segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Abandono

Será este silêncio
fruto da minha imaginação?

Ouço sinos e vozes de homens.
Há crianças nas ruas
e esperanças em seus pequenos olhos;
elas aprendem desde cedo
que é preciso resolver seus problemas
sozinhas,
contudo, não poderão agora
saber sobre o abandono
da vida adulta.
Há um indulto, chamado conforto.
Há outro, chamado fraternidade.
Ambos são excludentes.
Elas não sabem disso ainda;
são inocentes.
Este silêncio de que lhe falava
é a resposta do universo;
este som de nada misturado
com coisa alguma
advindo de uma nuvem
posta sobre a minha cabeça.
Não há respostas, somente
palavras ditas por homens
e sinos que emitem sinais.
Não há respostas, que não a perda da fé...
mas e se ela resiste, e alguém cede os joelhos
à terra batida a implorar
por perdão?
"Perdoe-me pois já nasci amaldiçoado,
fruto de um grande
pecado."
"Perdoe-me também pelo
escárnio e por todas as contradições
que minha mente limitada não consegue desvendar."
"Perdoe-me por tentar ser feliz,
num mundo onde impuseram-me o
sofrimento."
Perdoe-me por este solitário lamento.

Ah! Uma alma notívaga -
dentre tantas outras -
anda pela linha do trem;
alma incólume - não quer nada.
Unicamente deseja
deixar de ser.
Eu a sigo pelo caminho.
Pequenina alma, cheia de vontades negadas.
Como pode o mundo ser tão duro contigo?
Eu sigo você por essa estrada,
e desejo-lhe proteção.
Mas também não sou nada
e, portanto, nada posso fazer;
assisto à sua ruína num camarote
bem posicionado.
Ninguém se importa com a sua dor,
e nem mesmo você importa-se
com a dor de ninguém.
Este é o fato.


Fabiano Martins

18 comentários:

  1. Que lindo poema, Fabiano.Senti tua tristeza daqui...

    Beijo

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  2. Parole,
    A tristeza pode ser bastante criativa.
    bjs

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  3. Já disse Rubem Alves..."ostra feliz não faz pérola"....

    Não só beleza,mas reflexão, consciência.
    Sinto essa mesma angústia...ter as duas mãos estendidas,mas saber que elas ainda são tão,tão pouco...

    "Perdoe-me por tentar ser feliz,
    num mundo onde impuseram-me o
    sofrimento."

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  4. Jaci,
    Obrigado porque vejo que os versos não estão tão intrasitivos quanto imaginei. Obrigado também por compartilhar comigo essas tuas impressões, as quais reconheço tão bem.
    Você sempre traz citações que enriquecem as discussões que proponho. Ganho muito com isso.
    bjs

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  5. Olá Famartan,

    Li duas vezes o seu poema e tudo nele é bastante transitivo. Nos exige, sempre, o complemento directo, tantas vezes, impossível de o encontrar.
    Crítico, mordaz e combativo.

    Beijos de luz.

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  6. Esse seu poema combinou muito bem com os meus pensamentos nos últimos dias. Dói dentro de mim ver que cada vez mais as pessoas deixam de acreditar que Deus existe por causa da omissão - e da maldade propriamente - dos que se dizem filhos Seus. Não é pra menos. Essa pequena nuvem que paira sobre a sua cabeça faz tempestade sobre a minha. O coração que tem sede e fome de justiça, que entende que "a verdadeira religião é visitar o órfão e a viúva em suas necessidades e guardar-se da corrupção" (Tiago 1.27), esse, sim, esse é o que pode ainda revelar alguma esperança. Enquanto os meus pés não endureceram, e as minhas mãos ainda podem servir, e o meu coração ainda se atribula, e os olhos de minha face ainda conseguem ver - ah, enquanto há vida, que haja doação, sede de justiça, desprendimento, gesto. E, quem sabe, descubram enfim que Deus não morreu - e a culpa sempre foi nossa, sempre. Eu tenho fé que a fé ainda resiste algum tempo. E que a esperança e o amor acompanhá-la-ão.

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  7. Luz,
    Obrigado pelo teu comentário.
    Saber a forma como você reage quando lê o que escrevi me ajuda a compreender melhor o que faço aqui.
    bjs


    Mima,
    Suas palavras foram emocionantes. Obrigado por este comentário. Certamente, precisamos melhorar como pessoas.
    É preciso viver com respeito, fundamentalmente. Acho que esse é o caminho para o amor.
    bjs

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  8. estremeci e caiu lágrima

    escrito de grande profundidade transparente como a água de uma alma em dor e plena de candura

    e a vida é mesmo feita de vontades negadas,

    e ninguém se importa com a dor de ninguém

    abraço

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  9. Analuz,
    Eu fico feliz por ler este comentário seu. Não por você ter chorado, mas pela emoção dos versos ter te tocado. Eu agradeço imensamente por você vir aqui e relatar o que sentiu. Obrigado.
    abraço

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  10. "Há um indulto, chamado conforto.
    Há outro, chamado fraternidade.
    Ambos são excludentes."

    É isso, Fabiano. Aí está o âmago do poema e o cerne da realidade existencial. Ou, como dizes no final: Este é o fato.

    Gostei muito de te ler. Virei mais vezes.

    Desde Lisboa, uma saudação cordial e um abraço afetuoso.

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  11. Tania,
    Seja bem-vinda ao blog. Obrigado por ler o que escrevi. Certamente, este trecho é muito importante para a reflexão proposta.
    Daqui do Rio, outro abraço.

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  12. Lindo poema e que deixou inconforto! o dilema entre a fratenidade e o conforto, esse sim é grande!
    Obrigada pela partilha. E obrigada pela visita a meu espaço que me deu a oportunidade de o vir ler;o)

    ***
    Feliz semana****

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  13. Muito bom cara!
    Realmente sua poesia é crítica, de alta qualidade, reflexiva e inovadora.
    Grande abraço e sucesso!

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  14. Cildemer,
    Seja bem-vinda! Obrigado pelo comentário. Espero te ver mais aqui. Boa semana.


    Evandro,
    Obrigado.
    Seja bem-vindo ao blog.
    Abraço!

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  15. Hİ! welcome
    Bye I Nur..:)Have nice day

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  16. Eu senti a absolvição do poema, consegui visualizar cada detalhe. Muito belo! Gostei por demais e estarei voltando!
    Beijo grande!
    Smareis

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  17. Smareis,
    Obrigado pela visita. Aguardo seu retorno.
    Seja bem-vinda!
    Bjs

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  18. Boa noite meu amigo!!!

    Estou a comunicar que perdi aquele blog "A Bela e a Fera". Vi que vc me seguia, Fiz este outro blog http://oloboanjodamadrugada.blogspot.com
    Transcrevi todas as postagens e acrescentei mais algumas novas.
    Espero poder contar com sua presença, pois ela é muito importante pra mim
    atenciosamente
    LOBO da madrugada

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