quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Farewell - Pablo Neruda

1
Desde el fondo de ti, y arrodillado,
un niño triste como yo, nos mira.

Por esa vida que arderá en sus venas
tendrían que amarrarse nuestras vidas.

Por esas manos, hijas de tus manos,
tendrían que matar las manos mías.

Por sus ojos abiertos en la tierra
veré en los tuyos lágrimas un día.

2
Yo no lo quiero, Amada.
Para que nada nos amarre

que no nos una nada.
Ni la palabra que aromó tu boca,

ni lo que no dijeron tus palabras.
Ni la fiesta de amor que no tuvimos,
ni tus sollozos junto a la ventana.

3
(Amo el amor de los marineros

que besan y se van.
Dejan una promesa.

No vuelven nunca más.
En cada puerto una mujer espera:

los marineros besan y se van.
Una noche se acuestan con la muerte en el lecho del mar.)

4
Amo el amor que se reparte
en besos, lecho y pan.

Amor que puede ser eterno
y puede ser fugaz.

Amor que quiere libertarse
para volver a amar.

Amor divinizado que se acerca
Amor divinizado que se va.

5
Ya no se encantarán mis ojos en tus ojos,
ya no se endulzará junto a ti mi dolor.

Pero hacia donde vaya llevaré tu mirada
y hacia donde camines llevarás mi dolor.

Fui tuyo, fuiste mía. ¿Qué más? Juntos hicimos
un recodo en la ruta donde el amor pasó.

Fui tuyo, fuiste mía. Tú serás del que te ame,
del que corte en tu huerto lo que he sembrado yo.

Yo me voy. Estoy triste: pero siempre estoy triste.
Vengo desde tus brazos. No sé hacia dónde voy.

...Desde tu corazón me dice adiós un niño.
Y yo le digo adiós.

Persona

Sou duas pessoas em
uma.
Estou aqui para conhecer
a dor e sobrepujá-la.
Sou o que me diz
e o que me cala;
o astral radioso
de uma noite infinda;
um anjo torto e caído,
que brinda;
sou todo coração.

Seja no frio,
seja no verão,
aqui estou jogado
a leões domesticados,
que não sabem mais
o que é ser selvagem.

Um é dor, o outro é alegria.
Um é ator, o outro é confraria.
Um é andor e o outro é santo.
Não posso mais suportar
o peso de tanta gente
em mim.

Tem o que fui e o que
seria;
o que vi e o que
queria;
o que sou e o que me torno,
constantemente.
Estou sentado na janela do presente,
imaginando carros rasgando ruas
e luas atraídas por marés.

Vivo para tentar compreender
por que definho, a tomar
toda a verdade pelo
vinho; e sempre
à sorte estar à
mercê.


Fabiano Martins.

Ingênuo

Diz-me que o pecado é uma
mentira inventada
por alguém,
e que mesmo
o próprio dinheiro pode não comprar
ninguém.
Diz-me com total segurança
que o que vale
é ter esperança
e
confiança
em outrém.
Faz-me crer de alguma forma
nesse mundo
onde moro e me confundo.
Onde sei que morrerei.
Lembro algumas falas
que eram tuas,
mutáveis
e tão cruas, como o
sol no alvorecer.
Duro muito tempo, até que duro.
Escondendo-me do futuro
que não sei
reconhecer.


Fabiano Martins.

terça-feira, 30 de agosto de 2011

Escolhas

Dizem-me que não tenho motivos;
que estou perdido;
e que sou ingênuo.
Dizem-me que devo
ser
pequeno.

Mas contra todos os zumbidos,
e todas as moradas,
contra todos os conselhos
e coisas abnegadas,
resta apenas o sentimento que se tem.

Essa voz que fala comigo
aqui dentro
não me
faz copiar
moldes vazios,
quer viver sem o brio
do ouro de tolos
e do vintém.

Não, de verdade,
estou farto!
Não vou contar centavos,
nem quero dizer amém.
Devo perseguir
a coisa amada;
ver além da madrugada;
resgatar-me pelo bem.

Eu, reprimenda de conselhos,
repreendo meus desejos
e ensejos
de ser
alguém.


Fabiano Martins

Inexorável

Não mais.
Você não viu
que era só
a solidão
que te abatia,
naqueles dias tristes
quando somente palavras
te faziam companhia.
Você não viu apenas
a ilusão
da correria,
também achou
que era verdade
abandonar
a banalidade
das tuas companhias.
Não. Você não viu,
por isso se perdeu.
A confiança
obstante à pouca idade
sabe que
este sonho
não é seu.
Ah, sorte inviolável... pois a tudo
foi você quem disse
adeus!


Fabiano Martins

Mário Quintana

"Todos estes que aí estão
Atravancando o meu caminho,
Eles passarão…
Eu passarinho!"

Por um sentido na vida

Paro em frente à cara do meu inimigo.
Ele também sou eu.
Assumo o confronto mais intuitivo
e nego-me tanto
quanto nego o
beijo
teu.

Sou minha mais perigosa armadilha,
pois sei tudo
de
mim.
Vivo, no entanto, não vivo;
só respondo, aguardando pelo
sim.

Respondo, simplesmente.
As palavras têm um fim;
Crio ações que medem
a razão,
e me envaideço por aquilo
que ofereci.
Nego-te, vaidade, tão purgante!
Nego-te do meu coração.
Valente é o homem
que mesmo em face da morte
segue
com
obstinação.

Oh mundo, imenso.
Por vezes, te acho poeira.
Como posso eu tão pequeno,
me achar tão denso e merecedor de verdades inteiras...
Vaidade, vaidade:
Entorno-te por libertação, pois
não há vida sem pecado,
e isso basta
ao homem
são.


Fabiano Martins

segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Fortuna e Noite.

Acredito
que esqueci-me
em algum lugar
de acreditar
que existem coisas
sublimes.
Por isso, rio.
Não há como
acreditar em idéias
tais como essa.
Contudo, crio.
E tudo que desejo
é domar
a palavra,
mas ela luta comigo
e torna
muito difícil
essa lavra.
Acredito
que parei de acreditar
há algum tempo,
tendo de todo fenecido
meus alentos.
Até encontrar-me aturdido
pelo meu próprio
lamento.
Solidão - fortuna e noite.
Como reclamar
contigo
do que pões
nos versos
meus?


Fabiano Martins

domingo, 28 de agosto de 2011

De tanto dobrar,
os joelhos
viraram sinos,
a balançar
todo mar
e
todo hino;
de tanto te olhar,
meus olhos
queimaram
a forma
tua;
de tanto pedir
a você para tirar
o ódio
do meu coração
é que, enfim,
pude perceber
que isso é coisa
que se conquista
sozinho.


