ter opção.
Traço o melhor caminho,
sempre a me esgueirar da solidão.
Aquieto-me e
me deixo.
Hei de falar com propriedade:
A vida foge-me entre segundos,
enquanto mudo
observo a paisagem.
Desta água em minha boca,
e desta vontade que desperta em mim,
brotam perguntas cuja as respostas
revelam-se somente ao escrutínio
do fim.


Fabiano Martins

Existir

As palavras descortinam o pensamento:
estou nu para quem quiser me ler.
Eu não sei dizer o que preciso
sempre de forma assertiva,
ostento um impossível lábaro de
beleza nem sempre augusta.
Minha astúcia se põe mediana
neste mundo de feras dispostas a tudo;
sou a laranja mecânica
com dor de estômago
frente ao mundo.
Acabo. Mas torno a nascer.
Uso armas que desconhecem pessoas
que não compartilham as verdades do meu viver.
Quero que a vida me desaponte,
para que eu a possa entender.
Não quero tudo o que preciso
sem esforço; peço o favor,
do mistério conhecer.
Quero saber da capacidade humana de fazer o mal,
para que assim, eu possa entornar atos
e não palavras.
Atos que me valerão.
Os desígnios que saem da minha boca
se perdem ao vento,
por isso os prendo
aqui
neste poema,
tão nosso e tão lento
quanto existir.


Fabiano Martins

terça-feira, 18 de outubro de 2011

Troca

Se você desistir de todas
as belezas impossíveis,
então te restarão apenas
as que, de fato,
existem.


Fabiano Martins

sábado, 15 de outubro de 2011

Cogito - Torquato Neto

Eu sou como eu sou
pronome
pessoal intransferível
do homem que iniciei
na medida do impossível

eu sou como eu sou
agora
sem grandes segredos dantes
sem novos secretos dentes
nesta hora

eu sou como eu sou
presente
desferrolhado indecente
feito um pedaço de mim

eu sou como eu sou
vidente
e vivo tranqüilamente
todas as horas do fim.


Torquato Neto

terça-feira, 11 de outubro de 2011

Percepção

Parece alguma coisa escrita
esta visão atípica
da tua mão repousada calma
e fria sobre a minha.
Parece um romance que li,
ou uma foto que vi,
ou qualquer coisa artística.

Teu corpo mudo e sem vida é carne e osso,
simplesmente.
Assim, vejo que as pessoas são finitas,
e que eu também caminho
para daqui estar ausente.

Digo adeus
como quem diz até logo,
e me despeço com a morosidade
de quem não sabe
ao que prestar.
Vejo-me feito, não de saudade e nem
de matéria,
mas de uma energia etérea,
menos de guerra
e mais de amar.


Fabiano Martins.

O anti-veneno das horas

Acho que foi o amor
que te fez achar
que tudo valia a pena.
Mesmo à sorte sincopada
entre os goles de cicuta
dados por pessoas ingênuas.
Eram poemas que você oferecia
sem se importar.
Mas veja:
As palavras te dão a liberdade de falar
e te aprisionam ao que disse.
Meu pessimismo, na verdade,
enseja uma maré melhor.
A vida não é só de pão e circo e
sonatas executadas em lá menor.
Não. A vida se passa distante
da camuflagem romântica.
Estamos aqui, apenas pragmatizando
mais razões ufanas,
para contemplar a grana,
e esquecer da grama que se prende
aos pés descalços, quando estes estão.
A poesia mesmo quando feia
é bonita,
mesmo quando crítica
acredita,
mesmo quando não rimada
é rítmica.
Basta prestar atenção.


Fabiano Martins.

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Lembranças

Vejo o passado tomar conta da minha vida
como uma nuvem lânguida,
que se estende pelos dias
até o presente encontrar;
Vai consumindo tudo
até me ver
ausente,
mesmo deste exato segundo
que se pôs a passar.
E, no entanto, o imaterial Agora
traz sensações amiúde,
que aí estão postas
para punir e inebriar.
As razões dos erros do passado
desvanecem,
frente as coisas que acontecem
antes da tal nuvem dominar.
As coisas que são sentidas
estão mais vivas,
mesmo aquelas
cujo o tempo, com suas lâminas frias,
vem cortar.


Fabiano Martins

sexta-feira, 7 de outubro de 2011

Café

Quando me sento à mesa
sei que não há nada
além do café
em minha frente.
Pego a xícara pela alça
e pela sede
bebo à vida.
Sei que do café
e do seu pó negro,
haverá um fator
químico que me fará
beirar o exagero.
Minhas pupilas se dilatam.
É o mundo iluminando novos caminhos.
Estou na decorrência
de um altivo e parcimonioso
discurso factível.
Nos jornais, leio as matérias plantadas.
Não formo opinião,
ao que não entendo nada.
Quero evitar sensacionalismos - não possuo
melindres de nacionalismo;
não tenho pátria.
Ando pelas ruas da cidade.
Uso apenas as pernas para este fim.
Minha cabeça mantém-me afastado
do atrito osso-a-osso,
que se afeita à carne
e gera autonomia ao corpo.
Minha cabeça voa em frações de tempo
incontáveis. Estou sempre só
no meio desta multidão altiva
e misturada.
Estou só a definir odores
e classificar pessoas
em boas, más,
aproveitadoras
ou nada.
Enterro minha cabeça nas nuvens
quando tomo café.
A viagem pareceu-me um tanto lúgubre,
vindo a pé: recusei a folha do menino de rua
e não cedi à tentação de comprar
um doce.
Não fumo cigarro há tanto tempo
e hoje, do nada,
senti seu gosto agridoce.
Não há razão que não a de apenas estar.
Os românticos querem chorar.
Eu quero gritar, pois não compreendo
quase nada.


Fabiano Martins

Maquinal mente

Tudo nasce natural,
mesmo a coisa etérea.
Há a vaidade de Ser agora,
e a depressão de quem
Era.

Tudo nasce confuso,
caos inexplicável.
Será que faremos algum dia uso
de um sentimento palpável?
Ah, quanta besteira invade minha cabeça
e me põe a pensar...
As coisas de um modo ou de outro
irão se desmaterializar.
Entretanto, contas chegam.
Não vou mais filosofar.
Sei que não há tempo mas envelheço,
isto significa que na minha realidade
tempo há.
Ao que chegamos à idade mais avançada,
e de lá nos sobra quase nada,
apenas resguardo financeiro grande ou pequeno
e filosofia barata.

Eu verso distante, dentro de um bueiro.
Quero explodir a cada instante,
ao que só assim serei verdadeiro.
Não devo me acabar de tristeza no banheiro
com o gás ligado e a chama apagada,
repleto pelo odor característico
e pensamentos sobre a vida derramada.

Não hei de ser alvo
do mundo -
Nesta vida entregue à sorte.
Assumo meu papel neste teatro,
ora corrosivo, ora suporte.

Não, não... não há nada.
Repito sempre a mesma bravata.
Amanhã é dia de trabalho e ao pescoço
laço gravata.


Fabiano Martins

quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Para que servem os fatos?

Olá.
Estou vivo
aqui neste instante.

Disperso palavras
pois não as sinto
nunca
distantes.

Tento não sorrir jocosamente
para o que não entendo.
Tento não repreender
e me pego
repreendendo.

Sim, há muitas contradições
neste meu viver,
mas agora estou aqui sentado
escrevendo e desejando apenas
escrever.

Estou criticamente empenhado
em conquistar por merecer.
Não me visite se não gostar de mim
e não me diga palavras
por dizer.

As pessoas morrem no final - este é um fato.
O que quero
é saber
por quê.


Fabiano Martins

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Vontade e potência

Por horas a fio
pensei.
Não havia nada
nem
ninguém.
Por horas a fio
atestei
a vontade que se recosta
à parede em alarde
ou
em ninguém.

Estou só.
Estou caído, sem resposta;
com tantos versos embebidos
em tanta prosa.

Estou aqui e estou lá,
sempre querendo
estar.
Não sou, pois não posso
ser
nada além do que
a vida
deixar.

A política tornou os
homens mais medíocres,
donos da verdade.
Sufocou
a verdadeira potência,
entre os gritos da sociabilidade.
Tudo agora diz respeito
a ter uma incrível honorabilidade,
que só é merecedor
quem obedece os estatutos
até trespassar a última
idade.


Fabiano Martins

sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Corpo e alma

Os assuntos da alma não dizem respeito
ao coração.
Deus coroou o sexo com o orgasmo
para incentivar a propagação.
Aí está:
armadilha veloz, lancinante,
apaixonantemente quase
impossível de se negar.
O sexo brinda a vida,
dilata as pupilas e faz a perna, hesitante,
tremular.
O sexo com a sua amiga
no elevador, no motel.
Amante.
Antes mesmo de se saber gente,
antes mesmo
de se estar neste instante.
A isto não obstante,
tudo é dor no estupro.
E à alma, também vejo acontecer
assim:
pensamento é gozo libertador;
opressão é depressão sem
fim.


Fabiano Martins

quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Vivos

Antes era leve e não possuía palavra na boca.
Hoje, pesado, saúdo com muita alegria
a todo espírito e alma rota.
Não acredito em verdade
que se conquiste
alimentando a ação generalizada.
Vou na contramão da globalização,
desejando a coisa menos familiarizada.
Aos montes de homens seguidores,
sei que sou mal visto.
Nasci com uma idéia
que me persegue:
não devo ser ao pensamento omisso.
Assumo; afasto; quero; rechaço.
Enfim, há tanto no que sou,
que só posso ser em ti!
Mas não me aponte o ecrã
como forma de dizer que já consegui.
Quero ter contigo à noite,
sem fios de cobre, sem telas de computador.
Desejo venerar o teu sorriso e a tua palavra
com árduo e intenso
louvor, pois
estamos vivos!


