sábado, 30 de julho de 2011

Permeio

Infantilmente,
creio
em tanta gente.
Creio.
Mas
sempre tenho
em mente
meu recreio,
pra ser tão simplesmente
teu permeio,
e teu contíguo laço,
e teu recheio.
Tão em tudo
que te abraço
sem receio.
Sou teu contíguo laço,
teu tempero;
Teu mais
bonito passo,
teu recheio;
Teu mais pesado
lastro,
derradeiro.


Fabiano Martins.

Mais que perfeito

Ele correra,
eu o chamara.
Havia a rua,
ele se debruçara.
O carro o batera -
ele nem chorara,
saira correndo
pela via errada.
Algo houvera,
saber não queria,
saíra correndo
atrás pela via.
Será que morrera
quando deveria?
Saber não podia,
sumira na rua...
À noite era ela,
que atrás
pela rua
correr não pudera
pela cria sua:
"- Será que morrera
saíra correndo...
Será que remendo
a pira errada?
pensara que era,
estava enganada!"


Fabiano Martins.

sexta-feira, 29 de julho de 2011

Desacômodo.

Das sobras que a vida
me ofertou,
construo meu castelo.
Ainda estou na fundação,
mas se imprimir
o esmero,
sei que essa construção
partirá até o cúme mais alto
que alcançar
a visão.
Este anelo
é minha condição,
E assim
desenfreado
me encontro
ensimesmado,
porém nunca resignado
pela imposição.


Fabiano Martins.

Ar condicionado.

O ar condiciona as palavras
ditas em voz elevada,
enquanto as que
tenho em mente
mantenho incondicionadas.


Fabiano Martins.

quinta-feira, 28 de julho de 2011

Informe

A riqueza que sempre pedi
apareceu em minha vida
de forma fiduciária.
Eram zeros
a preencher
minha conta bancária,
batizados
pelo sangue meu.
Daquele fim,
lembrei-me do sacrifício
de todo o início,
da visão embaçada
a desejar esta riqueza
que rechaço, mas aproveito;
que estilhaço
Como a granada
desferrolhada
em teu peito -
a despeito
de todo amor que tinha.
Foi perdendo meus dedos
que pude enfim comprar luvas,
e destas pantufas
sob meus pés,
há mais do que simples
conforto; há viés
da retidão
de quem entregou à sorte
os assassinos
Que um menino
levaram à morte.
Foi pela dor
da perda
que tive coragem
para a denúncia.
E descalça
tornei-me informante,
sem, demais,
o ar arrogante,
simplesmente
informante,
E amante
Da grande saudade
Que jaz
À anônima tumba.


Fabiano Martins.

Versos Íntimos

Vês?! Ninguém assistiu ao formidável
Enterro de tua última quimera.
Somente a Ingratidão - esta pantera -
Foi tua companheira inseparável!

Acostuma-te a lama que te espera!
O Homem que, nesta terra miserável,
Mora entre feras, sente inevitável
Necessidade de também ser fera

Toma um fósforo, acende teu cigarro!
O beijo, amigo, é a véspera do escarro.
A mão que afaga é a mesma que apedreja.

Se a alguém causa ainda pena a tua chaga
Apedreja essa mão vil que te afaga.
Escarra nessa boca de que beija!


Augusto dos Anjos

O Vencedor

Toma as espadas rútilas, guerreiro,
E à rutilância das espadas, toma
A adaga de aço, o gládio de aço, e doma
Meu coração — estranho carniceiro!

Não podes?! Chama então presto o primeiro
E o mais possante gladiador de Roma.
E qual mais pronto, e qual mais presto assoma,
Nenhum pôde domar o prisioneiro.

Meu coração triunfava nas arenas.
Veio depois um domador de hienas
E outro mais, e, por fim, veio um atleta,

Vieram todos, por fim; ao todo, uns cem...
E não pôde domá-lo enfim ninguém,
Que ninguém doma um coração de poeta!


Augusto dos Anjos.

quarta-feira, 27 de julho de 2011

O último beijo

Quando eu me for,
morrerá o meu amor.
Haverá teor
lúgubre
Na procissão
até o cemitério.
E da profissão de carpideira,
me poupe o impropério.
Só te peço
que minha carne não queimes
pois só o sol
terá esse privilégio.
Te peço
que me plante como semente
na terra
em que debruço o
último beijo.


