Preparando-se para sua primeira consulta com o psicólogo, um
homem acomoda-se na poltrona da sala do médico e toma
um gole de ar. O Doutor percebendo o estado desconfortável
do homem lhe oferece instruções, "comece contando para mim
o seu nome".
"Meu nome é (não importa).
Tenho um casamento feliz,
e consegui certo sucesso profissional.
Hoje passei uma hora com minhas filhas. Elas crescem rápido.
Sabe, fomos ao parque semana passada
e lhes expliquei que não podiam
dar comida aos bichos. Elas ficaram decepcionadas.
Nessa idade temos muito a oferecer.
Tanta inocência reluzida
através de atos puros e gestos, que, depois
de adultos, tornam-se inverossímeis.
Elas ficaram decepcionadas pois queriam alimentar
o macaquinho. Eu lhes disse não..."
Neste instante uma emoção toma conta do locutor:
"Não... o que me incomodou foi
perceber que eu mesmo já tive essa vontade,
e fui repreendido da mesma forma pelo meu pai.
Ele me disse não, igualmente.
Não... o que me incomodou foi perceber
o quanto a minha vontade de dar foi
substituída pela vontade de tirar proveito, pouco a pouco,
lentamente...
Fui crecendo e perdendo algumas coisas humanas.
Percebe? Matamos a inocência no berço.
Com mentiras vestidas de vermelho e coelhos
que trazem chocolates.
Hoje, adulto, levo minhas filhas ao Zoológico,
enquanto o certo seria liderar
uma revolução para ver aqueles bichos
soltos com suas zoonoses, correrem livres
para morrerem ou matarem
e poderem participar da vida,
e não simplesmente servirem ao entretenimento
vago e distante
de serem vistos feito espécimes, ao invés de contemplados
em sua magnitude voraz,
natural."
O pensamento intrigante daquela revelação fez o psicólogo mover-se da cadeira.
"O Doutor não percebe o que quero dizer?
Não? Pois bem, usarei de uma forma mais transitiva agora:
Ao passar pela jaula dos leões, eu tive - veja bem - pena deles.
As meninas gritavam e tinham medo. Natural, eu acho.
O que me surpreende é esse pensamento. Afinal,
como posso eu, mero arremedo de uma convenção determinada
do que deve ser um homem, ter pena de uma força tão impressionante
e selvagem como são os leões?
Sim, eles estavam presos na jaula, domesticados,
com refeições intermitentes e satisfatórias,
com médicos especialistas que lhes mantinham vivos,
enquanto tudo que desejavam era morrer.
Tive medo, doutor, porque me sinto
assim."
Fabiano Martins.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
maravilhoso.
ResponderExcluirOi Fabiano!
ResponderExcluirSeu blog é ótimo, adorei tudo oque li, com certeza vou estar sempre por aqui!
Adorei sua visitinha no meu bloguinho, será sempre bem vindo!
bjokas
Larissa,
ResponderExcluirObrigado. Seja bem-vinda!
Ana,
Obrigado por também me visitar.
Seja bem-vinda!
bjs
Isto me lembrou "Ouro de tolo", do Raul...na verdade pq realmente as jaulas vêm deste tal ouro de tolo a do nosso tão escancarado antropocentrismo!
ResponderExcluirTenho uma opinião...acho que o doutor compreendeu, ou melhor: pseudo-entendeu, e permaneceu achando que não, pq acredita que está no exato lugar q deveria estar,''contribuindo'' para o "belo quadro social"...como tanta gente por aí...
Enfim.
Eu fiquei emocionada lendo, Fabiano!
Jaci,
ResponderExcluirSua percepção é impressionante. Há sim, esta inspiração na música.
Obrigado pelas suas participações sempre sinceras.
bjs
Odio los zoológicos, pero más aún este zoológico inexplicable y organizado (matar, comer, morir) que es la vida (en libertad).
ResponderExcluirTus poemas son una continua reflexión sobre el ser humano (tanto en un plano existencial como social)y por eso me gustan tanto.
Elisabeth,
ResponderExcluirObrigado pelas palavras. O título é "A jaula", mas poderia ser "A vida".
Obrigado mais uma vez por sua contribuição neste fórum.
Abraço
Despues de leer esta entrada, me llevo ideas en que pensar. Un abrazo
ResponderExcluirLapislazuli,
ResponderExcluirFico feliz por isso.
Obrigado pela visita!
Abraço
Bom dia Famartan, meu amigo TRANSITIVO,
ResponderExcluirEste seu texto tem que se lhe diga.
Componente humana e emocional o dominam.
É tão bom tomar um gole de ar, às vezes. Necessitamos. A alma ganha fôlego, para sair, para dançar.
A infância e o casamento da personagem, de que fala em seu texto, não foram e não são felizes. Daí, o recorrer ao Psicólogo clínico.
Sabe, Famartan, Psicólogo, à vezes, têm muito mais problemas de alma do que paciente.
Tenha um óptimo dia.
Beijos de luz.
Bom dia, LUZ,
ResponderExcluirConcordo com você, às vezes o médico tb está doente. Sorte têm aqueles que não pensam sobre a vida e a morte; são poupados da angústia de não saber...
Obrigado por ler o texto!
bjs
Olá Fabiano, obrigada pela sua visita e por seguir-me. Seja bem vindo!!
ResponderExcluirGostei da forma em que vc escreve seus poemas. Parabéns!!
Bjinhoss XD
Obrigado, Simone.
ResponderExcluirSinta-se igualmente bem-vinda!
bjs
Caro companheiro de versos, boa tarde!
ResponderExcluirParece que todos estamos intrisicamente conformados com a nossa estagnação moral e a falta de apego a vida do próximo.
Liberdade, penso eu, também seria termos o direito de usufruir de segurança, saúde, educação, lazer, ...
A gama de políticos desse País das Maravilhas ou nesse mundo ingrato, construido por homens é bom que se ressalte e retirando a responsab ilidade divina, faz com nessa sua metáfora, sejamos nos os animais encarcerados. Nos mantem vivos a troco de votos para suas reeleições vindouras.
Triste e desolador.
E tem gente que bate palma para as coisas como estão. Sim, somos os leões ferozes enjaulados também pela imposição de atitudes que os outros esperam de nós (sociedade e suas esquinas cruéis).
ResponderExcluirObrigado por refletir comigo!
Abraço
muito bom irmão... me fez lemnbrar uma época que eu morava com a minha mãe...onde ela sempre pregava textos interessantes que encontrava em suas leituras no mural de fotos do meu quarto...um deles era o seguiunte:
ResponderExcluir"Dentro de mim morreram muitos tigres.
Os que ficaram, no entanto, são livres."
Lau Siqueira