Fabiano Martins.

sexta-feira, 26 de agosto de 2011

Profeta

Sei que vejo
castanhos
olhos azuis.
Sei que desejos
uivantes
não têm
zêlo algum.
Não sei
de verdades que não vivi
e nem de mentiras
que não
desenhei.
Sei das coisas
que fiz,
e também das que
deixei.
Sigo, pois,
tudo sabendo,
com meu único aliado
sendo
o simples não saber.
Sei que de pudor
eu não dependo,
que do teu corpo
eu sempre lembro,
que no teu gozo
eu vou
morrer.


Fabiano Martins.

Let´s play that (Torquato Neto)

Quando eu nasci
um anjo louco muito louco
veio ler a minha mão
não era um anjo barroco
era um anjo muito louco, torto
com asas de avião

eis que esse anjo me disse
apertando minha mão
com um sorriso entre dentes
vai bicho desafinar
o coro dos contentes
vai bicho desafinar
o coro dos contentes
let's play that


Torquato Neto

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

E a barca vai

Catamarã,
vem de manhã
buscar um filho
meu.
Assim será, leviatã
a chegar bem nos
portos
seus.
Os homens sãos,
todos irmãos,
antecipam
um tardio
adeus.
Catamarã,
a luta vã
não sabe o que é
do coração.
Assim que é,
querendo ou não:
Rasga a baía
na contramão!
Se assim que é,
então vai ser
nesta rotina dos
filhos meus.

Catamarás, além do mais
a minha vida
foi dar adeus.


Fabiano Martins

Analítico

Acho que me vejo em você
só por vontade de me ver.
Profecia que se auto-
realiza.
Sou o que meu olho
vê,
e a cabeça
mentaliza.
E desta terrena dor,
impávida,
tua verdade desce.
Frente ao andor de uma santa pálida,
a mente análitica
fenece.


Fabiano Martins

Luger

Meus fantasmas são fascistas,
contribuintes
de sonhos negros;
têm as faces
esfaceladas;
espalham dor e colhem
medo.
Meus fantasmas andam
armados -
armam-se de alguns esquemas;
são a farsa em estado
puro;
derivativos de
algum
dilema.
Meus fantasmas andam vivos
e falam eloqüentemente;
negam em si
o bom de tudo,
pois não sabem
que estão
doentes.


Fabiano Martins

Capitalismo

O que é a solidão, que não um trem vazio
que apita intermitente,
avisando que já chegou...
E o desespero. O que é, afinal?
Senão, um químico elixir originador
de passos que desservem às soluções
e geram entre muitos
amargor.
O que sou eu,
e o que é você
aqui?
Nada além de faíscas
brilhantes e que
tendem
a se extinguir.
Quero sorrir, mas não posso.
Há milhões agora
com fome.
Quero sorrir por ouvir teu nome,
mas me atino, e
em desconcerto
aceno:
o conforto é parte do mal
cá,
neste mundo
terreno.


Fabiano Martins

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Catecismo

É vago
o soneto
que trata da ação;
sua verdade
tem vertentes alienadas
e desatenção.
É vago o soneto
cheio de versos.
É vaga
a solidão.
É vago o que pago,
muito vago,
entender a
didática
oração.


Fabiano Martins

Do campo de batalha

Sou o solo
onde a solidão dá frutos.
Férteis, minhas mãos
se habituam a este desígnio.
Não há palavras que cheguem
para as rutilâncias
da estrada.
Lâminas afiadas
cortam - Palavras são como espadas.
Ando só,
marcado à coragem,
nas justas do meu caminho.
Toda a dor que experimento,
hei de superar
sozinho.
Luto sempre navegante, sempre andarilho,
contra nuvens carregadas e frivolidades,
e até mesmo contra
moinhos.
Como amar alguém
cujo os atos flertam com
a maldade?
Devo dizer que flerto eu também.
Oh, incrível complexidade,
Mãe de todos os meus versos
intransitivos;
quer me fazer
de verdade
um homem,
sem atentar para humanos títulos.
Só me resta a temperança
e ter concentração atinada,
posto que na batalha
vence
a alma mais
obstinada.


Fabiano Martins

terça-feira, 23 de agosto de 2011

Tentação

Ao meu ouvido displicente
sopras uma canção.
Certamente leniente,
teu gemido é
intenção.
Mas atente
ao que me cabe
deste meu pequeno quinhão:
Tu me dizes que me queres
e eu apenas
digo
não.


Fabiano Martins

segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Deus e o diabo

Não devo
apequenar
a voz que berra,
como faz um boi valente
frente
à morte.
Debato meus braços
a escrever
poemas,
e às pernas
sobra o peso desta
sorte.
Sou um limitado instrumento
imbuído de amor nas configurações,
que assume seu papel neste dilema
a recusar o óbvio
das multidões.

Então quisera eu pragmatizar ações divinas,
contextualizar doutrinas,
esquecer-me até
lembrar
dos corpos sem vida nas chacinas,
de toda a violência da esquina,
de toda a inocência de amar.
Então quisera eu
morrer
para finalmente conhecer
a lógica de outro lugar.
Será que lá

vida?
Convalecida, pungente, forte,
demente, ou, simplesmente,
estupor?

Será que há
razão maior que o amor?
E este sentimento... talvez
venha a ser o próprio Deus,
e, o ódio, o próprio Diabo -
um sempre nascendo do outro,
fingindo eternamente
o protagonismo de
opostos
lados.


Fabiano Martins


Inspirado no filme "Através de um espelho" - da Trilogia do Silêncio, de Ingmar Berman.

domingo, 21 de agosto de 2011

Da socialização

Em frente ao mar não há tristeza,
apenas recordações.
Em frente ao mar
E à sua beleza,
Assentam-se as brumas
das coisas
vãs.

As cartas que deixo
em frente ao mar,
Ofereço à correnteza.
Uso de uma oração
Contínua e transparente,
certamente, de sutilezas...
e essas muitas palavras minhas
afogam-se, ou não;
são barcos distantes em ilhas;
sopros,
armadilhas;
da
socialização.


Fabiano Martins

sábado, 20 de agosto de 2011

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Elementar

Tiros,
opróbrio do povo.
Força coercitiva
do Estado Novo.

Balas.
Velozes, atravessam;
em chamas, queimam;
alardeaim.

Bombas.
Oh, doce matemática!
Atômicas, iônicas...
Idiossincráticas.

Navios.
Furtivos, chegam e vão.
Em vão, os tiros
detêm a importação.

Banheiros públicos,
Sujos, ratoeiros.
Imundos bueiros
explodem.

Prostituição.
Salgadas e ásperas,
lisas ou não;
São rosas que se colhem
para qualquer situação.

Nudez,
Artífice da alma do poeta.
Há que se perder em desalinho
para enfim tê-la completa.

E nos quadros sucessivos,
e na repetição,
E nos suspiros idos,
E na insatisfação,
E da voz que te diz "continua!"
e da que te freia ao "não",
As mesmas verdades ecoam,
disfarçadas de ilusão.