Fabiano Martins.

terça-feira, 26 de julho de 2011

Sobre mim.

Algumas informações:
Fabiano de Mattos Martins, natural do Rio de Janeiro.
Nascido no dia Primeiro de Fevereiro de 1985.

Referências.

Para escrever é necessário ter o que falar. Mais do que forma, o conteúdo deve ser preservado. As palavras devem ter sentido. As figuras de linguagem devem ser bem construídas. Mas tudo seria apenas um castelo de areia sem a fundação da Referência.
Quando comecei a escrever, muito menino, amontoava palavras para torná-las sonoramente bonitas, tinha minhas referências nas canções populares que ouvia em casa, desde boleros, samba de todos os tipos, rock nacional, internacional, dos anos 60, 70, 80... enfim uma miscelânia de opções, que em mim encontraram desejo pela continuidade. A música veio antes da literatura para mim, e por causa dela, fui levado a querer dar minha contribuição. Porém, logo entendi que a minha parcela contributiva viria em forma de poesia e não de melodia. Reconheci isso com Vinícius, bendito Vinícius na minha vida, minha primeira grande referência. Já conhecia e gostava de Tom Jobim, mas apenas através da sensibilidade de Vinícius de Moraes, poeta maior da canção popular, é que pude compreender uma parte de mim. Logo, comecei a escrever algumas poesias carregadas no romantismo, que eram até bonitinhas, mas não passavam de cópias mal acabadas das coisas que ouvia. Na época mais rebelde da minha vida descobri os livros, e apesar da mente voadora, tinha preferência por textos documentais, como biografias e críticas à sociedade, dentre os quais destaco "Corações sujos", de Fernando Morais, e a biografia de Renato Russo, do Arthur Dapieve, sem esquecer, é claro, de "Feliz Ano Velho", de Marcelo Rubens Paiva.
Nessa época a internet propagava-se com imensa força no Brasil, e tive acesso aos mais variados poetas. Descobri William Blake e Pablo Neruda, do primeiro ressalto o trecho que inspirou a banda The Doors a usarem esse nome: "quando as portas da percepção forem abertas, as coisas irão surgir como são: infinitas", e do segundo ficou "vinte poemas de amor e uma canção desesperada", livro de poesias lindíssimo. A filosofia foi apresentada a mim muito cedo, pela música de Raul Seixas, e qualquer coisa que escreva ficará aquém dos clássicos "Ouro de Tolo" e "Metro Linha 743". Durante uma época da adolescência conheci a contra-cultura brasileira nas músicas dos poetas da Tropicália, podemos citar aí Caetano e Gil como expoentes maiores, mas o meu preferido chama-se Torquato Neto, e dele o que mais me marcou foram "Cogito", e "Ai de mim, Copacabana", seu desapreço pelo tradicional mostrou-me o que de fato era originalidade. João Cabral de Melo Neto, Cecília Meirelles e Gentileza vieram logo depois. Mas foi em um livro chamado "Terror e êxtase", de José Carlos de Oliveira, que tomei nota pela primeira vez daquele que considero um dos maiores poemas já escritos, que se chama "Se te Queres Matar", de Fernando Pessoa. Esse poema fala coisas que permeiam e influenciam fortemente o que escrevo, um retrato metafísico frio, e ao mesmo tempo sensibilíssimo, sobre a condição de ser humano, "... A cinematografia das horas representadas/ Por atores de convenções e poses determinadas,/ O circo policromo do nosso dinamismo sem fim...". Quase naturalmente, encontrei outro poema que seria fundamental para mim, o seu nome é "Resíduo", e o autor é Carlos Drummond de Andrade. Nele, entendi a importância de se estar atento às coisas que passam pela nossa vida, porque por mais ínfimas que sejam, delas também algo restará em nós.
