quinta-feira, 28 de março de 2013

De onde nasce a redação


Quando não há criança, nem olhares,
nem verdades em que se acreditar.
Quando os sonhos ficam órfãos
e a credulidade dá as mãos ao abandono.
Sozinho é que nos encontramos.
Sozinho é que estamos.
Quando dentro de nossas cabeças as partes se misturam
para criar uma história,
o todo nos foge pelas mãos.
O todo nos escapa dada à fraca compreensão.
Quando a esperança é uma criança branca
e nós somos negros,
segregamos contentes e felizes
o nosso zelo.
Aprumar-se para o enfrentamento do mar, então, 
pode significar uma dor compartida, 
construída na solidão e amenizada em grupo, porém uma dor imortal,
que só deixa de existir depois que nós deixamos,
uma dor que aparece apenas quando somos adultos e
nos deparamos com as mentiras que disseram para nossa proteção.
Somos crianças, sim. Vivemos num mundo construído pelo medo.
Cabemos no ínterim entre nascimento e falecimento,
para dar adeus, para amar, para experimentar as sensações, 
o álcool, o sal, o açúcar
e os sentimentos.
Cabemos, às vezes, em um microssegundo de felicidade
que guardamos para quando as coisas não vão bem.
E sim, quando não há verdades em que se acreditar
é preciso criar.
Criar é preciso.


Fabiano Martins

quarta-feira, 27 de março de 2013

Algo imperial

Alcançar aquilo que se deseja
deixa
algo marcado.
A vida cobra um preço,
pende para um lado.
Transforma a ideia
à sua razão.
Podemos nos perder em
meio a esta razão,
que obedece à uma lei identificável,
e que, ainda assim, se repete em ciclos.
Alcançamos o inabalável e o inantigível com nossos olhos
crentes, cheios de saudade 
e de abismo.
Ora alcançamos, ora abarcamos
em busca de cabermos -
neste sem sentido passo (mais que imperial)
imperioso
destino.


Fabiano Martins

sábado, 23 de março de 2013

A foto

A verdade é que o silêcio
que fazes agora
é um reflexo da tua alma.
Nada podes sentir.
Nada podes querer.
Estás entregue ao porvir
feito matéria 
a se desfazer.
Bebes sem consciência alguma.
Tua face embranquece e,
sem consciência,
anua.
A beleza abandonou teu corpo
só ficou a feiura
e esta tua brancura
e essa tua desfaçatez
frente à penúria.
Só sobrou a figura
que ostentas na bonita moldura.
Só ficaram os adeuses
e as marcas de uma arrefecida
fúria.


Fabiano Martins

Estrada

Preste atenção ao que lhe digo
sou seu verdadeiro e único amigo,
pois nas noites que estivemos juntos
procurei evitar o perigo.
Era tudo pra te salvar 
e te poder trazer comigo.
Era inocência pensar 
que podíamos nos salvar.
É inocência ponderar cada pecado
salutar.
Eu me perdi de você
em busca de te encontrar.
Eu me perdi pela estrada
em um ponto que não sei
precisar.


Fabiano Martins

Pássaro

Um menino observa
do pátio de sua casa
o céu da tarde.
Está nublado e venta muito.
Ele vê passar 
solitário
um pássaro.
Nunca em sua curta vida
havia prestado atenção 
no céu.
Estava descobrindo as marcas
que a luz do sol difusa
lhe deixava na retina.
O menino raramente ficava só, vivia cercado de crianças
e cuidados.
Conhecia o carinho, a raiva, a gratidão e o respeito.
Mas nada sabia sobre se sentir sozinho.
"é o pássaro um fugitivo de seu ninho?", disse a si mesmo.
Ficou meditativo, enquanto olhava o céu. 
A noite caiu bem lentamente naquele dia.


Fabiano Martins

terça-feira, 5 de março de 2013

Pequeno relógio de pó


Somam-se aos anos, passares.
Passos de pessoas que não ficam as faces.
Geografia que não se imprime na memória.
Pesares.
Somam-se aos anos os lugares.
Inexatos, circunspectos à penumbra dos olhares.
Somam-se como aquilo que se descarta:
alegria faltosa e melancolia silenciosa.
Fugacidade de pares.
É onde estou.
Aí, passo sendo o nada que nada sou.
Sendo tudo o que restou da última leva desta viagem.
Soma-se ao meu olhar vadio a paisagem e o frio. Talvez me acalente na sincera sensação de um arrepio, ou talvez acenda algum pavio para que seja lembrado como o nada que nada sou. Entre o tanto que me confundo,
Entre tudo o que me formou.


Fabiano Martins