Fabiano Martins

Reflexões para tardes de agosto

Sei que não devo
retroceder.
Guardo minha lâmina
afiada
onde você não pode ver.
Não pode ver
porque te falta
poesia,
e esse pormenorizado
dom
é primazia.
Não é o dinheiro que compra,
e nem a influência que corrobora,
simplesmente,
nasce
em quem
a sensibilidade
vigora.

Remi-vos, irmãos.
Somos todos iguais no final.
Não há dor pior
que a de não ser completo,
nem dissabor
maior
que abdicar da vocação.



Fabiano Martins

Dezoito anos

Andei por algumas cachoeiras,
fui ao Horto,
ao Cristo
e desci as
Paineiras;
Aplainei frugalidades na floresta da Tijuca
A machucar meu coração,
que propõe
uma permuta:
contigo
voltar
a viver como naqueles tempos,
imortalmente,
em que fomos
tão velozes,
tão algozes,
adolescentes...


Fabiano Martins

O surfista




Plácida água da
praia da macumba,
com grandes séries
revoltas
que se esfarelam
para então criar
túneis, ou tumbas.

Plácida água,
de arrebentação ao longe;
É o cerne
de todo o mar.
Nunca antes
para mim tão distante
como agora.

Mar de cor azul
marulhada;
Da tua água gelada
e
salgada,
bebo a salvação.


Fabiano Martins



*Foto da praia da Macumba tirada por um surfista. Fonte: Jornal "O Dia"

Sorte candelária

Na calçada da Candelária,
à imponente igreja,
ressaltada está, bem em frente,
a marca que o homem
enseja.
São corpos pequeninos
desenhados
a giz
no chão.
Anjos doentes
velados
sem sono,
pertencentes ao dragão.
As metralhadoras
desatinadas
são abafadas
pelo som de escapamentos:
a dura realidade está ali
sobre o cimento,
mas
ninguém percebe
o desejo maturado
de libertação.
Ninguém percebe
que as amarras
são do homem
para o homem, por
imposição.

Sinos dobram.
É hora da missa,
passam os senhores antigos
e as noviças,
passam homens de bem
e ladrões, passam carros
trens, multidões.
De um a um todos passam
sabendo que passarão,
mas, desatentos, não se detêm a
olhar para o chão.

Eu me esquivo
quando por ali
passo
Apenas um reflexo, talvez,
descompasso.
O que temo é ser vítima
também,
Não das balas encontradas
nos corpos findos,
mas de tudo que
precede
o meu
amém.


Fabiano Martins

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Beatriz

Olha
Será que ela é moça
Será que ela é triste
Será que é o contrário
Será que é pintura
O rosto da atriz
Se ela dança no sétimo céu
Se ela acredita que é outro país
E se ela só decora o seu papel
E se eu pudesse entrar na sua vida
Olha
Será que ela é de louça
Será que é de éter
Será que é loucura
Será que é cenário
A casa da atriz
Se ela mora num arranha-céu
E se as paredes são feitas de giz
E se ela chora num quarto de hotel
E se eu pudesse entrar na sua vida
Sim, me leva pra sempre, Beatriz
Me ensina a não andar com os pés no chão
Para sempre é sempre por um triz
Aí, diz quantos desastres tem na minha mão
Diz se é perigoso a gente ser feliz
Olha
Será que é uma estrela
Será que é mentira
Será que é comédia
Será que é divina
A vida da atriz
Se ela um dia despencar do céu
E se os pagantes exigirem bis
E se o arcanjo passar o chapéu
E se eu pudesse entrar na sua vida


Chico Buarque e Edu Lobo.

Esta Tarde vi llover (Alfredo Le Pera & Carlos Gardel)




por José Feliciano.

Curvelo de Santa




No curvelo,
deixei minha alma,
numa manhã
chuvosa
de carnaval e alegria.
Por onde andei?
Santa Tereza
é quem me guia,
junto a uma multidão...
pois foi no curvelo
de um dia,
em um
paralelepípedo,
que entreguei
meu coração.


Fabiano Martins

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Indelével

Se eu te falar
que não
é porque
eu sei
que a maldade existe.
Não me acredite
descrente do
mundo por isso.
Eu sei e você sabe:
o mundo é omisso.
Mas há uma tal honra
que se afirma
compromisso
de um homem que
não segue por seguir
e nem lidera
por liderar.
O mundo é um bom lugar,
não fossem
as pessoas a se enganar
e se furtar da beleza
que tem aqui.
Terra. Tão pequenina, Terra.
Lar de marinheiros e soldados.
Lar dos bichos da terra e do mar.
Tão simplesmente o melhor lugar desta via láctea,
quiçá
do universo inteiro.
Planeta pragmático, de coisas duras,
que nos ensina
por bem
ou por mal,
e que entre os vagantes tempos
invisíveis
já foi fogo, gelo, paraíso, e hoje caminha
para ser todo mar...
Ah, meu pequeno lar,
um dia hei de realmente te integrar,
ao me dispersar
deste avatar
de nome Fabiano
tão leviano
quanto possa o ser humano
abarcar.


Fabiano Martins

terça-feira, 16 de agosto de 2011

Gris insensato

Envio a mim
mesmo
cartas
que são para ti.
O meu repouso é timoneiro,
sobe ao Rio a sorrir.
Enfrento-me longe
em grandes batalhas
onde atacam-se naus.
Meus olhos contrastam com
os seus,
desatando-me os nós.
Estes olhos marinheiros
que além
do mar
transbordam,
pertencem
à água leviana
que rola sem se importar
com a oração, protetora
e insana,
impeditiva
da morte afogado;
que me suplica
um beijo roubado; e
que é final
de todo conto infeliz,
mas que tem raíz
pois nasceu
inconstante e marulhado;
trôpego
insensato,
gris.


Fabiano Martins

Furta-cor

O queimor
da minha voz
é o canto
de todo pássaro,
que leve
voa
sem no entanto
ostentar lábaro.
Sabem:
Não há pátria
que não o céu,
e nem azul
de cor tão livre...
O meu queimor
é uma bala
sem calibre,
perdida,
a querer ver entretida
toda a forma
e toda a cor.


Fabiano Martins.

Os Inocentes do Leblon

Os inocentes do Leblon
não viram o navio entrar.
Trouxe bailarinas?
trouxe imigrantes?
trouxe um grama de rádio?
Os inocentes, definitivamente inocentes, tudo ignoram,
mas a areia é quente, e há um óleo suave
que eles passam nas costas, e esquecem.

Carlos Drummond de Andrade

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Armado

Não quero o dom
de ser
primaz: desejo compartilhar.
Não quero ter
sempre mais,
mas
unicamente
amar.
Não sei se devo ser quem sou,
fora toda a minha
ideologia.
Com coragem
sigo ante ao mundo
tendo ao coldre
poesia.


Fabiano Martins.