Durante a faculdade de cinema tive acesso aos mais diversos Filósofos, desde Cristian Metz a André Bazin. Conheci Vertov, Einseinstein (O Encouraçado Potemkin), Orson Welles ("Cidadão Kane", "A Marca da Maldade"), La Nouvelle Vague (Truffaut, Alain Resnais e cia), o Cinema Italiano ("Ladrão de Bicicleta"), o expressionismo, o surrealismo de Dali e Buñuel ("O cão andaluz", "Anjo Exterminador", "O charme discreto da Burguesia"). Familiarizei-me com as tentativas de traduzir o espaço-tempo de alguns dias em alguns minutos, e os efeitos do efeito phi... Sem falar no Cinema Novo de Glauber Rocha, Nelson Pereira dos Santos e Ruy Guerra, e os três filmes mais importantes dessa época, respectivamente (pela ordem de autoria): "Deus e o Diabo na Terra do Sol", "Vidas Secas" e "Os Fuzis". De Ruy Guerra, com quem tenho o orgulho de ter tido aula, ainda ressalto o poema na música "Fado Tropical": "meu coração tem um sereno jeito...".
No início da minha vida jovem-adulta, passei a frequentar a Lapa, e a aprender mais sobre o samba. Nessa época, fui a fundo na obra de Chico Buarque, principalmente. Tudo o que ele escrevia, a forma como as sílabas eram pronunciadas, o lugar em que estavam, a rima improvável, a sensibilidade poética... Aprendi mais sobre Cartola, Adoniran, Noel Rosa, Mário Lago... Descobri o que queriam dizer as letras do Clube da Esquina, entre as quais ressalto "Clube da esquina n° 2", "Feira Moderna" e "Travessia". Furei os discos de Elis Regina, Nara Leão, e, finalmente, me deparei com outro pilar fundamental, uma música chamada "A Palo Seco", de Belchior.
Diferente do que se imaginaria, foi nessa época que conheci a cultura punk, e aprendi com Sid Vicious e cia, "Anarchy in the U.K." é muito boa, e o álbum "Never mind the bollocks", excelente. Os ingleses acabaram fazendo com que eu me interessasse pelo norte-americano Jack Kerouac, precursor dessa "zorra toda" beatnic. Bob Dilan e Lou Reed também vieram mais ou menos nessa época, do segundo ressalto "Walk on the Wild Side". A partir de então, fui tomado por um interesse que me levou às frases de Che Guevara, que por sua vez me levaram para Marx. Cada vez mais instigado, pesquisei sobre a vida dessas pessoas, e suas propostas. Acabei descobrindo Mikhail Bakunin, anarquista de cujas idéias revolucionárias acredito serem o mais próximo de uma república ideal. Todavia, foi com Dostoiévski que aprendi realmente sobre todas essas idéias, o livro "Crime e Castigo" é um divisor de águas na minha vida. Sua tradução significativa é tão rica quanto a forma psicológica com que o autor apresenta a história. O diálogo de Piotr Pietrovich com Raskólnikov em seu pequeno quarto, na qual o capitalista defende a idéia de proteger seu cafetã, é uma voz que está gravada em minha cabeça e volta e meia aparece permeando um texto ou outro. Ele me fez descobrir um conceito fundador baseado nos preceitos da irmandande, e foi assim que descobri Beethoven, através de "Ode à Alegria", poema de Friedrich von Schiller, musicado pela imensa beleza da Nona Sinfonia, em que o tema principal é a fraternidade. Além de Schiller, um autor contemporâneo a ele que também marcou-me bastante foi Goethe, com "Os sofrimentos do Jovem Werther". Não posso cometer a loucura de esquecer todo o bem que me trouxe ler Saramago, e igualmente não devo esquecer de outros dois autores menos conhecidos, mas que contribuíram muito para minha formação, o paulistano Ferrez, e seu livro "Manual Prático do Ódio", e o filósofo carioca Marcelo Yuka, idealizador da banda "O rappa".