Fabiano Martins.

quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Anoitecer

Aguardo-vos, chamados do ego.
Para levarem-me além
do meu desapego.
Aguardo-vos
chegarem
nestes carros
voadores.
Levem-me, chamados -
a me achar
menos mortal.
Aceitem-me
no final,
angustiado;
vendo a sorte
do afogado
e despertando
para o mal.


Fabiano Martins

terça-feira, 27 de setembro de 2011

Pé na estrada

Ela revela:
"-Eu não quero miúdas certezas.
Eu não quero nenhum ressentimento;
não sinto rancor nem remorso,
mas devo dizer que lamento."

Ele diz...
"-Quero aprender contigo.
Quero aprender com seus tropeços.
Não há razão; há não-palavra,
que devora o sentido
de tudo que escrevo!"

Ela encerra.
"-Eu não quero brigar com você.
Eu só quero aprender a ser só,
como tudo que falo ou revelo,
mesmo quando me sobra a pior.
É difícil seguir nesta estrada
obscura e incerta... e deserta!
É difícil assumir o que quero;
é difícil te ouvir com a porta
aberta."


Fabiano Martins

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

O Nada

Hoje de manhã, veja você, o Nada tocou minha campainha.
Abri a porta, mas não era ninguém.
Maldita personagem é o Nada!
Saí pela rua e olhei para as pessoas.
No centro, quase todas de cara pálida,
rezavam seus rosários impávidas,
reclamantes de pormenores
insignificantes.
O Nada rondava-me,
espreitava na esquina, imutável;
imperceptivelmente camuflado
entre a hora do desjejum
e o almoço, entre os pedaços
rasgados de um bilhete de loteria.

O dia passa:
Li no jornal tragédias;
assisti na tv melodramas;
dormi sozinho numa cama.
Acordei para o café que coei, para a manteiga que passei
na bisnaga.
Eis a vida que me cabe;
a escolhi sem perceber,
sempre partindo numa reta imaginária;
sempre cabendo sem caber.
Abandonei-me entre escolhas e vontades,
entre pessoas que simplesmente
esqueces-te depois de sua passagem.
Enfim, quando jovem
não conheci amigo mais fiel
que o cigarro.
Tanto, que na sua ausência
não pude nem parar de me mexer. Tremia.
Na sua abstinência, aprendi que estou
sozinho. Oh saudade que traz a chuva,
como é bom fumar no frio...
Oh saudade melancólica que me traz um arrepio!
Sucumbo à vontade,
acendo o pavio da minha sorte.
Minha morte é programada,
tão certa quanto essa fumaça.
Veja só: ajudo-me a matar o tempo
com o alento do que me mata.
No final, somos todos muito
parecidos com o teor crítico
que preenche o
Nada.


Fabiano Martins

sábado, 24 de setembro de 2011

Sobre a falta de gentileza

Às vezes, me sinto
um figurante solitário
num comercial de
supermercado.
Ando pelas ruas
a aguentar
o peso de uma sacola.
Sob o pretexto de estar
atrasado,
me ponho a andar
mais rápido.
Subo elevadores,
escadas;
atravesso portões.
Falo das coisas
erradas;
aprendo antigas lições.
Tenho mais uns
cinquenta anos
de vida,
se tudo der certo até lá...
Não sei o que acho direito
deste manto
que cinge
estelar.
Não tenho tempo
para ver o céu;
devo me ensacolar.
Há vazio nos muros
do Rio,
Há vazão de maré
atrasada,
Há viver e viver
sem falar.
Há o que há
na sacola
pesada.


Fabiano Martins

sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Nascimento

Minha mão retesa sobre a cabeça de uma criança
protege a ela e a mim.
Queremos escapar do fim augusto
entre lábaros dissociados da paz.
Da noite, sobrou a boca gasta a dispersar saliva,
feito a água da chuva abarca
a idéia mais permissiva.
Estou só nas veias espessas do meu caminho.
Minh´alma grita espaço afora; quer o abono do carinho.
Entretanto, meu corpo singra os mares;
deseja arfante e
quer.
Deitado em um leito vazio,
atado pelo umbigo,
saio de uma
mulher.


Fabiano Martins

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Apé

Desejei a sua morte,
por entre os lençóis e falácias
de algum sentimento consorte.
Isso revela o meu íntimo.
Desejei que morresse
num grau ínfimo
de consciência, sem ver
ou vendo-me
aturdido pela total incoerência.
Mas nem sempre se pode
ser coeso ou coerente
no mundo posto à nossa frente.
Há pessoas que te derrubam com
ódio de tudo,
mesmo sem te conhecerem a fundo.
Cuidado com os perigos.
Sempre tenha cuidado,
ao que não se pode confiar na vigilância
divina e ser despreocupado.
Há que se fazer por onde,
mesmo não sabendo
como começar.
Começo e logo me perco.
Paro e recomeço a andar...
descalço.


Fabiano Martins

Caos

A idéia de tempo nasce da percepção do envelhecimento da face.
Eu ando entre bilhões de seres e não sou mais humano por isso.
As suposições gastas da imaginação embaraçam e desbancam as intenções.
Somos seres fugidios
rumo ao ápice da forma física,
rumo ao ápice da forma intelectual.
Aqui neste lugar tão grande, tão frio,
tão vazio de outras maneiras de pensar.
Aqui neste lugar há milhões que sentem como eu.
Há este tempo imaginado que não vejo passar.
Sabemos que estarei envelhecido se continuar vivo -
e este é um fato que deve constar desde cedo na minha formação.
Não há salvação, precisamos sofrer - com este já são dois fatos.
Precisamos tingir as penas duras dos dias tristes,
ao consolo de um sorriso ou de um afago acolhedor,
ou infinito amor de mãe.
O que te serve de atenuante na rotina?
Quando é de manhã e você parte, mesmo sem querer ir;
parte rumo à uma auto destruição mais que permitida:
necessária.
Estraga teu estômago a golpear copos de cafés
com a intensidade voraz de quem bebe água.
O que te sobra quando dos estressantes relacionamentos empregatícios, dos realmente imensos edifícios, dos dias mais omissos onde a glória falta,
a Grande Aventura se revela?
Sobra você, bem constituído ser,
edificando uma pirâmide cujo o resultado
final nunca lhe será permitido ver.
E às mãos calejadas de tanto sofrer,
sobra a desgraça de saber que não é chegado a nós o
segredo por trás das potências que regem as coisas do mundo - (três fatos).
Um homem destina-se unicamente a como seu corpo percebe e reage
aos acontecimentos. Forma e conteúdo.
Eu entro pela esquerda, enquanto alguém sai pela direita; repulso a violência que alguém conserva.
Há muitos vieses e o pragmatismo trará lugares seguros.
É como uma peça ensaiada, um filme de autor:
todos divergem quanto às idéias e deste caos discordante, empiricamente,
a evolução acontece.


Fabiano Martins

terça-feira, 20 de setembro de 2011

A jaula

Preparando-se para sua primeira consulta com o psicólogo, um
homem acomoda-se na poltrona da sala do médico e toma
um gole de ar. O Doutor percebendo o estado desconfortável
do homem lhe oferece instruções, "comece contando para mim
o seu nome".

"Meu nome é (não importa).
Tenho um casamento feliz,
e consegui certo sucesso profissional.
Hoje passei uma hora com minhas filhas. Elas crescem rápido.
Sabe, fomos ao parque semana passada
e lhes expliquei que não podiam
dar comida aos bichos. Elas ficaram decepcionadas.
Nessa idade temos muito a oferecer.
Tanta inocência reluzida
através de atos puros e gestos, que, depois
de adultos, tornam-se inverossímeis.
Elas ficaram decepcionadas pois queriam alimentar
o macaquinho. Eu lhes disse não..."

Neste instante uma emoção toma conta do locutor:

"Não... o que me incomodou foi
perceber que eu mesmo já tive essa vontade,
e fui repreendido da mesma forma pelo meu pai.
Ele me disse não, igualmente.
Não... o que me incomodou foi perceber
o quanto a minha vontade de dar foi
substituída pela vontade de tirar proveito, pouco a pouco,
lentamente...
Fui crecendo e perdendo algumas coisas humanas.
Percebe? Matamos a inocência no berço.
Com mentiras vestidas de vermelho e coelhos
que trazem chocolates.
Hoje, adulto, levo minhas filhas ao Zoológico,
enquanto o certo seria liderar
uma revolução para ver aqueles bichos
soltos com suas zoonoses, correrem livres
para morrerem ou matarem
e poderem participar da vida,
e não simplesmente servirem ao entretenimento
vago e distante
de serem vistos feito espécimes, ao invés de contemplados
em sua magnitude voraz,
natural."

O pensamento intrigante daquela revelação fez o psicólogo mover-se da cadeira.

"O Doutor não percebe o que quero dizer?
Não? Pois bem, usarei de uma forma mais transitiva agora:
Ao passar pela jaula dos leões, eu tive - veja bem - pena deles.
As meninas gritavam e tinham medo. Natural, eu acho.
O que me surpreende é esse pensamento. Afinal,
como posso eu, mero arremedo de uma convenção determinada
do que deve ser um homem, ter pena de uma força tão impressionante
e selvagem como são os leões?
Sim, eles estavam presos na jaula, domesticados,
com refeições intermitentes e satisfatórias,
com médicos especialistas que lhes mantinham vivos,
enquanto tudo que desejavam era morrer.
Tive medo, doutor, porque me sinto
assim."


Fabiano Martins.

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Agora e na hora de nossa morte

Do cheiro de éter, vem uma manhã luminosa.
Pouco a pouco, caibo eu em um carro;
cabem minhas pernas
na parte da frente e
meus braços abraçados às costelas;
cabe o ouvido e a boca,
mas os olhos... estes não cabem.
Ah, sim! Cabem palavras e
letras demasiadas,
assim como o silêncio e o refluxo.
Inteiramente, torno-me cabide
de tudo que há no mundo:
Cabem as coisas erradas, a mentira e a náusea;
o amor, o ódio e o pecado, também cabem.
Caibo na CTI de algum hospital,
examinando friamente o que somos
nesta rotina ofertante de bem e mal,
pela madrugada.
Cabe-me o morto ao lado e o alívio imaginário
de estar em casa.
Sinto-me, curiosamente, diferente.
Caibo eu aqui quase lá,
desejando mais um pouco permanecer,
sem nem direito caber em tanta vontade de
amar.


