Teu nome, Maria Lúcia
Tem qualquer coisa que afaga
Como uma lua macia
Brilhando à flor de uma vaga.
Parece um mar que marulha
De manso sobre uma praia
Tem o palor que irradia
A estrela quando desmaia.
É um doce nome de filha
É um belo nome de amada
Lembra um pedaço de ilha
Surgindo de madrugada.
Tem um cheirinho de murta
E é suave como a pelúcia
É acorde que nunca finda
É coisa por demais linda
Teu nome, Maria Lúcia...
sexta-feira, 18 de dezembro de 2009
terça-feira, 15 de dezembro de 2009
Sistema
Verdades engatilhadas:
É fato consumado
Que o pensamento é revolução
Que o capitalismo é soberano
Que só importa a paixão
Resposta:
É fato consumado
Que o pensamento é revolução
Inteira o ser humano
E tira dele a arma da mão
Capitalismo a devolve
faz querer comprar a televisão
Ter o que a ingrata (porém bela) nega
E diz-lhe não
Como um recém-nascido
Que nasce fruto do amor que sinto
Se vai numa bravata
De quem quer o absinto
Julgo certo o pensamento
Desenrolo seu proceder
Capitalismo é inconteste
Mas faz muita gente morrer
Revolução é pensamento
Nesta rima de tom agreste
Que se faz sonoridade
Para que nela inveje
O poder transformador
Que tem a persuasão
Transforma sem palor
O que é banal em necessário
Pela televisão
Faz querer o que não tenho
E transforma isso em ciência
Chama a massa de alvo
E nela extingue paciência
Estupram-nos, os bancos, com vis temeridades
Juros, e de nossas rendas
Fontes
Para o governo e para o bem das cidades
Enchem-nos de total banalidade
E incentivam a intolerância
Matam o bebe arrastado pelo carro
tiram dele a infância
Estirpe tão seleta
Vai comentar o crime
Dizer que na certa
Aquilo não se redime
Morte a quem matou
Morte a quem morreu
Lágrimas pelo bebe
que era meu
E que era seu
Mas não pensamos na hora
No porque deste pavor
Desenrole até o fim o capitalismo de agora
E vais ver que horror são
As conseqüências deste desenrolar
O fato vil que desencadeia a lógica
Para a uma criança fuzilar
E transportar para o futuro a senzala,
Sob disfarce de cozinha e favela
Sob disfarce de salários mínimos de fome
Sob disfarce de um choro sob a luz da vela
Num domingo ensolarado aonde entramos em prédios
E invocamos fontes imagéticas
Na esperança de ser Deus quem nos ouve
Mas não! – é a falta de ética
A mãe não compreende o porquê
De o seu filho ser soldado do tráfico
Pois tratado sempre com amor
Foi-se dar a este caminho prático
Que mãe tão relapsa (ó mãe sozinha)
Abandonar um filho na rua
Pedindo ajuda de quem caminha
Às tramas de quem se mata
Ou das pequenas que se dão nuas
Em troca de dinheiro
Não só no rio de Janeiro
Não só nas camas nuas
Não só no meio das ruas
E o que você tem feito
Para exigir o seu bocado
Se nasceu remediado, sincero,
Espero que tenha estudado
Se nasceu rico
o bom é ser safo, não ter medo e
saber investir o seu dinheiro
Se nasceu pobre é um dilema
Em qual empresa trabalhar
Naquela que te usurpa a vida
Ou na outra que te obriga matar?