Fabiano Martins.

segunda-feira, 25 de julho de 2011

Escrevo

Escrevo.
Não está em contrato.
Escrevo
Para além do retrato-crônica.
Sirvo ao que de fato penso, e logo
Escrevo.
Ato que reata meus votos terrenos.
Escrevo.
Não está nos livros,
Não está nas flores,
Não é permissivo mas,
decerto, me alivia as dores.
Não é para você achar bonito,
nem tampouco dar aprovação.
Escrevo como quem não depende,
Mas escreve por sentido ou vão.
Nada pode me parar,
Nem a fome,
Nem a falta de lugar.
Escrevo para não perder os dedos,
para os exercitar.
Escrevo.
A vida é que me dá inscrições,
Sobretudo para escrever
sobre as retaliações
que se pode sofer
por não pertencer
ao mundo-gueto que alguns compõem.
Prefiro a fuga tenaz de pássaro.
Livre, em suspensão.
A ouvir dizeres sobre o meu comportamento
e maneirismos perfeccionistas sobre o que Escrevo.


Fabiano Martins.

Ego

Para quem conserta sapatos
sobra a sola, sobra o salto.
Proventos portentosos.
A beleza se esconde no lixo
revelada sem artifício
pelo que se considera difícil
e se enclausura
em sua sala, em seu ofício.
Os homens riem de si mesmos
e matam também.
Os homens riem de si mesmos,
entre si,
demonstrando o seu desdém.

Meus amigos,
falta-me o sapato sob os pés,
Falta-me a sensibilidade arquitetônica,
Falta-me a forma,
Mas conteúdo transborda.
Meus amigos,
falta-me o requinte necessário,
o lúgubre arbitrário,
o que dizem que têm.

Reconheço o que me falta,
mas que não afete a criação.
O louco a si transtorna, e
ao mundo dá seu tom.
Meu ofício é serpentear
e acreditar em luz eterna;
Reinventar o que é moldal
para além dessa caverna.

Isso de falar barbáries,
eu deixo a quem entenda de clichês.
Isso de lamber-se todo,
Eu deixo para o saco de ego
que coça no homem
morto.


Fabiano Martins.

Sede

O cacto
é para a sede
com seu tronco
tão consútil e verde.
O cacto é para a sede.
Minha boca está para a sorte
como a vida é para a morte.
Minha boca
é para a sorte.
Minha língua
não tem paladar,
mas palavreia.
Minha língua palavreará.
O papel
em branco
se assemelha
àquela luz vermelha
que, no entanto,
se apagará.
o papel em branco
rasgará.
E por isso,
é preciso preenchê-lo;
Exumá-lo de sua condição inerte
e fazê-lo emocionar.
Como os cactos consúteis e verdes,
minha sede
somente a palavra irá
saciar


Fabiano Martins

Lanterna

Astrólogo
de um mundo
de vicissitudes:
Tudo o que
é luz
aturde
Me alude
à uma nova
composição.
Forjada em
versos
fugidios,
Sensatos ou não,
Tudo o que é luz
me aturde e
alui-se frente
à escuridão.
Os ecos da noite
passada
insones
ainda ressoam,
Trazem consigo
lanterna quebrada
apontada
para a percepção.
De amor
também cabe falar,
pois ele é tudo
no final.
Ao cair
à noite estrelada,
jazerá iluminada
a negação.


Fabiano Martins

sexta-feira, 22 de julho de 2011

Um palíndromo

A LUZ AZULA

O ar até vão parte: o trapo até veta, o parto e trapo a vetarão.



Fabiano Martins.
"Toda a verdade atravessa três fases:
Primeira, é ridicularizada; Segunda, é violentamente contrariada; Terceira, é aceita como a própria prova." - Arthur Schopenhauer

Densidade

Ao que olho para céu
e espero sincero
a lua descer,
entendo que seu compromisso
é simplesmente seu
e que mais
não devo entender.
Compreendo
que a água é para o fogo
como a angústia
é para o cristão.
E nisso sigo a fim de
manter o coração,
enquanto satélites me
cobram em peso
por sua gravitação.
Acredito que ser
por demais denso
leva à destruição.
Veja o
negro buraco,
de onde nem a luz escapa:
Engole
o dia e a noite,
e os lança
com assombro
aonde a mente não alcança.
Por isso,
ao fitar a lua com meus olhos,
deixo que apenas
a fascinação me domine.
Canto à sua pureza
como algo simples
que meu pranto
sublime.