Displicente

Tempo.
Ah, esse genocida!
Transtorna-me com essas rugas.
Ah! esta minha vida...
já passou.
Tão rápido
que nem pude
ver.
Me arrependo
de ter seguido
ratos
e por isso
nem quero mais viver.
Não fiz o que
deveria,
pois tinha contas para pagar.
Não destrichei a poesia
pois as coisas duras
do dia a dia
invadiram seu lugar.
Mas nem tudo
é falha.
Houve também
grande gozo
e euforia,
quando, jovem,
só olhava para frente
e os efeitos do
tempo
não conhecia...


Fabiano Martins

O beijo da rosa

O dia amanhece
e é sempre
assim:
alvorecer para fazer
chorar
e amar
por estares
em mim.
De ti, meu dia
depende.
É um dia usual.
Há nele a rotina
de uma dança
vacante
entre o bem
e entre o mal.
Mas acordo,
e ainda estou dormindo.
A manhã não chegará.
Avisto-me ao longe,
me despedindo,
com embargo
à face rubra
de chorar.
Desta madrugada,
apenas o desamor
restou;
fulgurou pelo meu caminho
como o espinho que a rosa criou
para furar os dedos de ladrões
ignorantes,
que não merecem
a primazia
de um revelador
beijo odorante.


Fabiano Martins

Deletério

Tua verdade
é velada
e frugal;
é acorde
de noite
que rompe o silêncio
e me acaricia,
como água
que a sede acalma
e silencia.
Não,
mais parece
um sopro
que alimenta
o fogo
e faz meu corpo
todo incediar.
Ventania.
Tua verdade vazia
quer me levar
a andar
por onde nunca antes
ia,
em meio à
mata densa,
e à noturna consciência
de que o crime
não compensa.


Fabiano Martins.

sexta-feira, 12 de agosto de 2011

Mr Buster - Vinícius de Moraes

Quando anunciou a volta para sua terra natal, depois de servir como diplomata por algum tempo nos EUA e circular pelos mais badalados lares oliudianos, o poeta Vinícius de Moraes foi confrontado por um tal Mr Buster, que deve ter-lhe dito algo como: "Uatarrél! Por que voltar ao Brasil?!"

Segue a resposta:

“Mas me diga uma coisa, Mas me diga uma coisa, Mr.Buster/ Me diga sinceramente uma coisa, Mr. Buster/ O senhor sabe lá o que é um choro de Pixinguinha?/ O senhor sabe lá o que é ter uma jaboticabeira no quintal?/ O senhor sabe lá o que é torcer pelo Botafogo?”



Uma singela homenagem aos 107 anos do Botafogo de Futebol e Regatas

Celeumas mudas

O que move
a ação
é o coração, e
este
já não mais pulsa
com fulgor;
é um ninho frio
semi-árido
a querer lembrar
o amor
que já não sente mais.

O que gera o impulso
das veias que regam
o sangue
e seivam verdades
desniveladas
é a centelha
invisível,
na qual sucumbem
seres que pensam ser
mais
quando não são
nada.

Minha vaidade
não me deixa ver
que eu também sou
prisioneiro
deste mundo de elegias,
sempre querendo indulgenciar
meu ego
através da poesia.
O que, levianamente,
pode ser
a minha redenção, de outro modo,
seria o mote
de quem se lança
à depressão.


Fabiano Martins.

Sociedade

O homem disse para o amigo:
– Breve irei a tua casa
e levarei minha mulher.

O amigo enfeitou a casa
e quando o homem chegou com a mulher,
soltou uma dúzia de foguetes.
O homem comeu e bebeu.
A mulher bebeu e cantou.
Os dois dançaram.
O amigo estava muito satisfeito.

Quando foi hora de sair,
o amigo disse para o homem:
– Breve irei a tua casa.
E apertou a mão dos dois.

No caminho o homem resmunga:
– Ora essa, era o que faltava.
E a mulher ajunta: – Que idiota.

– A casa é um ninho de pulgas.
– Reparaste o bife queimado?
O piano ruim e a comida pouca.

E todas as quintas-feiras
eles voltam à casa do amigo
que ainda não pôde retribuir a visita.


Carlos Drummond de Andrade

LED

Como a bala do canhão
no feudo alheio,
como a tinta
a destituir
mais um déspota,
me atrevo
a dizer
que desta vez
a revolução
será incitada
de forma diferente;
Ela reluzirá
como tudo
que reflete
sob o atento
tiritar
das lâmpadas de LED.


Fabiano Martins

quinta-feira, 11 de agosto de 2011

O monarca

Estou na janela
que dá para
o átrio.
Meus olhos fotografam
a paisagem
como quem
observa
um retrato:
Os escravos passam
e levam consigo
suor;
Comerciantes
vendem
suas frutas;
e mulheres
oferecem-se à labuta
de lavadeira.
A tarde inteira
o passo é o mesmo,
até que surge
uma nova igreja,
e mais meninos
são catequizados,
não se trata de fé este ato,
mas de zeloso cuidado
para manter próspera a nação.
Algumas rainhas visitam-me
ao cais;
trazem-me
de Voltaire
a Rousseau; fazem-me
de servo, por vezes.
Aprendo com os anseios
reais
a ser um ser real,
mas de nada vale
o peso desta missão
senão pudermos
olharmo-nos
despidos de sofreguidão.
Então reflexivo,
me torno reflexo
da era que passa embaixo dos
meus pés.
Na janela do átrio,
há um retrato
para a igreja
que é viés
desta peleja dura
e intransferível.
Os homens são livres
por suposição, mas
será que realmente o são?
Talvez, somente serão
até que a dor de não ter
transborde sobre a alegria
de se ter,
e faça tudo se desenvolver
longe da lógica natural.
Não há humana razão nestas palavras,
mas há alerta
do que precisa ser abandonado.


Fabiano Martins

Por una cabeza

Por una cabeza
de un noble potrillo
que justo en la raya
afloja al llegar,
y que al regresar
parece decir:
No olvidéis, hermano,
vos sabés, no hay que jugar.
Por una cabeza,
metejón de un día
de aquella coqueta
y risueña mujer,
que al jurar sonriendo
el amor que está mintiendo,
quema en una hoguera
todo mi querer.

Por una cabeza,
todas las locuras.
Su boca que besa,
borra la tristeza,
calma la amargura.
Por una cabeza,
si ella me olvida
qué importa perderme
mil veces la vida,
para qué vivir.

Cuántos desengaños,
por una cabeza.
Yo jugué mil veces,
no vuelvo a insistir.
Pero si un mirar
me hiere al pasar,
sus labios de fuego
otra vez quiero besar.
Basta de carreras,
se acabó la timba.
¡Un final reñido
ya no vuelvo a ver!
Pero si algún pingo
llega a ser fija el domingo,
yo me juego entero.
¡Qué le voy a hacer..!