Fabiano Martins
É fato consumado
Que o pensamento é revolução
Que o capitalismo é soberano
Que só importa a paixão
Resposta:
É fato consumado
Que o pensamento é revolução
Inteira o ser humano
E tira dele a arma da mão
Capitalismo a devolve
faz querer comprar a televisão
Ter o que a ingrata (porém bela) nega
E diz-lhe não
Como um recém-nascido
Que nasce fruto do amor que sinto
Se vai numa bravata
De quem quer o absinto
Julgo certo o pensamento
Desenrolo seu proceder
Capitalismo é inconteste
Mas faz muita gente morrer
Revolução é pensamento
Nesta rima de tom agreste
Que se faz sonoridade
Para que nela inveje
O poder transformador
Que tem a persuasão
Transforma sem palor
O que é banal em necessário
Pela televisão
Faz querer o que não tenho
E transforma isso em ciência
Chama a massa de alvo
E nela extingue paciência
Estupram-nos, os bancos, com vis temeridades
Juros, e de nossas rendas
Fontes
Para o governo e para o bem das cidades
Enchem-nos de total banalidade
E incentivam a intolerância
Matam o bebe arrastado pelo carro
tiram dele a infância
Estirpe tão seleta
Vai comentar o crime
Dizer que na certa
Aquilo não se redime
Morte a quem matou
Morte a quem morreu
Lágrimas pelo bebe
que era meu
E que era seu
Mas não pensamos na hora
No porque deste pavor
Desenrole até o fim o capitalismo de agora
E vais ver que horror são
As conseqüências deste desenrolar
O fato vil que desencadeia a lógica
Para a uma criança fuzilar
E transportar para o futuro a senzala,
Sob disfarce de cozinha e favela
Sob disfarce de salários mínimos de fome
Sob disfarce de um choro sob a luz da vela
Num domingo ensolarado aonde entramos em prédios
E invocamos fontes imagéticas
Na esperança de ser Deus quem nos ouve
Mas não! – é a falta de ética
A mãe não compreende o porquê
De o seu filho ser soldado do tráfico
Pois tratado sempre com amor
Foi-se dar a este caminho prático
Que mãe tão relapsa (ó mãe sozinha)
Abandonar um filho na rua
Pedindo ajuda de quem caminha
Às tramas de quem se mata
Ou das pequenas que se dão nuas
Em troca de dinheiro
Não só no rio de Janeiro
Não só nas camas nuas
Não só no meio das ruas
E o que você tem feito
Para exigir o seu bocado
Se nasceu remediado, sincero,
Espero que tenha estudado
Se nasceu rico
o bom é ser safo, não ter medo e
saber investir o seu dinheiro
Se nasceu pobre é um dilema
Em qual empresa trabalhar
Naquela que te usurpa a vida
Ou na outra que te obriga matar?
Fabiano Martins
Fado Tropical - Chico Buarque e Ruy Guerra
Oh, musa do meu fado
Oh, minha mãe gentil
Te deixo consternado
No primeiro abril
Mas não sê tão ingrata
Não esquece quem te amou
E em tua densa mata
Se perdeu e se encontrou
Ai, esta terra ainda vai cumprir seu ideal
Ainda vai tornar-se um imenso Portugal
``Sabe, no fundo eu sou um sentimental
Todos nós herdamos no sangue lusitano uma boa dose de lirismo
Mesmo quando as minhas mãos estão ocupadas em torturar, esganar,
trucidar
Meu coração fecha aos olhos e sinceramente chora...''