Fabiano Martins

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

A moça - (Tonho França)

Primeiro Lugar - Prêmio Francisco Igreja (2011)


A moça...

Tinha os olhos e cabelos formados por feixes de águas negras e profundas
A pele morena e lisa em tom de terra secular e misteriosa
Lábios finos e doces como sumo dos morangos
Sua voz era a mesma das deusas e das prostitutas
E guiava o voo dos pássaros e o rumo do sol
O vestido de neve rendado por pedras e ervas
cobria o corpo bordado em fios de ouro e pérolas
Era a moça de Santa Cruz de La Sierra
Era a moça de santa Cruz
Na mão direita estampada a face de vários mortos
E na outra um cajado de lua e estrela
Os seios erguidos apontavam o céu
amamentavam pequenos anjos que nasciam nas noites de inverno
Não era amante de homem algum ou de qualquer criatura
Os pés descalços pisavam o tempo e as promessas
Suas lágrimas banhavam os vales em trigos e vinho
E era a moça de Santa Cruz de La Sierra
Era a moça de santa Cruz
Era a santa
Ela a cruz


Poesia de Tonho França
site: www.tonhofranca.com.br

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

Prêmio Francisco Igreja - edição 2011

Informe:

IV Festival de Poesia Falada do Rio de Janeiro
(Prêmio Francisco Igreja)

ANUNCIA OS CLASSIFICADOS:
os 20 melhores textos, do Festival de Poesia Falada do Rio de Janeiro, que concorrem ao Prêmio Francisco Igreja / 2011 serão apresentados na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, no dia 16 de setembro, a partir das 16:30h, no Auditório Machado de Assis (entrada pela Rua México).

Poesia concorrente: Aquedar e Quedar - Fabiano Martins.

para ver todos os concorrentes, segue o link do site da APPERJ:
http://www.apperj.com.br/IVfestival_poesia_faladarj_classificados.htm


Abraços.

quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Conivência

Estamos numa casa
em algum lugar.
Há uma luz fria,
que se insere
por entre o
sereno do
fim da noite.

Respiro em seus ouvidos.
Você me diz sobre o caos
e as coincidências;
eu não acredito em nada disso,
mas sorrio.

Você, tão minha,
em meus braços,
simplesmente dorme.
A dor do mundo
acaba
frente ao consolo de outra
alma perdida.
Somos duas crianças ainda;
duas crianças da noite,
abraçadas em um quarto
de luz fria,
cobertos por pensamentos
e sentimentos tão psicologicamente
óbvios.

Aqui estou e cada segundo dura.
Daqui não vou. Desejo estar.
Silêncio faço, pois não quero te acordar.
Sinto que nem mesmo se quisesse
poderia.
Vejo seus cílios dos olhos e pele da boca.
Corpo torto; alma rota.
Não devo te acordar deste sono,
matenho você em meus braços
e a noite
passa.

Não me acorde também
deste sonho,
onde só posso contar contigo,
contra imensos obstáculos
e grandes amigos perdidos.
Ou então, me acorde
e mostre que na vida, tal como na guerra,
precisamos de aliados frente aos perigos,
e que frente aos perigosos inimigos
é preciso também ser
fera.

No entanto, o que desejo
é a ilusão desta madrugada.
Feito álcool, teu abraço entorpece; faz-me sentir mais vivo.
Todos os dias, há uma estrela que fenece;
e ao que o céu, lentamente, obscurece,
conivente, sigo eu a preservar
teu brilho.


Fabiano Martins.



Inspirado no epidósio "No Meio da Noite Numa Casa Escura em Algum Lugar do Mundo", do filme "Cenas de um casamento" - de Ingmar Bergman.

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Abandono

Será este silêncio
fruto da minha imaginação?

Ouço sinos e vozes de homens.
Há crianças nas ruas
e esperanças em seus pequenos olhos;
elas aprendem desde cedo
que é preciso resolver seus problemas
sozinhas,
contudo, não poderão agora
saber sobre o abandono
da vida adulta.
Há um indulto, chamado conforto.
Há outro, chamado fraternidade.
Ambos são excludentes.
Elas não sabem disso ainda;
são inocentes.
Este silêncio de que lhe falava
é a resposta do universo;
este som de nada misturado
com coisa alguma
advindo de uma nuvem
posta sobre a minha cabeça.
Não há respostas, somente
palavras ditas por homens
e sinos que emitem sinais.
Não há respostas, que não a perda da fé...
mas e se ela resiste, e alguém cede os joelhos
à terra batida a implorar
por perdão?
"Perdoe-me pois já nasci amaldiçoado,
fruto de um grande
pecado."
"Perdoe-me também pelo
escárnio e por todas as contradições
que minha mente limitada não consegue desvendar."
"Perdoe-me por tentar ser feliz,
num mundo onde impuseram-me o
sofrimento."
Perdoe-me por este solitário lamento.

Ah! Uma alma notívaga -
dentre tantas outras -
anda pela linha do trem;
alma incólume - não quer nada.
Unicamente deseja
deixar de ser.
Eu a sigo pelo caminho.
Pequenina alma, cheia de vontades negadas.
Como pode o mundo ser tão duro contigo?
Eu sigo você por essa estrada,
e desejo-lhe proteção.
Mas também não sou nada
e, portanto, nada posso fazer;
assisto à sua ruína num camarote
bem posicionado.
Ninguém se importa com a sua dor,
e nem mesmo você importa-se
com a dor de ninguém.
Este é o fato.


Fabiano Martins

quinta-feira, 8 de setembro de 2011

Passageiro - Áudio

Passageiro

A rotina vagante
e a energia
cadente
são de mim, por mim;
são daquilo que me é
inerente.
Solidão
é coisa de
uma nota só;
seu dissabor
é

e
Dó.
Os lábaros balançam
e saboreiam
o vento, enquanto
minha cidade
uiva
num só lamento.
Os ternos dizem
quem os homens são;
os homens ternos
morrem
sempre em vão.
Não negastes minha mão
à estrada,
então nela
busco
saída.
Sigo sempre a notívaga
caminhada,
derramando pouco a pouco
minha
vida.


Fabiano Martins

Valores

Um homem de moral
não rouba.
Vejo reputados
homens na televisão
e eles
roubam.
Mas juram inocência.
O que se há de fazer? Negar?
Jurar?
Votar...
Um homem de moral não rouba,
entretanto, o contrário
é que me vem
mais verdadeiro.
Sou natural do Rio de Janeiro
e lhe digo,
talvez a moral
não seja a melhor coisa a ser conquistada.
Afinal, de que vale aquele que negou
a jogada?
Morreu pobre, sem respeito
e sem direito a leito
em algum hospital.
E os outros?
Edificaram feito faraós
cidades para a música
ali,
bem em frente ao Lourenço Jorge,
onde quem não tem
moral,
acaba
entregue
à própria sorte.


Fabiano Martins

Do pensamento anárquico

Se te pedirem o troco na rua,
dê tudo que tens.
A divisão nesse mundo é injusta,
não te custa
custear alguém.

Mesmo que esta intenção
legitime
a bebedeira inveterada de outrém.

Qual razão
para viver é a mais sublime -
e quem sou eu para responder...
e você
é
quem?

Se te pedem algo na rua,
dê mesmo que vá te faltar.
Há verdade na água da chuva,
mas não em se negacear.

A carteira repleta é ilusão,
preenchê-la a qualquer preço,
irremediavelmente,
levará à perdição.

Não te locupletes
de coisas vazias: compras, cabelos,
companhias..
Ora, o que te faz superior a alguém?
Mesmo o mendigo
que às tramas se lança,
em tanta armadilha
e tanta intenção,
é um homem - também um bicho, -
a qual o outro não estende a mão.

Por isso, te peço que does
o que lhe permitir o ego,
sem ter demasiada vaidade
pelo seu desapego.

Palavras, eu entrego
a quem as quiser portar.
Também não sou capataz de dinheiro,
pois que este é um meio
matreiro
de fazer o amor faltar.


Fabiano Martins.

quarta-feira, 7 de setembro de 2011

O encontro

Quem me disse
que a vida tira máscaras
foi você; eu apenas queria viver,
não queria refletir.
Quem me disse
para estudar mais sobre a morte
foi você;
eu, inconsciente, ia caminhando
para a despedida.
Quem me falou que verdades
são tão mutáveis quanto o
céu do dia,
não viu que hoje fez sol o dia inteiro.
Não, isso não foi você
quem disse;
fui eu aprendendo
a ser mais como você.
Agora eu vou,
pois a hora passou mais veloz
que esses pedidos feitos
ao vento.
O adeus
faz parte do encontro,
e eu
lhe digo.
Adeus.


Fabiano Martins

terça-feira, 6 de setembro de 2011

Conjecturas

As pessoas passam pelas ruas.
Elas se olham
uma a uma
sem se ver.
Copiam-se e desdenham-se;
entendem-se e desentendem-se;
matam e salvam.
Quantas pessoas pelas ruas
assumem seu papel
mais capital?
Quantas outras ficam nuas
dependentes
daquilo que é normal?
Quais delas estão vivas?
Todas falam e se movimentam, mas
quantas delas estão vivas sobre
esta calçada e sob este sol?
Quantas comem sobras?
Quantas morrem sem viver?
Quantas são escravas dos seus medos?
Quantas pensam com neuroticismo
nas relações humanas...
As pessoas procuram espelhos
pelas ruas
e reúnem-se em grupos
amistosos.
Há valor em medir-se pelo seguro
e pelo sempre cômodo
óbvio.
Não posso recusar ser igual, pois
nasci também da
secreção.
Não posso abster-me de propor
que podemos nos salvar
através da negação de alguns valores,
mas talvez esse meu comportamento
seja apenas natural,
comum. Outrossim, negar e estar à margem
pode ser o óbvio
para esses meus relacionamentos
igualmente amistosos,
aos quais dou a mão na
rua.
Mas estas são apenas
conjecturas.