Alfredo Le Pera

Para sempre

Escuto teus passos
cambiantes
à beira da estrada.
Teu divagar bêbado e inebriante
causa minha dor.
O hálito
alcóolico
e teus beijos sinceros
são parte nas disputas
que eu travo comigo;
Resultam neste amargor,
que me leva à beira da estrada
para novamente
despedir-me
do amor.
Adeus, devo dizer,
para outra vez
me negacear,
quando através
da porta fechada
tua prece vem me alcançar.
A Deus, eu sempre digo,
contudo, volto
para te salvar,
dos desencantos
das orgias noturnas;
e das misérias
que vais
me acusar.


Fabiano Martins

quarta-feira, 10 de agosto de 2011

Pais

Você quis me dar mão
por um caminho escuro; quis me proteger
e ser tudo,
quando o mundo lhe exigiu tanto.
Você lutou, para meu espanto,
com bravura e sem reticência.
E na sua ausência,
fui crescendo.
O amor que se dá ao mundo
nunca retorna tal qual achamos que deveria
ser.
A angústia e o incessante fazimento
são prerrogativas
para a vida florescer.
Sobre o amor, aprendi.
E sobre a importância de se dar a mão,
também.
Falou-me do quão preciosa
é a lealdade,
E longe manteve
os olhos de iniquidade.
Acontece que o amor
incondicional
é ponto de partida para o bem e para o mal,
E a busca incessante pela perfeição
pode tornar a obra
por demais inverossímil.

Alegria, orgulho e outros devaneios
que patriarcas antigos não têm mais,
agora ficam
como zumbido
ressoando no ouvido
dos novos pais...


Fabiano Martins.

Retrato

Eu não tinha este rosto de hoje,
assim calmo, assim triste, assim magro,
nem estes olhos tão vazios,
nem o lábio amargo.

Eu não tinha estas mãos sem força,
tão paradas e frias e mortas;
eu não tinha este coração
que nem se mostra.

Eu não dei por esta mudança,
tão simples, tão certa, tão fácil:
- Em que espelho ficou perdida a minha face?

Cecília Meireles

terça-feira, 9 de agosto de 2011

Motriz

Aquilo que não entendo,
que não consigo ver,
que não imagino tangido,
que não remôo
ungido,
e do que não destôo.
Aquilo que sei que existe,
mas que insiste em se mostrar
opaco,
de duvidosa existência,
vagante entre cadência e poência,
e subrepujante
entre purgantes
e adjacências.
É aquilo que
molda a minha jornada
na inatingível intenção
de ser morada
e pilar de sustentação
para as idéias
que são sonhos
ratificados pelo coração.


Fabiano Martins

Mistério do Planeta

Vou mostrando como sou e vou sendo como posso.
Jogando meu corpo no mundo,
andando por todos os cantos
e pela lei natural dos encontros,
eu deixo e recebo um tanto.
E passo aos olhos nus ou vestidos de lunetas.

Passado, presente,
participo sendo o mistério do planeta.

O tríplice mistério do stop,
que eu passo por e sendo ele no que
fica em cada um.

No que sigo o meu caminho
e no ar que fez e assistiu.
Abra um parênteses,
não esqueça que independente disso
eu não passo de um malandro.
De um moleque do Brasil,
que peço e dou esmolas.
Mas ando e penso sempre com mais de um,
por isso ninguém vê minha sacola.

Os Novos Baianos

Violência

O que aqui vejo
são mãos que se erguem
a implorar por espaço
e por tempo.
Pedir
simplesmente
para merecer
a sobrevida caminhada
à margem de tudo que está
à venda.

Sobra à vida,
a imagem formada
da figura alienada
que ultrapassa
a rua
para ter com os seus...

Meu Deus, repito, Meu Deus!

Já que tudo que se imagina
é precipício,
já que o berço da miséria
é o mais difícil.
Por que não tomar à força?
E, assim, poder
domar esta onça,
que, insistente,
violenta e atenta
ao descarte diário
do humano sem posses

Aonde estão teus olhos, mundo?
Que não vêem a dor do vagabundo.
Aonde estão tuas mãos, Terra?
Que não acodem as crianças esqueléticas.
Aonde está tua língua? Que não no coro
do discurso que blinda o poder
e faz multiplicar as favelas.


Fabiano Martins

Instinto Coletivo

Quadras e quadras e quadras
Cirandas, cirandas
B. Boys
e capoeiristas
Velhos sonhos, novos nomes na avenida.
O folclore é hard core e ataca o nosso momento
Abre a roda quem tá fora e quem tá dentro, participa!
O folclore é hard core, instiga alegria
em respeito do homem ao tambor,
no ritmo que domina com louvor
Pelo fato de estarmos juntos sem pavor,
Pois o instinto é coletivo meu senhor.

Eu represento o instinto coletivo

É domingo e só temos uma opção
As caixas grandes
O som tem que ser alto
Pra tocar a multidão
Essa dança não faz seleção
Pro homem do samba, o homem do funk,
o homem do bangra,
Baile da furacão, folia de reis,
Kuarup e o Boi Mamão -
nossa identidade é nosso lar
dentro dessa área de exclusão.
Comandante Marcos, África Bambatta,
Padre Cícero e Lampião.
Contra a mente em exclusão, sempre souberam
que o instinto é coletivo meu irmão

O rappa from Brasil
Third world posse on the hill
O rappa from Brasil.

When you see my passaport number
You don't see my culture
You don't see me.

O Rappa

Nó de fumaça

Saiu de banda serpenteando
Como um peixe ensaboado
Nem o Rio engarrafado
Foi capaz de detê-lo

Nas esquinas nas favelas
Não se fala de outro assunto

Na muvuca da encrenca
Tem inocente tem culpado
E lavadeira não têm trouxa
Fumo novo é batizado
Filé de osso cara inchada
Quem conhece sabe que é do santo
Faca sem ponta, segura a onda da roubada

Palmeando as meninas
Que estreavam a vida adulta
Não sobrou uma na área
Tratamento de puta

Herói de várzea, tupamaro
De onde veio, quem pariu
Aquele homem de metro e meio
Nó de fumaça que saiu

E com silêncio do santo preto
Em igreja errada porta entrou
E, de bobeira, sentou curvado

E onde o cara caiu
A calçada se fez de cama
Em cima de um palmo de terra
Não nasce mato
Não nasce grama
Pintou o sete do terror
E fez questão de ser do mal
Consciente malandro
Sangue ruim, riff e coisa e tal

O Rappa

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Paixão

A chama pegou
a lava acendeu
a brisa espalhou
a garça morreu
O fogo ateou
no meio do breu
Cremado no campo
o morto
era
eu

O morto
era eu
levado sem canto
cremado no campo
castrado de encanto
sozinho no breu.
Cinza era pouco
no ateio do fogo
tudo era morto:
a garça e eu.

A chama cessou
a paz ascendeu
o fogo apagou
Te chamar
feneceu.