Fabiano Martins

quinta-feira, 21 de julho de 2011

Missão

Ultrapasso o carro.
Venço a distância entre sinais;
Venço as calçadas,
canteiros,
arbustos,
explosivos bueiros
e matagais,
Para meu joelho
conceder à dobra,
ceder à voz que cobra
e reticente exige mais.
Venço os percalços
para continuar, pois
A luta é contínua,
não se pode nem pensar
em parar.
Venço a dor que,
por vezes,
me vence.
E todos os dias estou a lutar.
A vida é dura para quem não sonha,
ou para aquele que se esquece
de amar.


Fabiano Martins.

sexta-feira, 15 de julho de 2011

A corrida

Lá embaixo as pessoas
parecem formigas,
sincronizando o movimento
do lançar-se
à dura vida.
Lá embaixo
as pessoas parecem
auguras.
Fulguram solitárias
em pensamento.
São gente de carne
sobre o cimento, que
levam nos bolsos
seu pagamento;
e correm em direção
ao que lhes garantirá.
De um lado correm
os apressados,
atrasados para trabalhar
Do outro, vão
os espisinhados,
à margem,
esmolando para continuar.
Acima, correm os executivos
com seus carros luxuosos,
que os separam sofregamente
do resto daquela gente.
Condicionalmente,
corro eu também
do que me vilipendia; do que me morde a alma;
do que me vicia.
Condicionalmente,
corro eu também
das intrigas que são por dinheiro;
do que o vazio quer tomar por inteiro;
Do que quer me apequenar o peito,
e ressaltar o defeito amiúde
No lugar de exaltar de cada vida
a Virtude.


Fabiano Martins.

quarta-feira, 13 de julho de 2011

Paisagista

Por terra
No solstício
Aterriso
Paisagem, paisagem
Por terra
Aterriso
na
Paisagem
De passagem
Por ela
eu suplico
Inteiriça imagem
Ela é a
paisagem


Fabiano Martins

Objetivamente

Com lisura
a frase me vem
à cara dura; e
suplica a ternura
de que Ernesto nos falou.
Sou eu no espelho
em que me vejo:
homem de cujo parto
fui progenitor.
Vivo num mundo frio
de desgelo, de concreto
de abstrato e pouco amor.
Com folga ou a tempo,
quem sabe,
terei eu aprendido
que ninguém quer
ser tido
como inconteste
ou zé ninguém.
Com lisura,
nesta busca
que lhe falo,
não aprendo
e não me arrependo.
Sou algoz
para a confissão;
sou a voz do meu quinhão;
o tudo que me orbita,
minha subjetividade objetiva,
que crê na beleza
de todas as coisas vivas.


Fabiano Martins.

sexta-feira, 8 de julho de 2011

Na rua

Uma mulher que está na rua
reúne beleza e sofrimento.
Seu labor
é dar-se nua; insunar-se
ao sabor do vento.
A mulher que olho
quando passo,
vejo em descontento.
Tem amor e calor
em seu armário;
tem até areia e cimento.
Em cima
das bandeiras que pus
em meu carro,
Além do sabor
que traz o vento,
Eu passo e sempre a estou vendo
Eu sempre a vejo em seu relento.


Fabiano Martins.

Lundu do escritor difícil

Eu sou um escritor difícil
Que a muita gente enquizila,
Porém essa culpa é fácil
De se acabar duma vez:
É só tirar a cortina
Que entra luz nesta escurez.

Cortina de brim caipora,
Com teia caranguejeira
E enfeite ruim de caipira,
Fale fala brasileira
Que você enxerga bonito
Tanta luz nesta capoeira
Tal-e-qual numa gupiara.

Misturo tudo num saco,
Mas gaúcho maranhense
Que pára no Mato Grosso,
Bate este angu de caroço
Ver sopa de caruru;
A vida é mesmo um buraco,
Bobo é quem não é tatu!

Eu sou um escritor difícil,
Porém culpa de quem é!...
Todo difícil é fácil,
Abasta a gente saber.
Bajé, pixé, chué, ôh "xavié"
De tão fácil virou fóssil,
O difícil é aprender!