Fabiano Martins.

segunda-feira, 5 de setembro de 2011

Interpessoal

Às vezes, há verdade
nas palavras.
Outras, só
vazio.
Em alguns dias,
minhas estradas
são verdadeiros terrenos
baldios -
quase sempre
de rotos caminhos.
Enfrento a dura peleja
em silêncio e sozinho.
Mas não seríamos
todos assim?
Hoje, nasço. Amanhã, morro.
Cabe-me um pequeno
pedaço desta ressurtida
janela, ao qual chamam
tempo.
Cabe-me poder
lhe dizer
que a única coisa que sei
é que
é preciso ter fé.
De outra forma,
não poderíamos lidar
com tanta violência gratuita
e cinismo.
Sei também
que às vezes,
nada pode ser mais
criativo
do que discutir
o existencialismo.
Mas, e daí?
Será que a poesia
é para cura, ou apenas
para alívio?
A poesia é o
paleativo do poeta,
que não pode matar
a fome dos outros,
nem usar de violência, e
nem falar em outro
nome,
que não seja o seu...
então, pronto!
não há como fugir
dessa condição
solitária
e reivindicativa
da reflexão.
Minhas palavras são
o meu desejo,
a minha visão,
o meu egoísmo.
Mas não seríamos
todos
assim?


Fabiano Martins.

Ironia

Carro, cabelo,
blue-ray,
dvd,
computador,
Ipad
eu e você.
Banco,
montante,
corrupção.
Vaidade, mordomo
negação.
Inumanos humanos
capitais.
Morte a quem rouba
três reais.
Tecnologia,
ar condionado,
roupa de luxo
e farrapos.
Mármore,
ouro,
diamante,
Luxo, conforto
e muita
fome.


Fabiano Martins



http://g1.globo.com/mundo/noticia/2011/09/centenas-morrem-diariamente-de-fome-na-somalia-diz-onu.html

domingo, 4 de setembro de 2011

de um passeio só

Sinto que tudo gira
ao redor de algo que eu
desconheço.
Dizem-me que há
o além
feito de silêncios.
Onde vai este além, ou
melhor,
para onde nos leva?
Esse silêncio
que grita,
fala à minh´alma.
Como pode ser o vento mais veloz...
Este vento sem partículas,
meu corpo acalma.
Este silêncio que
grita,
tudo faz girar no meu entorno.
Percebo-me só.
Tudo roda e
nada posso fazer
para te tirar dessa órbita
minha.
Apenas o
silêncio nos une - em mim, grita.
Em ti, não sei.
Este silêncio nos une
mais ainda porque
não o entendo,
mas consigo
sentí-lo.


Fabiano Martins

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Da socialização - Áudio


Ardil

À garganta,
seca um nó
embuído de engasgo.
Vazia,
a rua rompe o silêncio
pálido.
Vêem-se as sobras da noite
nos teus olhos escurecidos e
obstinados.
São bandidos e anjos
decaídos,
investidos
de poderes tácitos.
Convincentes e prementes
Vão à mente
muito fácil e
movimentam inconscientes
terrestres seres
prédio
abaixo.


Fabiano Martins

quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Farewell - Pablo Neruda

1
Desde el fondo de ti, y arrodillado,
un niño triste como yo, nos mira.

Por esa vida que arderá en sus venas
tendrían que amarrarse nuestras vidas.

Por esas manos, hijas de tus manos,
tendrían que matar las manos mías.

Por sus ojos abiertos en la tierra
veré en los tuyos lágrimas un día.

2
Yo no lo quiero, Amada.
Para que nada nos amarre

que no nos una nada.
Ni la palabra que aromó tu boca,

ni lo que no dijeron tus palabras.
Ni la fiesta de amor que no tuvimos,
ni tus sollozos junto a la ventana.

3
(Amo el amor de los marineros

que besan y se van.
Dejan una promesa.

No vuelven nunca más.
En cada puerto una mujer espera:

los marineros besan y se van.
Una noche se acuestan con la muerte en el lecho del mar.)

4
Amo el amor que se reparte
en besos, lecho y pan.

Amor que puede ser eterno
y puede ser fugaz.

Amor que quiere libertarse
para volver a amar.

Amor divinizado que se acerca
Amor divinizado que se va.

5
Ya no se encantarán mis ojos en tus ojos,
ya no se endulzará junto a ti mi dolor.

Pero hacia donde vaya llevaré tu mirada
y hacia donde camines llevarás mi dolor.

Fui tuyo, fuiste mía. ¿Qué más? Juntos hicimos
un recodo en la ruta donde el amor pasó.

Fui tuyo, fuiste mía. Tú serás del que te ame,
del que corte en tu huerto lo que he sembrado yo.

Yo me voy. Estoy triste: pero siempre estoy triste.
Vengo desde tus brazos. No sé hacia dónde voy.

...Desde tu corazón me dice adiós un niño.
Y yo le digo adiós.

Persona

Sou duas pessoas em
uma.
Estou aqui para conhecer
a dor e sobrepujá-la.
Sou o que me diz
e o que me cala;
o astral radioso
de uma noite infinda;
um anjo torto e caído,
que brinda;
sou todo coração.

Seja no frio,
seja no verão,
aqui estou jogado
a leões domesticados,
que não sabem mais
o que é ser selvagem.

Um é dor, o outro é alegria.
Um é ator, o outro é confraria.
Um é andor e o outro é santo.
Não posso mais suportar
o peso de tanta gente
em mim.

Tem o que fui e o que
seria;
o que vi e o que
queria;
o que sou e o que me torno,
constantemente.
Estou sentado na janela do presente,
imaginando carros rasgando ruas
e luas atraídas por marés.

Vivo para tentar compreender
por que definho, a tomar
toda a verdade pelo
vinho; e sempre
à sorte estar à
mercê.


Fabiano Martins.

Ingênuo

Diz-me que o pecado é uma
mentira inventada
por alguém,
e que mesmo
o próprio dinheiro pode não comprar
ninguém.
Diz-me com total segurança
que o que vale
é ter esperança
e
confiança
em outrém.
Faz-me crer de alguma forma
nesse mundo
onde moro e me confundo.
Onde sei que morrerei.
Lembro algumas falas
que eram tuas,
mutáveis
e tão cruas, como o
sol no alvorecer.
Duro muito tempo, até que duro.
Escondendo-me do futuro
que não sei
reconhecer.


Fabiano Martins.

terça-feira, 30 de agosto de 2011

Escolhas

Dizem-me que não tenho motivos;
que estou perdido;
e que sou ingênuo.
Dizem-me que devo
ser
pequeno.

Mas contra todos os zumbidos,
e todas as moradas,
contra todos os conselhos
e coisas abnegadas,
resta apenas o sentimento que se tem.

Essa voz que fala comigo
aqui dentro
não me
faz copiar
moldes vazios,
quer viver sem o brio
do ouro de tolos
e do vintém.

Não, de verdade,
estou farto!
Não vou contar centavos,
nem quero dizer amém.
Devo perseguir
a coisa amada;
ver além da madrugada;
resgatar-me pelo bem.

Eu, reprimenda de conselhos,
repreendo meus desejos
e ensejos
de ser
alguém.


Fabiano Martins

Inexorável

Não mais.
Você não viu
que era só
a solidão
que te abatia,
naqueles dias tristes
quando somente palavras
te faziam companhia.
Você não viu apenas
a ilusão
da correria,
também achou
que era verdade
abandonar
a banalidade
das tuas companhias.
Não. Você não viu,
por isso se perdeu.
A confiança
obstante à pouca idade
sabe que
este sonho
não é seu.
Ah, sorte inviolável... pois a tudo
foi você quem disse
adeus!


Fabiano Martins

Mário Quintana

"Todos estes que aí estão
Atravancando o meu caminho,
Eles passarão…
Eu passarinho!"

Por um sentido na vida

Paro em frente à cara do meu inimigo.
Ele também sou eu.
Assumo o confronto mais intuitivo
e nego-me tanto
quanto nego o
beijo
teu.

Sou minha mais perigosa armadilha,
pois sei tudo
de
mim.
Vivo, no entanto, não vivo;
só respondo, aguardando pelo
sim.

Respondo, simplesmente.
As palavras têm um fim;
Crio ações que medem
a razão,
e me envaideço por aquilo
que ofereci.
Nego-te, vaidade, tão purgante!
Nego-te do meu coração.
Valente é o homem
que mesmo em face da morte
segue
com
obstinação.

Oh mundo, imenso.
Por vezes, te acho poeira.
Como posso eu tão pequeno,
me achar tão denso e merecedor de verdades inteiras...
Vaidade, vaidade:
Entorno-te por libertação, pois
não há vida sem pecado,
e isso basta
ao homem
são.


Fabiano Martins

segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Fortuna e Noite.

Acredito
que esqueci-me
em algum lugar
de acreditar
que existem coisas
sublimes.
Por isso, rio.
Não há como
acreditar em idéias
tais como essa.
Contudo, crio.
E tudo que desejo
é domar
a palavra,
mas ela luta comigo
e torna
muito difícil
essa lavra.
Acredito
que parei de acreditar
há algum tempo,
tendo de todo fenecido
meus alentos.
Até encontrar-me aturdido
pelo meu próprio
lamento.
Solidão - fortuna e noite.
Como reclamar
contigo
do que pões
nos versos
meus?


Fabiano Martins

domingo, 28 de agosto de 2011

De tanto dobrar,
os joelhos
viraram sinos,
a balançar
todo mar
e
todo hino;
de tanto te olhar,
meus olhos
queimaram
a forma
tua;
de tanto pedir
a você para tirar
o ódio
do meu coração
é que, enfim,
pude perceber
que isso é coisa
que se conquista
sozinho.