Fabiano Martins

Além do que se vê

Moça, olha só o que eu te escrevi
É preciso força pra sonhar e perceber
que a estrada vai além do que se vê
Sei que a tua solidão me dói
e que é difícil ser feliz
mas do que somos todos nós
você supõe o céu
Sei que o vento que entortou a flor
passou também por nosso lar
e foi você quem desviou
com golpes de pincel

Eu sei, é o amor que ninguém mais vê
Deixa eu ver a moça
Toma o teu, voa mais
que o bloco da família vai atrás

Põe mais um na mesa de jantar
por que hoje eu vou pra aí te ver
e tira o som dessa TV
pra gente conversar
Diz pro bamba usar o violão
pede pro Tico me esperar
e avisa que eu só vou chegar
no último vagão

É bom te ver sorrir
Deixa vir à moça
que eu também vou atrás
e a banda diz: assim é que se faz!

Marcelo Camelo

sexta-feira, 5 de agosto de 2011

Geração Y

Não sou bossa nova.
Tenho os preceitos
guardados
de uma geração esquecida.
Não, não sou apenas prosa.
Tenho poesia
e caminhada
que se transmitem feito coisa
escondida.
E, igualmente,
não sou exagerado.
Meço-me por algumas
atitudes altruístas
e nelas me disfarço.
Sim, tenho amado um bocado.
Fiz parte em camas levianas
e de amor transbordado em ódio
fui culpado.
Sim, sou fruto
impueril
da latitude dos trópicos e suas complicações.
Mas também sou da pátria
de cores vibrantes
que insiste em me querer
a seus pés.
Não pertenço mais
à classe transgênica,
entregue à ignorância.
E nem tampouco, posso furtar-me de dizer
que ainda sou criança,
mas sem a necessária inocência
a elas inerente.
Sou, sim, fruto das escolhas que fiz,
que foram apenas certezas
ratificadas pela cabeça
que encaixou estas palavras.
E por fim, reconheço em mim
o que há em "como nossos pais",
nossos erros e ídolos são os mesmos,
e o novo abstém-se no esquecimento
antes de ser reconhecido.


Fabiano Martins

A capa do jornal

O mundo parece ser mesmo assim,
sem justiça
ou verdades condizentes.
Parece-me que quem controla
os artífices,
controla
o povo
maquinalmente.

Fabiano Martins.

quinta-feira, 4 de agosto de 2011

Jards Macalé, Paulo José e Torquato Neto

Capa de polidez

Às vezes, não sou sincero.
Não é por medo,
nem para caluniar ninguém.
Não sou sincero,
às vezes,
pois pressinto
o azedume.
A vida me mostrou
e eu já sei:
nenhuma sinceridade
fica impune.

Aos surdos de ouvidos
tapados
E aos cegos de olhos abertos
para o dia,
o que sobra
é ver e ouvir,
sinceridade
e
hipocrisia.


Fabiano Martins

Baseado no filme "O Anjo exterminador", de Luis Buñuel.

Veia

Da condição
que vos falo,
sou parte inerente
à construção.
Da permissão
e do regalo,
nada posso
falar
senão
do que me afeta.
Afeito a isso,
sigo com os olhos
marejados,
de poeta.
Que se perdeu
para enfim ser encontrado,
e que se inquieta
frente às ondas tão fechadas
dessa praia;
frente ao grito
retumbante
que se ralha;
frente ao espaço
turbilhonante
em que a vida
passa.
Dito isso,
o que me sobra
é a bravata
e o meu pequeno
braço na batalha;
é a minha voz ouvida
pela nata, que
se abona
em ver de novo
sua ressurreta
cava.


Fabiano Martins

Baile no Elite

Fui a um baile no Elite, atendendo a um convite
Do Manoel Garçom (Meu Deus do Céu, que baile bom!)
Que coisa bacana, já do Campo de Santana
Ouvir o velho e bom som: trombone, sax e pistom.
O traje era esporte que o calor estava forte
Mas eu fui de jaquetão, para causar boa impressão
Naquele tempo era o requinte o linho S-120
E eu não gostava de blusão (É uma questão de opinião!)

Passei pela portaria, subi a velha escadaria
E penetrei no salão.
Quando dei de cara com a Orquestra Tabajara
E o popular Jamelão, cantando só samba-canção.
Norato e Norega, Macaxeira e Zé Bodega
Nas palhetas e metais (E tinha outros muitos mais)
No clarinete o Severino solava um choro tão divino
Desses que já não tem mais (E ele era ainda bem rapaz!)

Refeito dessa surpresa, me aboletei na mesa
Que eu tinha já reservado (Até paguei adiantado)
Manoel, que é dos nossos, trouxe um pires de tremoços
Uma cerveja e um traçado (Pra eu não pegar um resfriado)
Tomei minha Brahma, levantei, tirei a dama
E iniciei meu bailado (No puladinho e no cruzado)
Até Trajano e Mário Jorge que são caras que não fogem
Foram embora humilhados (Eu tava mesmo endiabrado!)

Quando o astro-rei já raiava e a Tabajara caprichava
Seus acordes finais (Para tristeza dos casais)
Toquei a pequena, feito artista de cinema
Em cenas sentimentais (à luz de um abajur lilás).
Num quarto sem forro, perto do pronto-socorro
Uma sirene me acordou (em estado desesperador)
Me levantei, lavei o rosto, quase morro de desgosto
pois foi um sonho e se acabou

(Seu Nélson Motta deu a nota que hoje o som é rock and roll.
A Tabajara é muito cara
e o velho tempo já passou!)

João Nogueira e Nei Lopes

Rosa Maria

Um dia
Encontrei Rosa Maria
Na beira da praia a soluçar
Eu perguntei o que aconteceu
Rosa Maria me respondeu
O nosso amor morreu
Não sei ainda explicar qual a razão
De Rosa Maria desprezar meu coração
Eu fazia-lhe toda a vontade
Será que ela tem outra amizade?


Aníbal da Silva e Éden Silva

quarta-feira, 3 de agosto de 2011

Aniversariamente

Aniversariamente,
minha razão
conversa comigo.
Fala à minha figura,
que vaga entre outras
conversas,
que ter paixão é preciso,
assim como é
impreciso ter pressa.
Aniversariamente,
temo pelo futuro
que demora; lembro
que antes de ser futuro,
o passado
também já demorou,
E, agora, inverte-se
como um palíndromo.
De tudo que falo e escrevo,
quando leio,
vejo falar comigo.
Não sei bem se
é este o meu anseio
ou se é
um confortável abrigo.
Então me dispo,
e à razão encaminho resposta.
Esta conversa entre mim
e eu mesmo
É o mote das minhas apostas.


Fabiano Martins

Clube da Luta

You are not your job.
You are not the money in your bank account.
You are not the car you drive.
You are not how much money is in your wallet.
You are not your fucking khakis.
You are the all-singing, all-dancing crap of the world.

