terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Despatriado

Hoje não estive para a poesia,
preferi a chuva que invadiu a tarde
e transformou o dia.
Arde em mim a dor
de suas gotas ácidas,
o fulgor de suas nuvens ásperas,
o negror da minha própria estupidez.
Hoje não preferi poesia,
quis ter com a tarde
que trouxe cinza ao invés de dia.
Quis ter comigo
distante do teu vestígio,
saúde, espirro...
semblante de adeus.
Fui andarilho em linhas tortas,
em ruas rotas
sem ver o sol.
Não quis brincar de fazer versos,
preferi levá-los a sério
e questionar o universo.
Não quis falar coisas boas,
nem trazer a verdade reluzente em prata.
Quis saber-me pequenino,
menino, sem ouro e sem
pátria.


Fabiano Martins

segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Dança do escorpião

Já falei as coisas que já disse
e não existem as que ainda vou falar.

Já postei o que passou por aqui.
Já mandei em carta para o mar.

Já me recostei na brisa
e caí,
não procuro mais ter lugar.

Já passei pelo amor e pecado,
hoje quero em nada passar.

Já lhe disse tanto
que me arrependi depois.
Minha dor é vacante
e me atina, numa dança,
a contar "um, dois".
O escorpião na areia
e a retina, que se pôs
a falar:
"um,
dois".


Fabiano Martins

domingo, 29 de janeiro de 2012

Caminho dos pescadores

No caminho dos pescadores,
há muito mais do que peixes;
há uma poça que se formou
depois da chuva;
há uma noiva que se tornará viúva;
há o tempo, etéreo e senhor;
mas não há paz sem dor.
No caminho dos pescadores
há o que só se pode ver
se por lá passar.
Mas é preciso que saibas:
Há muito mais do que peixes
na contemplação do mar.


Fabiano Martins

sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

Camisa

Talvez a poesia não sirva
e nem sirvam todos os nomes
que a poesia quer.
Talvez seja como uma camisa
este amor que sinto,
pois se esfarrapa pelos dias
aos poucos, sem que perceba e
até.


Fabiano Martins

terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Natural

Há uma espuma em minha boca
que se chama vontade;
é água feito a chuva, que do céu desce
para irrigar a cidade.
Procuro, mas me perco;
entretanto, me encontro.
Minha dúvida não é de agora,
ela insiste em saber quando e quanto...
Os meus pés fincam passos,
os quais a Terra força ao contrário.
Tudo que há no meu corpo é químico,
negar seria arbitrário.
Então, aceito a condição humana
com todas as suas características,
em busca de um pouco de alento
não me atenho às violentas estatísticas.
O mundo gira, enquanto o que procuro
é perceber meu caminho.
Para tanto, além de química,
trago algumas frases que ouvi
e outras que escrevi
sozinho.


Fabiano Martins

sábado, 21 de janeiro de 2012

Catequese

Deixo partes minhas na cidade,
ando pela areia.
O fogo desce do céu em razão da minha necessidade;
até à vontade, pelo vácuo, vagueia.
Minha visão persegue o voo raso da inexorabilidade.
Quero andar comigo mesmo.
Quero ser a minha ajuda.
Não persigo, nem prevejo.
Uso a mesma desculpa.
Liberdade é prisão e negar a dor é um tormento.
No enleio madrigal, jaz a última rosa
apóstola
do sofrimento.


Fabiano Martins

quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

Famartan no blog da novela.

Quem quiser dar uma olhada, segue o link.

http://tvg.globo.com/platb/aquelebeijo-emergencia-poetica/

segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

Esperando na chuva

Sei que estou nos teus olhos
e que neles brilho,
mas também sei que,
por serem andarilhos,
teus olhos vão se afastar.
Resisto às correntes
e ao pragmatismo.
Quero um mergulho fundo
na água do mar.
Quero encontrar o infinito
em algum lugar
para um boa noite de chuva.
Meu adeus não é arredio,
e também não é o frio
o que vem me arrepiar.
É a palavra morta
que relembra o que não disse.
É a resposta que teu corpo
em minha boca
insiste.
Não é tua culpa, nem é culpa de ninguém
se o tempo traz armadilhas
para aqueles que nele
vem.


Fabiano Martins

domingo, 15 de janeiro de 2012

À espera

Vejo uma árvore ao longe;
ela é como uma mulher.
Teve seu tempo de semeadura,
tem seu tempo de colher.
Há nesta árvore ao longe
tempos em que as folhas caem;
há nesta árvore distante
tempos de frutos tão exuberantes
quanto as flores odorantes
que à primavera cabem.
Nesta rua desta árvore
sempre nua feito o gérmen,
há ferida que se cura;
há o tronco e a raíz.
E nos meus olhos paira a sombra,
nunca poderão entender
o que da árvore é da mulher;
o que de mim foi de você.
Faço-lhe conjecturas,
ofereço-lhe o meu olhar,
pois que na rua desfolhada
sei que ela aguarda
a primavera frutificar.


Fabiano Martins

sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

Conjugal

O que fazer se só paro de beber quando acaba o uísque?
O que dizer se não posso dar certeza que
o amor romântico existe.
Bebi. Não estou bem.
Sinto-me mal pelo que fiz
e acho que você também.
Existem pessoas que me detém no ato,
não posso fugir da verdade,
sigo este simples fato.
Não sei, nunca soube viver.
Posto que não vivi antes,
como poderia saber?
Então me diga você
que é tão a favor da moral,
o que fazer quando no escuro
da noite
surge algo astral?
Ignora-se, talvez,
por medo de uma suposta exposição...
não quero magoar ninguém,
mas também
não quero viver em negação.
O que faço posto que a chama em meu peito
feneceu?
Arrumo a cama,
me despeço de fato, e digo
sempre fui teu.


Fabiano Martins

segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

Epílogo

Meus braços são raízes
que me fincam
na matéria.
Entre os anos
eu vou.
A minha boca está sedenta
pelo beijo
da existência.
E, sobre qualquer
aspecto
de etérea consciência,
sei que é preciso
um pouco
saber.
Junto palavras
para formar
ideias;
as deixo em escritos
para que me lembres
depois que eu
morrer.


Fabiano Martins

quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

Inspiração

Bendito beijo que não neguei.
Bendito aquilo que não tive.
Bendita a boca em que cuspi.
Bendita solidão em riste.

Bendito fruto que não comi.
Bendita hora que me assiste.
Bendito amor que não foi meu.
Benditas flores - belas e simples.

Pela inocência perdida
e por cada ilusão esvaziada.

Que me bendigam todas as folhas
nas quais letras serão
desenhadas.


Fabiano Martins

segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

O jovem Raskolnikov





Seu pensamento estava vivo,
e essa era a única coisa humana que ainda mantinha.
Nenhuma conjectura em especial,
nenhuma palavra.
Nenhum amor.
Nada.
Apenas solidão,
silêncio
e longas caminhadas.


Fabiano Martins.