Fabiano Martins.

sexta-feira, 26 de agosto de 2011

Profeta

Sei que vejo
castanhos
olhos azuis.
Sei que desejos
uivantes
não têm
zêlo algum.
Não sei
de verdades que não vivi
e nem de mentiras
que não
desenhei.
Sei das coisas
que fiz,
e também das que
deixei.
Sigo, pois,
tudo sabendo,
com meu único aliado
sendo
o simples não saber.
Sei que de pudor
eu não dependo,
que do teu corpo
eu sempre lembro,
que no teu gozo
eu vou
morrer.


Fabiano Martins.

Let´s play that (Torquato Neto)

Quando eu nasci
um anjo louco muito louco
veio ler a minha mão
não era um anjo barroco
era um anjo muito louco, torto
com asas de avião

eis que esse anjo me disse
apertando minha mão
com um sorriso entre dentes
vai bicho desafinar
o coro dos contentes
vai bicho desafinar
o coro dos contentes
let's play that


Torquato Neto

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

E a barca vai

Catamarã,
vem de manhã
buscar um filho
meu.
Assim será, leviatã
a chegar bem nos
portos
seus.
Os homens sãos,
todos irmãos,
antecipam
um tardio
adeus.
Catamarã,
a luta vã
não sabe o que é
do coração.
Assim que é,
querendo ou não:
Rasga a baía
na contramão!
Se assim que é,
então vai ser
nesta rotina dos
filhos meus.

Catamarás, além do mais
a minha vida
foi dar adeus.


Fabiano Martins

Analítico

Acho que me vejo em você
só por vontade de me ver.
Profecia que se auto-
realiza.
Sou o que meu olho
vê,
e a cabeça
mentaliza.
E desta terrena dor,
impávida,
tua verdade desce.
Frente ao andor de uma santa pálida,
a mente análitica
fenece.


Fabiano Martins

Luger

Meus fantasmas são fascistas,
contribuintes
de sonhos negros;
têm as faces
esfaceladas;
espalham dor e colhem
medo.
Meus fantasmas andam
armados -
armam-se de alguns esquemas;
são a farsa em estado
puro;
derivativos de
algum
dilema.
Meus fantasmas andam vivos
e falam eloqüentemente;
negam em si
o bom de tudo,
pois não sabem
que estão
doentes.


Fabiano Martins

Capitalismo

O que é a solidão, que não um trem vazio
que apita intermitente,
avisando que já chegou...
E o desespero. O que é, afinal?
Senão, um químico elixir originador
de passos que desservem às soluções
e geram entre muitos
amargor.
O que sou eu,
e o que é você
aqui?
Nada além de faíscas
brilhantes e que
tendem
a se extinguir.
Quero sorrir, mas não posso.
Há milhões agora
com fome.
Quero sorrir por ouvir teu nome,
mas me atino, e
em desconcerto
aceno:
o conforto é parte do mal
cá,
neste mundo
terreno.


Fabiano Martins

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Catecismo

É vago
o soneto
que trata da ação;
sua verdade
tem vertentes alienadas
e desatenção.
É vago o soneto
cheio de versos.
É vaga
a solidão.
É vago o que pago,
muito vago,
entender a
didática
oração.


Fabiano Martins

Do campo de batalha

Sou o solo
onde a solidão dá frutos.
Férteis, minhas mãos
se habituam a este desígnio.
Não há palavras que cheguem
para as rutilâncias
da estrada.
Lâminas afiadas
cortam - Palavras são como espadas.
Ando só,
marcado à coragem,
nas justas do meu caminho.
Toda a dor que experimento,
hei de superar
sozinho.
Luto sempre navegante, sempre andarilho,
contra nuvens carregadas e frivolidades,
e até mesmo contra
moinhos.
Como amar alguém
cujo os atos flertam com
a maldade?
Devo dizer que flerto eu também.
Oh, incrível complexidade,
Mãe de todos os meus versos
intransitivos;
quer me fazer
de verdade
um homem,
sem atentar para humanos títulos.
Só me resta a temperança
e ter concentração atinada,
posto que na batalha
vence
a alma mais
obstinada.


Fabiano Martins

terça-feira, 23 de agosto de 2011

Tentação

Ao meu ouvido displicente
sopras uma canção.
Certamente leniente,
teu gemido é
intenção.
Mas atente
ao que me cabe
deste meu pequeno quinhão:
Tu me dizes que me queres
e eu apenas
digo
não.


Fabiano Martins

segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Deus e o diabo

Não devo
apequenar
a voz que berra,
como faz um boi valente
frente
à morte.
Debato meus braços
a escrever
poemas,
e às pernas
sobra o peso desta
sorte.
Sou um limitado instrumento
imbuído de amor nas configurações,
que assume seu papel neste dilema
a recusar o óbvio
das multidões.

Então quisera eu pragmatizar ações divinas,
contextualizar doutrinas,
esquecer-me até
lembrar
dos corpos sem vida nas chacinas,
de toda a violência da esquina,
de toda a inocência de amar.
Então quisera eu
morrer
para finalmente conhecer
a lógica de outro lugar.
Será que lá

vida?
Convalecida, pungente, forte,
demente, ou, simplesmente,
estupor?

Será que há
razão maior que o amor?
E este sentimento... talvez
venha a ser o próprio Deus,
e, o ódio, o próprio Diabo -
um sempre nascendo do outro,
fingindo eternamente
o protagonismo de
opostos
lados.


Fabiano Martins


Inspirado no filme "Através de um espelho" - da Trilogia do Silêncio, de Ingmar Berman.

domingo, 21 de agosto de 2011

Da socialização

Em frente ao mar não há tristeza,
apenas recordações.
Em frente ao mar
E à sua beleza,
Assentam-se as brumas
das coisas
vãs.

As cartas que deixo
em frente ao mar,
Ofereço à correnteza.
Uso de uma oração
Contínua e transparente,
certamente, de sutilezas...
e essas muitas palavras minhas
afogam-se, ou não;
são barcos distantes em ilhas;
sopros,
armadilhas;
da
socialização.


Fabiano Martins

sábado, 20 de agosto de 2011

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Elementar

Tiros,
opróbrio do povo.
Força coercitiva
do Estado Novo.

Balas.
Velozes, atravessam;
em chamas, queimam;
alardeaim.

Bombas.
Oh, doce matemática!
Atômicas, iônicas...
Idiossincráticas.

Navios.
Furtivos, chegam e vão.
Em vão, os tiros
detêm a importação.

Banheiros públicos,
Sujos, ratoeiros.
Imundos bueiros
explodem.

Prostituição.
Salgadas e ásperas,
lisas ou não;
São rosas que se colhem
para qualquer situação.

Nudez,
Artífice da alma do poeta.
Há que se perder em desalinho
para enfim tê-la completa.

E nos quadros sucessivos,
e na repetição,
E nos suspiros idos,
E na insatisfação,
E da voz que te diz "continua!"
e da que te freia ao "não",
As mesmas verdades ecoam,
disfarçadas de ilusão.


Fabiano Martins

Reflexões para tardes de agosto

Sei que não devo
retroceder.
Guardo minha lâmina
afiada
onde você não pode ver.
Não pode ver
porque te falta
poesia,
e esse pormenorizado
dom
é primazia.
Não é o dinheiro que compra,
e nem a influência que corrobora,
simplesmente,
nasce
em quem
a sensibilidade
vigora.

Remi-vos, irmãos.
Somos todos iguais no final.
Não há dor pior
que a de não ser completo,
nem dissabor
maior
que abdicar da vocação.



Fabiano Martins

Dezoito anos

Andei por algumas cachoeiras,
fui ao Horto,
ao Cristo
e desci as
Paineiras;
Aplainei frugalidades na floresta da Tijuca
A machucar meu coração,
que propõe
uma permuta:
contigo
voltar
a viver como naqueles tempos,
imortalmente,
em que fomos
tão velozes,
tão algozes,
adolescentes...


Fabiano Martins

O surfista




Plácida água da
praia da macumba,
com grandes séries
revoltas
que se esfarelam
para então criar
túneis, ou tumbas.

Plácida água,
de arrebentação ao longe;
É o cerne
de todo o mar.
Nunca antes
para mim tão distante
como agora.

Mar de cor azul
marulhada;
Da tua água gelada
e
salgada,
bebo a salvação.


Fabiano Martins



*Foto da praia da Macumba tirada por um surfista. Fonte: Jornal "O Dia"

Sorte candelária

Na calçada da Candelária,
à imponente igreja,
ressaltada está, bem em frente,
a marca que o homem
enseja.
São corpos pequeninos
desenhados
a giz
no chão.
Anjos doentes
velados
sem sono,
pertencentes ao dragão.
As metralhadoras
desatinadas
são abafadas
pelo som de escapamentos:
a dura realidade está ali
sobre o cimento,
mas
ninguém percebe
o desejo maturado
de libertação.
Ninguém percebe
que as amarras
são do homem
para o homem, por
imposição.

Sinos dobram.
É hora da missa,
passam os senhores antigos
e as noviças,
passam homens de bem
e ladrões, passam carros
trens, multidões.
De um a um todos passam
sabendo que passarão,
mas, desatentos, não se detêm a
olhar para o chão.

Eu me esquivo
quando por ali
passo
Apenas um reflexo, talvez,
descompasso.
O que temo é ser vítima
também,
Não das balas encontradas
nos corpos findos,
mas de tudo que
precede
o meu
amém.