Virtude de urubutinga
De enxergar tudo de longe!
Não carece vestir tanga
Pra penetrar meu caçanje!
Você sabe o francês "singe"
Mas não sabe o que é guariba?
- Pois é macaco, seu mano,
Que só sabe o que é da estranja.


Mário de Andrade

A serra do rola-moça

A Serra do Rola-Moça
Não tinha esse nome não...

Eles eram do outro lado,
Vieram na vila casar.
E atravessaram a serra,
O noivo com a noiva dele
Cada qual no seu cavalo.

Antes que chegasse a noite
Se lembraram de voltar.
Disseram adeus pra todos
E se puserem de novo
Pelos atalhos da serra
Cada qual no seu cavalo.

Os dois estavam felizes,
Na altura tudo era paz.
Pelos caminhos estreitos
Ele na frente, ela atrás.
E riam. Como eles riam!
Riam até sem razão.

A Serra do Rola-Moça
Não tinha esse nome não.

As tribos rubras da tarde
Rapidamente fugiam
E apressadas se escondiam
Lá embaixo nos socavões,
Temendo a noite que vinha.

Porém os dois continuavam
Cada qual no seu cavalo,
E riam. Como eles riam!
E os risos também casavam
Com as risadas dos cascalhos,
Que pulando levianinhos
Da vereda se soltavam,
Buscando o despenhadeiro.

Ali, Fortuna inviolável!
O casco pisara em falso.
Dão noiva e cavalo um salto
Precipitados no abismo.
Nem o baque se escutou.
Faz um silêncio de morte,
Na altura tudo era paz ...
Chicoteado o seu cavalo,
No vão do despenhadeiro
O noivo se despenhou.

E a Serra do Rola-Moça
Rola-Moça se chamou.


Mário de Andrade

quinta-feira, 7 de julho de 2011

Grão

A poesia não é para os fracos,
a definição sim.
Como o certo também pode estar errado.
Como eu não posso me achar
sem mim.
Essas prerrogativas
embalam o resto do que agora escrevo.
É uma busca pelas vozes
que ouço e descrevo.
Não sou louco,
sou poeta.
E é tão grande a dor
de ser por inteiro,
que se perder chega a ser
um fim verdadeiro
dentre tantas outras opções
de destino.
Então, vou
de régua e compasso
a me guiar por instintos e ensejos de percepção
Então, vou.
Perceptivo.
Único.
Unicamente acompanhado
das vozes que me falam à beça;
Das dores que me abrem a cabeça,
e me levam para além desse mundo,
para fora da Terra.
Por entre a massa escura, densa
e invisível. Imperceptível.
Com vieses diversos,
que ecoam em sua grandiosidade
verdades da vida existente
neste planeta-grão-de-areia visto ao longe.


Fabiano Martins

Dualidade

I

Sobre a realidade.

Primeiro o homem trava a batalha,
depois logra o que sobrou.
Primeiro a voz é forjada a gritos,
depois medida pelo valor.
"Há que se formar padrões na vida",
diz um outro...
"Há que se viver sem pudor".
O que resta de um dia farto
é o vazio e solidão do quarto.
O que resta é procurar amor.

II

Sobre a ilusão.

São demais os perigos;
são de mais os pecados.
Nasci com viço radiante
para enfim ter olhos esbugalhados.
Mas da noite vem a chuva
e tudo esfria de repente.
O mágico dom de caminhar
começa no abrir da porta,
no latente desejo de continuar.


Fabiano Martins.

terça-feira, 5 de julho de 2011

Aquedar e quedar

Ouça a voz,
Ela pulsa em teu peito
à noite.
É a voz que reconhece
em si mesmo;
que te acorda na manhã
pós-pernoite

Não afoito
siga
como os pássaros
vão...
todos cuspindo ar;
como os braços
que a tudo abraçam
abarcam teu peito
a quedar
e quedar

Não há pleito
inerente
ao que te fala
essa voz
Ela diz
condescendente
algo forte
e atroz
É faca de dois gumes
por certo
É tão direto, o que diz; é tão completo...
Descinge a ternura
para além do olhar;
cessa os idos para além
da janela;
quer à queda
quedar e quedar.

Fabiano Martins