Tyler Durden

O processo

Quando ando só,
tenho impressões.
São leves pensamentos
que vislumbro,
momento de raras reflexões.
Quando ando só,
estou com o mundo em meus braços.
Minha cabeça é cenário,
Meu corte
arde
e eu passo...
Quando aqui fico
e não quero sair,
reflete-se em mim
o baixo
que pertence à reta imaginária
composta por altos também,
e que delineia a vida dos homens.
Não quero sair para ver ninguém
e um muro imponho
ao exterior mundo.
Fico mudo de repente,
sem conhecer palavra alguma.
Me acudo em precedentes
para achar na palavra,
alcunha
para um nome qualquer que venha a
brincar nas histórias
mudas
que montei durante a época de andanças.
É preciso andar
para criar
e ficar só
para ter temperança.


Fabiano Martins

Metrô Linha 743

Ele ia andando pela rua meio apressado
Ele sabia que tava sendo vigiado
Cheguei para ele e disse: Ei amigo, você pode me ceder um cigarro?
Ele disse: Eu dou, mas vá fumar lá do outro lado
Dois homens fumando juntos pode ser muito arriscado!
Disse: O prato mais caro do melhor banquete é
O que se come cabeça de gente que pensa
E os canibais de cabeça descobrem aqueles que pensam
Porque quem pensa, pensa melhor parado.
Desculpe minha pressa, fingindo atrasado
Trabalho em cartório mas sou escritor,
Perdi minha pena nem sei qual foi o mês
Metrô linha 743

O homem apressado me deixou e saiu voando
Aí eu me encostei num poste e fiquei fumando
Três outros chegaram com pistolas na mão,
Um gritou: Mão na cabeça malandro, se não quiser levar chumbo quente nos cornos
Eu disse: Claro, pois não, mas o que é que eu fiz?
Se é documento eu tenho aqui...
Outro disse: Não interessa, pouco importa, fique aí
Eu quero é saber o que você estava pensando
Eu avalio o preço me baseando no nível mental
Que você anda por aí usando
E aí eu lhe digo o preço que sua cabeça agora está custando
Minha cabeça caída, solta no chão
Eu vi meu corpo sem ela pela primeira e última vez
Metrô linha 743

Jogaram minha cabeça oca no lixo da cozinha
E eu era agora um cérebro, um cérebro vivo à vinagrete
Meu cérebro logo pensou: que seja, mas nunca fui tiete
Fui posto à mesa com mais dois
E eram três pratos raros, e foi o maitre que pôs
Senti horror ao ser comido com desejo por um senhor alinhado
Meu último pedaço, antes de ser engolido ainda pensou grilado:
Quem será este desgraçado dono desta zorra toda?
Já tá tudo armado, o jogo dos caçadores canibais
Mas o negócio aqui tá muito bandeira
Dá bandeira demais meu Deus
Cuidado brother, cuidado sábio senhor
É um conselho sério pra vocês
Eu morri e nem sei mesmo qual foi aquele mês
Ah! Metrô linha 743


Raul Seixas

Minha

Minha? Quem disse que ela foi minha
Se fosse seria a rainha
Que sempre vinha
Aos sonhos meus

Minha, ela não foi um só instante
como mentiam as cartomantes
como eram falsas as bolas de cristal

Minha!
Repete agora esta cigana
Lembrando fatos envelhecidos
que já não ferem mais os meus ouvidos


Cartola

Corra e olhe o céu

Linda,
Te sinto mais bela
E fico na espera
Me sinto tão só
Mas!
O tempo que passa
Em dor maior
Bem maior...

Linda,
No que se apresenta
O triste se ausenta
Fez-se a alegria
Corra e olhe o céu
Que o sol vem trazer
Bom dia
Ah!
Corra e olhe o céu
Que o sol vem trazer
Bom dia...


Cartola e Dalmo Casteli

Hilda Hilst

Enquanto faço o verso, tu decerto vives.
Trabalhas tua riqueza, e eu trabalho o sangue.
Dirás que sangue é o não teres teu ouro
E o poeta te diz: compra o teu tempo.
Contempla o teu viver que corre, escuta
O teu ouro de dentro. É outro o amarelo que te falo.
Enquanto faço o verso, tu que não me lês
Sorris, se do meu verso ardente alguém te fala.
O ser poeta te sabe a ornamento, desconversas:
"Meu precioso tempo não pode ser perdido com os poetas".
Irmão do meu momento: quando eu morrer
Uma coisa infinita também morre. É difícil dizê-lo:
MORRE O AMOR DE UM POETA.
E isso é tanto, que o teu ouro não compra,
E tão raro, que o mínimo pedaço, de tão vasto
Não cabe no meu canto.


Hilda Hilst

Soneto do amigo

Enfim, depois de tanto erro passado
Tantas retaliações, tanto perigo
Eis que ressurge noutro o velho amigo
Nunca perdido, sempre reencontrado.

É bom sentá-lo novamente ao lado
Com olhos que contêm o olhar antigo
Sempre comigo um pouco atribulado
E como sempre singular comigo.

Um bicho igual a mim, simples e humano
Sabendo se mover e comover
E a disfarçar com o meu próprio engano.

O amigo: um ser que a vida não explica
Que só se vai ao ver outro nascer
E o espelho de minha alma multiplica...


Vinícius de Moraes.

terça-feira, 2 de agosto de 2011

Índole

Recuso a escrita
bonitinha,
A que teima em
chorar mazelas meladas.
Prefiro as tragédias da Grécia,
do que uma imensa
charopada
Recuso escrever e te fazer rir,
e te dar tudo sem te fazer pensar...
Preciso que te ocupes de mim,
pois amanhã posso não mais estar!
Hoje sigo comigo a
preservar meu interior,
de onde há pus e vem o sangue,
mas também de onde
nasce o amor.


Fabiano Martins.

para Torquato

O poeta um dia
escreveu
e para além
deixou escrito
até que
um dia
ele morreu
sem antes nunca
poder ter me dito,
Mas escrito
ele deixou
o que depois
eu vi ali,
em sua página
deflagrou
o sentido de estar aqui
"Poetemos, pois"
ele escreveu
e, sem mais,
se foi.
Poetemos, pois,
entendi.
Para isso
estou aqui.


Fabiano Martins

O Pintor

Hoje não tive
remédio,
nem inspiração fugidia.
Hoje furtivo
é laço
que atrela
para um outro dia.
Das vezes que pintei
em meu lar
as cores que achei que viriam,
todas foram com o tempo apagando
e levando
o que não deveriam.


Fabiano Martins

Em frente ao retrato

"Minha palavra guarda minh´alma",
diz a menina frente ao retrato.
"Minha palavra guarda minh´alma",
simples e cru, feito o fato.
"Minha renda, minha roupa,
meus remendos, meu farrapo.
Minha infância imaculada
perdi pela rua,
às quinze pras quatro.
Minha palavra, somente, é que guarda minh´alma.
Meu corpo doei,
feito doente
para a cura que sana.
Encantei-me desse vilipêndio
sem vileza, com dispêndio.
Exijo o comportamento exíguo
e sofro,
como sofro contigo!
Adentrada pela porta
errada,
usual minha triste
fábula:
aguardo na calçada,
a carona comum
de um dia
e mais
nada."