Fabiano Martins

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Beatriz

Olha
Será que ela é moça
Será que ela é triste
Será que é o contrário
Será que é pintura
O rosto da atriz
Se ela dança no sétimo céu
Se ela acredita que é outro país
E se ela só decora o seu papel
E se eu pudesse entrar na sua vida
Olha
Será que ela é de louça
Será que é de éter
Será que é loucura
Será que é cenário
A casa da atriz
Se ela mora num arranha-céu
E se as paredes são feitas de giz
E se ela chora num quarto de hotel
E se eu pudesse entrar na sua vida
Sim, me leva pra sempre, Beatriz
Me ensina a não andar com os pés no chão
Para sempre é sempre por um triz
Aí, diz quantos desastres tem na minha mão
Diz se é perigoso a gente ser feliz
Olha
Será que é uma estrela
Será que é mentira
Será que é comédia
Será que é divina
A vida da atriz
Se ela um dia despencar do céu
E se os pagantes exigirem bis
E se o arcanjo passar o chapéu
E se eu pudesse entrar na sua vida


Chico Buarque e Edu Lobo.

Esta Tarde vi llover (Alfredo Le Pera & Carlos Gardel)




por José Feliciano.

Curvelo de Santa




No curvelo,
deixei minha alma,
numa manhã
chuvosa
de carnaval e alegria.
Por onde andei?
Santa Tereza
é quem me guia,
junto a uma multidão...
pois foi no curvelo
de um dia,
em um
paralelepípedo,
que entreguei
meu coração.


Fabiano Martins

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Indelével

Se eu te falar
que não
é porque
eu sei
que a maldade existe.
Não me acredite
descrente do
mundo por isso.
Eu sei e você sabe:
o mundo é omisso.
Mas há uma tal honra
que se afirma
compromisso
de um homem que
não segue por seguir
e nem lidera
por liderar.
O mundo é um bom lugar,
não fossem
as pessoas a se enganar
e se furtar da beleza
que tem aqui.
Terra. Tão pequenina, Terra.
Lar de marinheiros e soldados.
Lar dos bichos da terra e do mar.
Tão simplesmente o melhor lugar desta via láctea,
quiçá
do universo inteiro.
Planeta pragmático, de coisas duras,
que nos ensina
por bem
ou por mal,
e que entre os vagantes tempos
invisíveis
já foi fogo, gelo, paraíso, e hoje caminha
para ser todo mar...
Ah, meu pequeno lar,
um dia hei de realmente te integrar,
ao me dispersar
deste avatar
de nome Fabiano
tão leviano
quanto possa o ser humano
abarcar.


Fabiano Martins

terça-feira, 16 de agosto de 2011

Gris insensato

Envio a mim
mesmo
cartas
que são para ti.
O meu repouso é timoneiro,
sobe ao Rio a sorrir.
Enfrento-me longe
em grandes batalhas
onde atacam-se naus.
Meus olhos contrastam com
os seus,
desatando-me os nós.
Estes olhos marinheiros
que além
do mar
transbordam,
pertencem
à água leviana
que rola sem se importar
com a oração, protetora
e insana,
impeditiva
da morte afogado;
que me suplica
um beijo roubado; e
que é final
de todo conto infeliz,
mas que tem raíz
pois nasceu
inconstante e marulhado;
trôpego
insensato,
gris.


Fabiano Martins

Furta-cor

O queimor
da minha voz
é o canto
de todo pássaro,
que leve
voa
sem no entanto
ostentar lábaro.
Sabem:
Não há pátria
que não o céu,
e nem azul
de cor tão livre...
O meu queimor
é uma bala
sem calibre,
perdida,
a querer ver entretida
toda a forma
e toda a cor.


Fabiano Martins.

Os Inocentes do Leblon

Os inocentes do Leblon
não viram o navio entrar.
Trouxe bailarinas?
trouxe imigrantes?
trouxe um grama de rádio?
Os inocentes, definitivamente inocentes, tudo ignoram,
mas a areia é quente, e há um óleo suave
que eles passam nas costas, e esquecem.

Carlos Drummond de Andrade

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Armado

Não quero o dom
de ser
primaz: desejo compartilhar.
Não quero ter
sempre mais,
mas
unicamente
amar.
Não sei se devo ser quem sou,
fora toda a minha
ideologia.
Com coragem
sigo ante ao mundo
tendo ao coldre
poesia.


Fabiano Martins.

Displicente

Tempo.
Ah, esse genocida!
Transtorna-me com essas rugas.
Ah! esta minha vida...
já passou.
Tão rápido
que nem pude
ver.
Me arrependo
de ter seguido
ratos
e por isso
nem quero mais viver.
Não fiz o que
deveria,
pois tinha contas para pagar.
Não destrichei a poesia
pois as coisas duras
do dia a dia
invadiram seu lugar.
Mas nem tudo
é falha.
Houve também
grande gozo
e euforia,
quando, jovem,
só olhava para frente
e os efeitos do
tempo
não conhecia...


Fabiano Martins

O beijo da rosa

O dia amanhece
e é sempre
assim:
alvorecer para fazer
chorar
e amar
por estares
em mim.
De ti, meu dia
depende.
É um dia usual.
Há nele a rotina
de uma dança
vacante
entre o bem
e entre o mal.
Mas acordo,
e ainda estou dormindo.
A manhã não chegará.
Avisto-me ao longe,
me despedindo,
com embargo
à face rubra
de chorar.
Desta madrugada,
apenas o desamor
restou;
fulgurou pelo meu caminho
como o espinho que a rosa criou
para furar os dedos de ladrões
ignorantes,
que não merecem
a primazia
de um revelador
beijo odorante.


Fabiano Martins

Deletério

Tua verdade
é velada
e frugal;
é acorde
de noite
que rompe o silêncio
e me acaricia,
como água
que a sede acalma
e silencia.
Não,
mais parece
um sopro
que alimenta
o fogo
e faz meu corpo
todo incediar.
Ventania.
Tua verdade vazia
quer me levar
a andar
por onde nunca antes
ia,
em meio à
mata densa,
e à noturna consciência
de que o crime
não compensa.


Fabiano Martins.

sexta-feira, 12 de agosto de 2011

Mr Buster - Vinícius de Moraes

Quando anunciou a volta para sua terra natal, depois de servir como diplomata por algum tempo nos EUA e circular pelos mais badalados lares oliudianos, o poeta Vinícius de Moraes foi confrontado por um tal Mr Buster, que deve ter-lhe dito algo como: "Uatarrél! Por que voltar ao Brasil?!"

Segue a resposta:

“Mas me diga uma coisa, Mas me diga uma coisa, Mr.Buster/ Me diga sinceramente uma coisa, Mr. Buster/ O senhor sabe lá o que é um choro de Pixinguinha?/ O senhor sabe lá o que é ter uma jaboticabeira no quintal?/ O senhor sabe lá o que é torcer pelo Botafogo?”



Uma singela homenagem aos 107 anos do Botafogo de Futebol e Regatas

Celeumas mudas

O que move
a ação
é o coração, e
este
já não mais pulsa
com fulgor;
é um ninho frio
semi-árido
a querer lembrar
o amor
que já não sente mais.

O que gera o impulso
das veias que regam
o sangue
e seivam verdades
desniveladas
é a centelha
invisível,
na qual sucumbem
seres que pensam ser
mais
quando não são
nada.

Minha vaidade
não me deixa ver
que eu também sou
prisioneiro
deste mundo de elegias,
sempre querendo indulgenciar
meu ego
através da poesia.
O que, levianamente,
pode ser
a minha redenção, de outro modo,
seria o mote
de quem se lança
à depressão.


Fabiano Martins.

Sociedade

O homem disse para o amigo:
– Breve irei a tua casa
e levarei minha mulher.

O amigo enfeitou a casa
e quando o homem chegou com a mulher,
soltou uma dúzia de foguetes.
O homem comeu e bebeu.
A mulher bebeu e cantou.
Os dois dançaram.
O amigo estava muito satisfeito.

Quando foi hora de sair,
o amigo disse para o homem:
– Breve irei a tua casa.
E apertou a mão dos dois.

No caminho o homem resmunga:
– Ora essa, era o que faltava.
E a mulher ajunta: – Que idiota.

– A casa é um ninho de pulgas.
– Reparaste o bife queimado?
O piano ruim e a comida pouca.

E todas as quintas-feiras
eles voltam à casa do amigo
que ainda não pôde retribuir a visita.


Carlos Drummond de Andrade

LED

Como a bala do canhão
no feudo alheio,
como a tinta
a destituir
mais um déspota,
me atrevo
a dizer
que desta vez
a revolução
será incitada
de forma diferente;
Ela reluzirá
como tudo
que reflete
sob o atento
tiritar
das lâmpadas de LED.


Fabiano Martins

quinta-feira, 11 de agosto de 2011

O monarca

Estou na janela
que dá para
o átrio.
Meus olhos fotografam
a paisagem
como quem
observa
um retrato:
Os escravos passam
e levam consigo
suor;
Comerciantes
vendem
suas frutas;
e mulheres
oferecem-se à labuta
de lavadeira.
A tarde inteira
o passo é o mesmo,
até que surge
uma nova igreja,
e mais meninos
são catequizados,
não se trata de fé este ato,
mas de zeloso cuidado
para manter próspera a nação.
Algumas rainhas visitam-me
ao cais;
trazem-me
de Voltaire
a Rousseau; fazem-me
de servo, por vezes.
Aprendo com os anseios
reais
a ser um ser real,
mas de nada vale
o peso desta missão
senão pudermos
olharmo-nos
despidos de sofreguidão.
Então reflexivo,
me torno reflexo
da era que passa embaixo dos
meus pés.
Na janela do átrio,
há um retrato
para a igreja
que é viés
desta peleja dura
e intransferível.
Os homens são livres
por suposição, mas
será que realmente o são?
Talvez, somente serão
até que a dor de não ter
transborde sobre a alegria
de se ter,
e faça tudo se desenvolver
longe da lógica natural.
Não há humana razão nestas palavras,
mas há alerta
do que precisa ser abandonado.


