quarta-feira, 21 de dezembro de 2016

Balir

É sobre eu falando comigo
sobre a importância de observar
sobre aquilo que preciso
para não parar
para não esquecer de lembrar
que preciso observar
e continuar
para não esquecer que existe
aquilo indefinível
sentido pelos outros
que não se pode reivindicar
é sobre esse exercício silencioso
de devoção, de auto escrutínio
de antecipação
sobre eu falando comigo
sobre algo que sei sobre mim 
e o que me disseram outros
que como eu
precisam se lembrar 
todos os dias
todos os dias
com espanto e fascínio pelo que se encerra
à vida
Olhos, bocas, nariz
água
somos nós
areia e ampulheta
nascente e foz
a voz rouca de um grito perene
de um balido
ruído
sem início
sem ideal


Fabiano Martins

sexta-feira, 2 de dezembro de 2016

Seca

Uma nota: parece que é em vão,
que não é nada, um voo de avião, uma palavra.
Nado em um mar que parece existir apenas para meu mergulho.
Para mim.
Às vezes, pela experiência somos imprudentes e afirmativos,
enquanto as vicissitudes levam tudo. 
Desconfiguram.
Então, nos apegamos descuidados à dor
sob a pena de nos alimentar dela.
Mas no fundo uma sensação
para com o Criador: parece ser em vão tudo isso.
Todas essas mães sem seus meninos,
suplício.
Toda essa alegria de fim de campeonato
e martírio.
Todo o assassinato e conspiração e conspurcação e excomunhão e desabamento
e felicidade e euforia e amor 
e tudo mais o que possamos ver e sentir 
com nossos olhos e corações,
abandonados como gotas no mar,
em multidões que se evaporam de repente, 
eu mesmo guardo esse sentimento indizível
de angústia e incompreensão
para com a Condição.
Parece ser em vão,
parece ser em
vão.


Fabiano Martins

sexta-feira, 4 de novembro de 2016

Contínuo

Somente o que tomei conhecimento 
transmutou-se em minha mente como algo novo 
desconexo de seu sentido presente,
pela minha notória capacidade de aprender e meus anseios nunca atendidos.
Tudo quanto vejo, quanto atino. 
Tudo quanto à força se mostra pela química do invisível.
De motivo emotivo. 
O quanto chorei, o quanto vibrei a partir de um estímulo
Todos os fantasmas, as aparições, 
todas as células em seus mais pequeninos quinhões,
compondo aquilo que sou no tempo e no espaço
onde algum ajuntamento de ideias faz por vezes parecer fácil 
perecer.

Inevitável.
Meu laço contíguo com a vida assim me quer:
feito de secreção e escolhas, músculos em ossos sulcados,
a ser simplesmente tocado por aquilo que me cativa
e de fazer meu algo por mim cativado.
Simplesmente por não conhecer a escolha posta em um caminho nunca antes trilhado,
sigo com uma certa certeza incerta e premente (a todo o momento) que  preenche meus dias de existência.

Quero, por bem, tudo aquilo que posso querer.
Faço, eu sei, tudo quanto posso fazer.
Então apenas por assim dizer:
tudo o que sou continua.


Fabiano

sexta-feira, 22 de janeiro de 2016

Vivo

Caminhar na escuridão da noite
costumava me acalmar
Essa meta linguagem
da vida.
Na escuridão da noite caminhar:
não se pode ver muito
o exercício revigora, 
o espaço mostra-se grande.
Continuamos porque 
do esforço vem uma recompensa química.
Produzo pegadas,
reproduzo diálogos,
volto no tempo,
adianto-me e prevejo certos aspectos
de um mundo futuro.
Andar à noite 
com o corpo livre no espaço,
a deixar pegadas, logo substituídas,
a perder-me em pensamentos
pequenos
que não abarcam a completude 
do que pretendem abarcar.
É um início, sim,
de um poema
que vem me buscar,
e que coroa o fim de cada andança.
Não mudo,
mas estou revigorado
como o rato na roda
como o cão atrás do rabo.
Amanhã recomeço.


Fabiano Martins