Fabiano Martins.

Cumplicidade

Cumplicidade
está no cheiro,
naquilo que é normal;
no que é visível,
porém não é;
no que há de imaterial.
Cumplicidade
é ter por inteiro
a cidade para explorar,
mas preferir ser mil vezes
o mesmo
poeta que vive a pensar
No cheiro de aspargos in natura;
Na razão de tantas regras;
No ocaso que traz a feiúra,
mas é transformado pela mais bela.
Ser cúmplice e amante
é ser mais do que um instante;
é o gozo repetido,
tantas vezes
se fundindo;
É o suor que a boca amarga
e o coração adoça;
É a maçã, que vive rubra
numa mesa sempre posta.
Eu sufoco nos teus braços
a razão de estar aqui.
Viver e viver,
pra quê?
Simplesmente, pra te ouvir.
E recuso hermetizar-me
mais do que deixa a poesia.
Recuso rebuscar-me
mais do que deveria.
Cumplicidade é abrir mão de tudo,
e em tudo encontrar felicidade;
É se dar bem com todo o bufão
e encontrar razão
na adversidade.
É o que me motiva
forte, frente à fronte do mal;
é o que me diz
o que seria o ser humano ideal;
É o que abre as portas da percepção;
É o amor sincero e parceiro,
de quem de mim nada precisa;
É querer de uma tarde de julho,
apenas a remissão imprecisa
de pecados e alentos;
É estar sempre perto,
sempre atento.
Cumplicidade é
beber tua saliva e
Repreender tua ogeriza,
Quando em mim se enraíza
o bafo matutino e os outros desprazeres
que a cumplicidade
tem.


Fabiano Martins.

Minha vida foi isso o tempo todo

Recomeçar ainda que partido;
Refazer o horizonte a cada passo;
Buscar razões no que perdeu sentido;
Mover-me sempre, embora o pouco espaço;

Compreender todas as vozes mudas,
Perdido entre o não dito e o não pensado;
Procurar no vazio alguma ajuda;
Repisar mil caminhos já pisados;

Falar sem nunca ter ouvido um grito
De aplauso, de protesto ou xingamento;
Pensar que era de céu o chão de lodo;

Os pés na terra, os olhos no infinito.
Sonhando estar lá longe o meu momento...
Minha vida foi isso o tempo todo.


Mário Lago.

100 Anos de Mário Lago

"O projeto Mário Lago - Homem do Século XX dá mais um passo nas comemorações do centenário do artista. Foi lançado hoje o site www.mariolago.com.br, com informações sobre o homenageado e que reunirá de documentos históricos a notícias e informações atuais."


http://www.mariolago.com.br/

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

A Sibéria do meu tempo

Com um pouco de prosa,
comento sobre o exílio
de alguém que mesmo em seu tempo,
sofre um antigo martírio.
A rima fácil
dos versos anteriores
são de um homem, o transportar furtivo.
Há que ser útil
ao tentar lembrar das épocas passadas,
para enfim comemorar:
"só assisto crepúsculo à tarde;
e de madrugada, à alvorada".
Seu tempo é de "quando" em "hoje"
Está só nesta epopéia.
Ver além do que traz a mídia,
massificadora e ciclope,
é estar exilado pra lá da
Sibéria...


Fabiano Martins

Poeira

Sou um escrevente
que em certas
dissertações
opina.
Estou mais
para o dia
quando do tempo
vem a neblina.
Mordo as coisas
que gosto, delas arranco
pedaço.
Minha víscera
de sangue
exposto,
se funde
junto ao aço. Sublima.

O que eu queria dizer nos escritos
são coisas tão minhas, intrínsecas,
Inerentes a todo
o viver,
o perder
e o que mais se aplica.
Displicente, eu vejo você
desejando
a retaliação.
Quero fazer compreender
que no mundo tudo é em vão.
Mas as coisas que surgem
deste laço, deste elo
que nos interliga,
me fazem crer na poeira -
na que somos,
e na que
nos
abriga.


Fabiano Martins.

Sob o verso

Palavras demais
atrapalham,
se atalham pelo coração.
Desfazem a figura
tangida,
quando forma
em letras lhe dão.
As pessoas
se dão pelas ruas
baseando-se pela visão.
Há mais coisa
entre o chão e a
lua
do que pode
a humana razão.
No entato, eu percebo
a flor,
ela morre antes de nascer.
Acompanho
seu breve
fulgor,
resistente, a querer florescer.
Mas lhe extirpam a vida
amiúde,
como fazem às suas irmãs.
Sereis flores ou pisantes de gramas,
quando floricídios
arquitetam?
Mister
é
viver.
O resto é luzir.
Quereis mesmo morrer,
não preferis sorrir?
Quem sou eu que aqui falo
e como sou entendido?
Vos respondo:
estou, de fato,
por trás da palavra
escondido.


Fabiano Martins.

Sol capital

Sob o sol forte
fazemos política tropical.
O meu tempo vai se acabando, mas
sou forjado à areia e sal.
Quero ter arestas a aparar
e frestas por onde entrar.
Quero frescas flores na janela
aguardando meu passar.
Hei de me lembrar,
o fascínio
é condescendente
tende a extirpar
o que antes era sublime,
hoje é vazio
a se fartar.
Hei de me lembrar,
e, lembrando,
hei de vir assim,
como o filho
nasce belo,
quando fazes algo
por mim.
As flores são para a janela,
o bebê para o capital.
Rosas turvam amarelas
e, ao adulto, seu final.
São confrontos indeléveis
que cotidianamente
tomam lugar:
entregamos filhos às cidades
para sistematicamente
nos alienar e
em ostracismo procuramos prover
um pouco mais de vida aqui,
enquanto outros facilitam o morrer
e, ousados,
apressam o porvir.


Fabiano Martins

sobre o cigarro

é o fogo que despedaça
e brinda leve o passar das horas
sobe como que ascendendo aos céus
me desapega de sentidos
me queima e gera abrigo
contra o frio
da chama sai o grosso pálido de fumaça
que se espalha e se expande no desfazer-se de motivos
é, por si, contra a esperança em desatino
que fico
a observar
se esvaem lágrimas contra as já incontáveis
lâminas do tempo
a contento do desprender
me atende um beijo calado
queixa-se ao sol por te negar abrigo
faz da lua uma razão para ser mais furtivo
e espera
ascendendo cometas
viajando planetas
formulado por um bilhão de partículas atômicas
oxigênio! - grita
em pedir mais
justifica
a ida interminável do vento

assopra, que é bom

a chama peca e dá alento
ao vicío pretenso da memória
e mais o que me deixa preso
aos plenos pulmões que depois de acabar
vai embora


Fabiano Martins.