Fabiano Martins

Por una cabeza

Por una cabeza
de un noble potrillo
que justo en la raya
afloja al llegar,
y que al regresar
parece decir:
No olvidéis, hermano,
vos sabés, no hay que jugar.
Por una cabeza,
metejón de un día
de aquella coqueta
y risueña mujer,
que al jurar sonriendo
el amor que está mintiendo,
quema en una hoguera
todo mi querer.

Por una cabeza,
todas las locuras.
Su boca que besa,
borra la tristeza,
calma la amargura.
Por una cabeza,
si ella me olvida
qué importa perderme
mil veces la vida,
para qué vivir.

Cuántos desengaños,
por una cabeza.
Yo jugué mil veces,
no vuelvo a insistir.
Pero si un mirar
me hiere al pasar,
sus labios de fuego
otra vez quiero besar.
Basta de carreras,
se acabó la timba.
¡Un final reñido
ya no vuelvo a ver!
Pero si algún pingo
llega a ser fija el domingo,
yo me juego entero.
¡Qué le voy a hacer..!


Alfredo Le Pera

Para sempre

Escuto teus passos
cambiantes
à beira da estrada.
Teu divagar bêbado e inebriante
causa minha dor.
O hálito
alcóolico
e teus beijos sinceros
são parte nas disputas
que eu travo comigo;
Resultam neste amargor,
que me leva à beira da estrada
para novamente
despedir-me
do amor.
Adeus, devo dizer,
para outra vez
me negacear,
quando através
da porta fechada
tua prece vem me alcançar.
A Deus, eu sempre digo,
contudo, volto
para te salvar,
dos desencantos
das orgias noturnas;
e das misérias
que vais
me acusar.


Fabiano Martins

quarta-feira, 10 de agosto de 2011

Pais

Você quis me dar mão
por um caminho escuro; quis me proteger
e ser tudo,
quando o mundo lhe exigiu tanto.
Você lutou, para meu espanto,
com bravura e sem reticência.
E na sua ausência,
fui crescendo.
O amor que se dá ao mundo
nunca retorna tal qual achamos que deveria
ser.
A angústia e o incessante fazimento
são prerrogativas
para a vida florescer.
Sobre o amor, aprendi.
E sobre a importância de se dar a mão,
também.
Falou-me do quão preciosa
é a lealdade,
E longe manteve
os olhos de iniquidade.
Acontece que o amor
incondicional
é ponto de partida para o bem e para o mal,
E a busca incessante pela perfeição
pode tornar a obra
por demais inverossímil.

Alegria, orgulho e outros devaneios
que patriarcas antigos não têm mais,
agora ficam
como zumbido
ressoando no ouvido
dos novos pais...


Fabiano Martins.

Retrato

Eu não tinha este rosto de hoje,
assim calmo, assim triste, assim magro,
nem estes olhos tão vazios,
nem o lábio amargo.

Eu não tinha estas mãos sem força,
tão paradas e frias e mortas;
eu não tinha este coração
que nem se mostra.

Eu não dei por esta mudança,
tão simples, tão certa, tão fácil:
- Em que espelho ficou perdida a minha face?

Cecília Meireles

terça-feira, 9 de agosto de 2011

Motriz

Aquilo que não entendo,
que não consigo ver,
que não imagino tangido,
que não remôo
ungido,
e do que não destôo.
Aquilo que sei que existe,
mas que insiste em se mostrar
opaco,
de duvidosa existência,
vagante entre cadência e poência,
e subrepujante
entre purgantes
e adjacências.
É aquilo que
molda a minha jornada
na inatingível intenção
de ser morada
e pilar de sustentação
para as idéias
que são sonhos
ratificados pelo coração.


Fabiano Martins

Mistério do Planeta

Vou mostrando como sou e vou sendo como posso.
Jogando meu corpo no mundo,
andando por todos os cantos
e pela lei natural dos encontros,
eu deixo e recebo um tanto.
E passo aos olhos nus ou vestidos de lunetas.

Passado, presente,
participo sendo o mistério do planeta.

O tríplice mistério do stop,
que eu passo por e sendo ele no que
fica em cada um.

No que sigo o meu caminho
e no ar que fez e assistiu.
Abra um parênteses,
não esqueça que independente disso
eu não passo de um malandro.
De um moleque do Brasil,
que peço e dou esmolas.
Mas ando e penso sempre com mais de um,
por isso ninguém vê minha sacola.

Os Novos Baianos

Violência

O que aqui vejo
são mãos que se erguem
a implorar por espaço
e por tempo.
Pedir
simplesmente
para merecer
a sobrevida caminhada
à margem de tudo que está
à venda.

Sobra à vida,
a imagem formada
da figura alienada
que ultrapassa
a rua
para ter com os seus...

Meu Deus, repito, Meu Deus!

Já que tudo que se imagina
é precipício,
já que o berço da miséria
é o mais difícil.
Por que não tomar à força?
E, assim, poder
domar esta onça,
que, insistente,
violenta e atenta
ao descarte diário
do humano sem posses

Aonde estão teus olhos, mundo?
Que não vêem a dor do vagabundo.
Aonde estão tuas mãos, Terra?
Que não acodem as crianças esqueléticas.
Aonde está tua língua? Que não no coro
do discurso que blinda o poder
e faz multiplicar as favelas.


Fabiano Martins

Instinto Coletivo

Quadras e quadras e quadras
Cirandas, cirandas
B. Boys
e capoeiristas
Velhos sonhos, novos nomes na avenida.
O folclore é hard core e ataca o nosso momento
Abre a roda quem tá fora e quem tá dentro, participa!
O folclore é hard core, instiga alegria
em respeito do homem ao tambor,
no ritmo que domina com louvor
Pelo fato de estarmos juntos sem pavor,
Pois o instinto é coletivo meu senhor.

Eu represento o instinto coletivo

É domingo e só temos uma opção
As caixas grandes
O som tem que ser alto
Pra tocar a multidão
Essa dança não faz seleção
Pro homem do samba, o homem do funk,
o homem do bangra,
Baile da furacão, folia de reis,
Kuarup e o Boi Mamão -
nossa identidade é nosso lar
dentro dessa área de exclusão.
Comandante Marcos, África Bambatta,
Padre Cícero e Lampião.
Contra a mente em exclusão, sempre souberam
que o instinto é coletivo meu irmão

O rappa from Brasil
Third world posse on the hill
O rappa from Brasil.

When you see my passaport number
You don't see my culture
You don't see me.

O Rappa

Nó de fumaça

Saiu de banda serpenteando
Como um peixe ensaboado
Nem o Rio engarrafado
Foi capaz de detê-lo

Nas esquinas nas favelas
Não se fala de outro assunto

Na muvuca da encrenca
Tem inocente tem culpado
E lavadeira não têm trouxa
Fumo novo é batizado
Filé de osso cara inchada
Quem conhece sabe que é do santo
Faca sem ponta, segura a onda da roubada

Palmeando as meninas
Que estreavam a vida adulta
Não sobrou uma na área
Tratamento de puta

Herói de várzea, tupamaro
De onde veio, quem pariu
Aquele homem de metro e meio
Nó de fumaça que saiu

E com silêncio do santo preto
Em igreja errada porta entrou
E, de bobeira, sentou curvado

E onde o cara caiu
A calçada se fez de cama
Em cima de um palmo de terra
Não nasce mato
Não nasce grama
Pintou o sete do terror
E fez questão de ser do mal
Consciente malandro
Sangue ruim, riff e coisa e tal

O Rappa

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Paixão

A chama pegou
a lava acendeu
a brisa espalhou
a garça morreu
O fogo ateou
no meio do breu
Cremado no campo
o morto
era
eu

O morto
era eu
levado sem canto
cremado no campo
castrado de encanto
sozinho no breu.
Cinza era pouco
no ateio do fogo
tudo era morto:
a garça e eu.

A chama cessou
a paz ascendeu
o fogo apagou
Te chamar
feneceu.


Fabiano Martins

Além do que se vê

Moça, olha só o que eu te escrevi
É preciso força pra sonhar e perceber
que a estrada vai além do que se vê
Sei que a tua solidão me dói
e que é difícil ser feliz
mas do que somos todos nós
você supõe o céu
Sei que o vento que entortou a flor
passou também por nosso lar
e foi você quem desviou
com golpes de pincel

Eu sei, é o amor que ninguém mais vê
Deixa eu ver a moça
Toma o teu, voa mais
que o bloco da família vai atrás

Põe mais um na mesa de jantar
por que hoje eu vou pra aí te ver
e tira o som dessa TV
pra gente conversar
Diz pro bamba usar o violão
pede pro Tico me esperar
e avisa que eu só vou chegar
no último vagão

É bom te ver sorrir
Deixa vir à moça
que eu também vou atrás
e a banda diz: assim é que se faz!

Marcelo Camelo

sexta-feira, 5 de agosto de 2011

Geração Y

Não sou bossa nova.
Tenho os preceitos
guardados
de uma geração esquecida.
Não, não sou apenas prosa.
Tenho poesia
e caminhada
que se transmitem feito coisa
escondida.
E, igualmente,
não sou exagerado.
Meço-me por algumas
atitudes altruístas
e nelas me disfarço.
Sim, tenho amado um bocado.
Fiz parte em camas levianas
e de amor transbordado em ódio
fui culpado.
Sim, sou fruto
impueril
da latitude dos trópicos e suas complicações.
Mas também sou da pátria
de cores vibrantes
que insiste em me querer
a seus pés.
Não pertenço mais
à classe transgênica,
entregue à ignorância.
E nem tampouco, posso furtar-me de dizer
que ainda sou criança,
mas sem a necessária inocência
a elas inerente.
Sou, sim, fruto das escolhas que fiz,
que foram apenas certezas
ratificadas pela cabeça
que encaixou estas palavras.
E por fim, reconheço em mim
o que há em "como nossos pais",
nossos erros e ídolos são os mesmos,
e o novo abstém-se no esquecimento
antes de ser reconhecido.


