quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

Verdade que traz a chuva

De noite, quando fico ansioso
E os pingos batem na minha fachada
Sinto o frescor de um banho gratuito
No lugar onde faço morada

Meu intuito é perdurar infinito
E por isso me cerco em manutenção
As noites de chuvas são as melhores
Quando o tempo traz o verão

O clima é chato e ocioso
Os carros passam para sempre
A rua segreda seu povo
Que nela, entre eles, passa rente

Molhado o mendigo me erra
Sai andando sem direção
Deseja um carinho, um afago
Um cigarro, um pedaço de pão

Um trago da chuva da noite
Ou na água ardente que muito lhe açoite
E lhe permita encontrar um lugar

O caminho é feito de espinho
E como o mendigo
Me ponho a andar


Fabiano Martins

Todos os dias

Moro na minha juventude
Quieto.
Ainda assim
Porque escolhi o que queria ser
E fui até o fim

Pois não há mal em ser triste
Pra mim ainda não chegou.
Preto no branco
No brando
Tal qual o olhar do trovador

Porque não me entende a palavra seca
Caem as linhas, por assim dizer,
Rimar não é poesia
Eu tento explicar a você

Rimar é apenas estilo
Difere daquilo que escolhi
Entenda, prefiro um gosto amargo
Do que um doce que possa não vir

Fabiano Martins

Dente no dente

Sim, não
Mas pode ser que seja de repente
A minha frente, bem na tua frente
Tudo muito rente, quente
Sente o drama
É tudo ser assim tão envolvente amor
É tudo ser assim tão de repente tente agora
Olho no olho, dente no dente
Lentamente, é nesse hora a hora
Que eu desejo o fim do fim de tudo
É no começo, e o sol poente
A coisa fria e o fogo novamente
E tudo não mais que de repente
Quente, quente, quente
Sente

Torquato Neto e Jards Macalé

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Entender

Te endendo bem
quando pega minha mão e se derrama
quando abraça meu peito e me morde
quando no calor da noite me chama

Te entendo bem quando não diz tudo
quando cala e observa apenas
quando lembra dos dizeres dos livros que leu
e ao meu ouvido declama sua poesia

Te entendo bem quando some
e conspurca nosso nome
nosso amor maculado

Te entendo bem quando volta
dizendo que me quer mal humorado
e que me odeia
e que se pudesse rateava a minha vida
pra que assim de ninguém mais eu fosse

Te endendo bem quando diz que me ama
mas te entendo melhor na cama
com o teu crepúsculo
com o teu choro
com o teu músculo apartado de dor e de prazer

Te entendo tudo que quer dizer mesmo que não diga
e sou teu além do que poderia
porque posso não ser



Fabiano Martins

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010




PESSOAL INTRANSFERÍVEL

"escute, meu chapa: um poeta não se faz com versos. É o risco, é estar sempre a perigo sem medo, é inventar o perigo e estar sempre recriando dificuldades pelo menos maiores, é destruir a linguagem e explodir com ela. Nada no bolso e nas mãos. Sabendo: perigoso, divino, maravilhoso. poetar é simples, como dois e dois são quatro sei que a vida vale a pena etc. Difícil é não correr com os versos debaixo do braço. Difícil é não cortar o cabelo quando a barra pesa. Difícil, pra quem não é poeta, é não trair a sua poesia, que, pensando bem, não é nada, se você está sempre pronto a temer tudo; menos o ridículo de declamar versinhos sorridentes. E sair por aí, ainda por cima sorridente mestre de cerimônias, "herdeiro" da poesia dos que levaram a coisa até o fim e continuam levando, graças a Deus. E fique sabendo: quem não se arrisca não pode berrar. Citação: leve um homem e um boi ao matadouro, o que berrar mais na hora do perigo é o homem, nem que seja o boi. adeusão." Torquato Neto

Depois das seis

O homem levantou-se da cama e foi trabalhar
Tirou seu pijama e foi trabalhar
Colocou sua roupa e foi trabalhar
E ao chegar no trabalho, cansado, pôs-se a descansar
O homem chegou do trabalho
E foi trabalhar
E cuidou de sua horta
E plantou seu lugar
E dormiu quase uma semana
E depois de uma procissão insana que em sua porta bateu
Sentiu a brisa lhe acariciar as pálpebras sôfregas, como os beijos que na juventude ofereceu
Ouviu um grito, era alguém que lhe chamava...
Dedicou sua atenção pois tanto barulho lhe alardeava,
e lá, depois da calçada, entremeado no breu
Descobriu que o homem do outro lado era o mesmo que do espelho
lhe dava adeus

Fabiano Martins

Filosofia barata

Céu
Não é mais azul
Rua
Não está mais limpa
Pessoa
Interrogação

O medo que se apresenta em seu olho
É a prerrogativa da preocupação
O medo de trazer para esse mundo uma criança
Faz cair por terra o desejo imaterial da esperança
E da propagação

Vejo apagar no seu corpo
A humanidade inteira
Que tipo de gente traz para esse mundo inocentes
A fim de corrompê-los
Ao final de mais corrupção
Que tipo de gente se faz contente e deseja e ambiciona e quer
Tanto
Que é incapaz de ver
Que nada fica depois da cremação...
(Nem mesmo DNA)

E depois de ouvir o avô dizer
E a mãe conceber
O que se sabe é apenas o que se há para saber:
O filho vai ter o mesmo destino
Morrer
Mas a morte é a presença mais vital da vida
É o futuro único que podemos prever
E mesmo assim pergunto:
Que pessoa quer morrer?

Mas se a rua não está mais limpa
E o mar está cheio de lixo
Se a pessoa não quer mais só comida, e separou-se dos outros bichos...
Pergunto: Por quê?

Se no desterro encontro o desterrado
E no lado nobre, quem está do outro lado
E aqui, onde fico parado,
Não dá pra ver a ambigüidade do futuro jogado
Assim, como quem nada quer
E do tempo, a esmo, sórdido
Sobra uma mordida
Sobra um propósito
Invisível

Não – na minha opinião este propósito
Não deve ser a vã propagação
Nem mesmo a confissão de que nada sabemos
Mas sim, a sequência da pergunta que já fiz
E escondida permanece sempre por um triz
Quase a ser descoberta
A pergunta verdadeira
Feita ao universo
A pergunta que liberta
e nos faz crescer
nos aproxima do divino e nos impede de morrer
a pergunta não é quando
a pergunta é
Por quê?


Fabiano Martins