Fabiano Martins

A capa do jornal

O mundo parece ser mesmo assim,
sem justiça
ou verdades condizentes.
Parece-me que quem controla
os artífices,
controla
o povo
maquinalmente.

Fabiano Martins.

quinta-feira, 4 de agosto de 2011

Jards Macalé, Paulo José e Torquato Neto

Capa de polidez

Às vezes, não sou sincero.
Não é por medo,
nem para caluniar ninguém.
Não sou sincero,
às vezes,
pois pressinto
o azedume.
A vida me mostrou
e eu já sei:
nenhuma sinceridade
fica impune.

Aos surdos de ouvidos
tapados
E aos cegos de olhos abertos
para o dia,
o que sobra
é ver e ouvir,
sinceridade
e
hipocrisia.


Fabiano Martins

Baseado no filme "O Anjo exterminador", de Luis Buñuel.

Veia

Da condição
que vos falo,
sou parte inerente
à construção.
Da permissão
e do regalo,
nada posso
falar
senão
do que me afeta.
Afeito a isso,
sigo com os olhos
marejados,
de poeta.
Que se perdeu
para enfim ser encontrado,
e que se inquieta
frente às ondas tão fechadas
dessa praia;
frente ao grito
retumbante
que se ralha;
frente ao espaço
turbilhonante
em que a vida
passa.
Dito isso,
o que me sobra
é a bravata
e o meu pequeno
braço na batalha;
é a minha voz ouvida
pela nata, que
se abona
em ver de novo
sua ressurreta
cava.


Fabiano Martins

Baile no Elite

Fui a um baile no Elite, atendendo a um convite
Do Manoel Garçom (Meu Deus do Céu, que baile bom!)
Que coisa bacana, já do Campo de Santana
Ouvir o velho e bom som: trombone, sax e pistom.
O traje era esporte que o calor estava forte
Mas eu fui de jaquetão, para causar boa impressão
Naquele tempo era o requinte o linho S-120
E eu não gostava de blusão (É uma questão de opinião!)

Passei pela portaria, subi a velha escadaria
E penetrei no salão.
Quando dei de cara com a Orquestra Tabajara
E o popular Jamelão, cantando só samba-canção.
Norato e Norega, Macaxeira e Zé Bodega
Nas palhetas e metais (E tinha outros muitos mais)
No clarinete o Severino solava um choro tão divino
Desses que já não tem mais (E ele era ainda bem rapaz!)

Refeito dessa surpresa, me aboletei na mesa
Que eu tinha já reservado (Até paguei adiantado)
Manoel, que é dos nossos, trouxe um pires de tremoços
Uma cerveja e um traçado (Pra eu não pegar um resfriado)
Tomei minha Brahma, levantei, tirei a dama
E iniciei meu bailado (No puladinho e no cruzado)
Até Trajano e Mário Jorge que são caras que não fogem
Foram embora humilhados (Eu tava mesmo endiabrado!)

Quando o astro-rei já raiava e a Tabajara caprichava
Seus acordes finais (Para tristeza dos casais)
Toquei a pequena, feito artista de cinema
Em cenas sentimentais (à luz de um abajur lilás).
Num quarto sem forro, perto do pronto-socorro
Uma sirene me acordou (em estado desesperador)
Me levantei, lavei o rosto, quase morro de desgosto
pois foi um sonho e se acabou

(Seu Nélson Motta deu a nota que hoje o som é rock and roll.
A Tabajara é muito cara
e o velho tempo já passou!)

João Nogueira e Nei Lopes

Rosa Maria

Um dia
Encontrei Rosa Maria
Na beira da praia a soluçar
Eu perguntei o que aconteceu
Rosa Maria me respondeu
O nosso amor morreu
Não sei ainda explicar qual a razão
De Rosa Maria desprezar meu coração
Eu fazia-lhe toda a vontade
Será que ela tem outra amizade?


Aníbal da Silva e Éden Silva

quarta-feira, 3 de agosto de 2011

Aniversariamente

Aniversariamente,
minha razão
conversa comigo.
Fala à minha figura,
que vaga entre outras
conversas,
que ter paixão é preciso,
assim como é
impreciso ter pressa.
Aniversariamente,
temo pelo futuro
que demora; lembro
que antes de ser futuro,
o passado
também já demorou,
E, agora, inverte-se
como um palíndromo.
De tudo que falo e escrevo,
quando leio,
vejo falar comigo.
Não sei bem se
é este o meu anseio
ou se é
um confortável abrigo.
Então me dispo,
e à razão encaminho resposta.
Esta conversa entre mim
e eu mesmo
É o mote das minhas apostas.


Fabiano Martins

Clube da Luta

You are not your job.
You are not the money in your bank account.
You are not the car you drive.
You are not how much money is in your wallet.
You are not your fucking khakis.
You are the all-singing, all-dancing crap of the world.

Tyler Durden

O processo

Quando ando só,
tenho impressões.
São leves pensamentos
que vislumbro,
momento de raras reflexões.
Quando ando só,
estou com o mundo em meus braços.
Minha cabeça é cenário,
Meu corte
arde
e eu passo...
Quando aqui fico
e não quero sair,
reflete-se em mim
o baixo
que pertence à reta imaginária
composta por altos também,
e que delineia a vida dos homens.
Não quero sair para ver ninguém
e um muro imponho
ao exterior mundo.
Fico mudo de repente,
sem conhecer palavra alguma.
Me acudo em precedentes
para achar na palavra,
alcunha
para um nome qualquer que venha a
brincar nas histórias
mudas
que montei durante a época de andanças.
É preciso andar
para criar
e ficar só
para ter temperança.


Fabiano Martins

Metrô Linha 743

Ele ia andando pela rua meio apressado
Ele sabia que tava sendo vigiado
Cheguei para ele e disse: Ei amigo, você pode me ceder um cigarro?
Ele disse: Eu dou, mas vá fumar lá do outro lado
Dois homens fumando juntos pode ser muito arriscado!
Disse: O prato mais caro do melhor banquete é
O que se come cabeça de gente que pensa
E os canibais de cabeça descobrem aqueles que pensam
Porque quem pensa, pensa melhor parado.
Desculpe minha pressa, fingindo atrasado
Trabalho em cartório mas sou escritor,
Perdi minha pena nem sei qual foi o mês
Metrô linha 743

O homem apressado me deixou e saiu voando
Aí eu me encostei num poste e fiquei fumando
Três outros chegaram com pistolas na mão,
Um gritou: Mão na cabeça malandro, se não quiser levar chumbo quente nos cornos
Eu disse: Claro, pois não, mas o que é que eu fiz?
Se é documento eu tenho aqui...
Outro disse: Não interessa, pouco importa, fique aí
Eu quero é saber o que você estava pensando
Eu avalio o preço me baseando no nível mental
Que você anda por aí usando
E aí eu lhe digo o preço que sua cabeça agora está custando
Minha cabeça caída, solta no chão
Eu vi meu corpo sem ela pela primeira e última vez
Metrô linha 743

Jogaram minha cabeça oca no lixo da cozinha
E eu era agora um cérebro, um cérebro vivo à vinagrete
Meu cérebro logo pensou: que seja, mas nunca fui tiete
Fui posto à mesa com mais dois
E eram três pratos raros, e foi o maitre que pôs
Senti horror ao ser comido com desejo por um senhor alinhado
Meu último pedaço, antes de ser engolido ainda pensou grilado:
Quem será este desgraçado dono desta zorra toda?
Já tá tudo armado, o jogo dos caçadores canibais
Mas o negócio aqui tá muito bandeira
Dá bandeira demais meu Deus
Cuidado brother, cuidado sábio senhor
É um conselho sério pra vocês
Eu morri e nem sei mesmo qual foi aquele mês
Ah! Metrô linha 743


Raul Seixas

Minha

Minha? Quem disse que ela foi minha
Se fosse seria a rainha
Que sempre vinha
Aos sonhos meus

Minha, ela não foi um só instante
como mentiam as cartomantes
como eram falsas as bolas de cristal

Minha!
Repete agora esta cigana
Lembrando fatos envelhecidos
que já não ferem mais os meus ouvidos


Cartola

Corra e olhe o céu

Linda,
Te sinto mais bela
E fico na espera
Me sinto tão só
Mas!
O tempo que passa
Em dor maior
Bem maior...

Linda,
No que se apresenta
O triste se ausenta
Fez-se a alegria
Corra e olhe o céu
Que o sol vem trazer
Bom dia
Ah!
Corra e olhe o céu
Que o sol vem trazer
Bom dia...


Cartola e Dalmo Casteli

Hilda Hilst

Enquanto faço o verso, tu decerto vives.
Trabalhas tua riqueza, e eu trabalho o sangue.
Dirás que sangue é o não teres teu ouro
E o poeta te diz: compra o teu tempo.
Contempla o teu viver que corre, escuta
O teu ouro de dentro. É outro o amarelo que te falo.
Enquanto faço o verso, tu que não me lês
Sorris, se do meu verso ardente alguém te fala.
O ser poeta te sabe a ornamento, desconversas:
"Meu precioso tempo não pode ser perdido com os poetas".
Irmão do meu momento: quando eu morrer
Uma coisa infinita também morre. É difícil dizê-lo:
MORRE O AMOR DE UM POETA.
E isso é tanto, que o teu ouro não compra,
E tão raro, que o mínimo pedaço, de tão vasto
Não cabe no meu canto.


Hilda Hilst

Soneto do amigo

Enfim, depois de tanto erro passado
Tantas retaliações, tanto perigo
Eis que ressurge noutro o velho amigo
Nunca perdido, sempre reencontrado.

É bom sentá-lo novamente ao lado
Com olhos que contêm o olhar antigo
Sempre comigo um pouco atribulado
E como sempre singular comigo.

Um bicho igual a mim, simples e humano
Sabendo se mover e comover
E a disfarçar com o meu próprio engano.

O amigo: um ser que a vida não explica
Que só se vai ao ver outro nascer
E o espelho de minha alma multiplica...


Vinícius de Moraes.