Com avencas na caatinga
Alecrins no canavial
Licores na moringa
Um vinho tropical
E a linda mulata
Com rendas do Alentejo
De quem numa bravata
Arrebato um beijo
Ai, esta terra ainda vai cumprir seu ideal
Ainda vai tornar-se um imenso Portugal
``Meu coração tem um sereno jeito
E as minhas mãos o golpe duro e presto
De tal maneira que, depois de feito
Desencontrado, eu mesmo me contesto
Se trago as mãos distantes do meu peito
É que há distância entre intencão e gesto
E se o meu coração nas mãos estreito
Me assombra a súbita impressão de incesto
Quando me encontro no calor da luta
Ostento a aguda empunhadura à proa
Mas o meu peito se desabotoa
E se a sentença se anuncia bruta
Mais que depressa a mão cega executa
Pois que senão o coração perdoa''
Guitarras e sanfonas
Jasmins, coqueiros, fontes
Sardinhas, mandioca
Num suave azulejo
E o rio Amazonas
Que corre Trás-os-Montes
E numa pororoca
Deságua no Tejo
Ai, esta terra ainda vai cumprir seu ideal
Ainda vai tornar-se um imenso Portugal
Oh, minha mãe gentil
Te deixo consternado
No primeiro abril
Mas não sê tão ingrata
Não esquece quem te amou
E em tua densa mata
Se perdeu e se encontrou
Ai, esta terra ainda vai cumprir seu ideal
Ainda vai tornar-se um imenso Portugal
``Sabe, no fundo eu sou um sentimental
Todos nós herdamos no sangue lusitano uma boa dose de lirismo
Mesmo quando as minhas mãos estão ocupadas em torturar, esganar,
trucidar
Meu coração fecha aos olhos e sinceramente chora...''
Com avencas na caatinga
Alecrins no canavial
Licores na moringa
Um vinho tropical
E a linda mulata
Com rendas do Alentejo
De quem numa bravata
Arrebato um beijo
Ai, esta terra ainda vai cumprir seu ideal
Ainda vai tornar-se um imenso Portugal
``Meu coração tem um sereno jeito
E as minhas mãos o golpe duro e presto
De tal maneira que, depois de feito
Desencontrado, eu mesmo me contesto
Se trago as mãos distantes do meu peito
É que há distância entre intencão e gesto
E se o meu coração nas mãos estreito
Me assombra a súbita impressão de incesto
Quando me encontro no calor da luta
Ostento a aguda empunhadura à proa
Mas o meu peito se desabotoa
E se a sentença se anuncia bruta
Mais que depressa a mão cega executa
Pois que senão o coração perdoa''
Guitarras e sanfonas
Jasmins, coqueiros, fontes
Sardinhas, mandioca
Num suave azulejo
E o rio Amazonas
Que corre Trás-os-Montes
E numa pororoca
Deságua no Tejo
Ai, esta terra ainda vai cumprir seu ideal
Ainda vai tornar-se um imenso Portugal
sábado, 12 de dezembro de 2009
Mar português - Fernando Pessoa
Ó mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos,quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram!
Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso, ó mar!
Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.
Quem quer passar além do Bojador.
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu.
São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos,quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram!
Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso, ó mar!
Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.
Quem quer passar além do Bojador.
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu.
O CORVO - (Traduzido por Fernando Pessoa de The Raven, de Edgard Allan Poe, ritmicamente conforme com o original)
Numa meia-noite agreste, quando eu lia, lento e triste,
Vagos, curiosos tomos de ciências ancestrais,
E já quase adormecia, ouvi o que parecia
O som de algúem que batia levemente a meus umbrais.
"Uma visita", eu me disse, "está batendo a meus umbrais.
É só isto, e nada mais."
Ah, que bem disso me lembro! Era no frio dezembro,
E o fogo, morrendo negro, urdia sombras desiguais.
Como eu qu'ria a madrugada, toda a noite aos livros dada
P'ra esquecer (em vão!) a amada, hoje entre hostes celestiais -
Essa cujo nome sabem as hostes celestiais,
Mas sem nome aqui jamais!
Como, a tremer frio e frouxo, cada reposteiro roxo
Me incutia, urdia estranhos terrores nunca antes tais!
Mas, a mim mesmo infundido força, eu ia repetindo,
"É uma visita pedindo entrada aqui em meus umbrais;
Uma visita tardia pede entrada em meus umbrais.
É só isto, e nada mais".
E, mais forte num instante, já nem tardo ou hesitante,
"Senhor", eu disse, "ou senhora, decerto me desculpais;
Mas eu ia adormecendo, quando viestes batendo,
Tão levemente batendo, batendo por meus umbrais,
Que mal ouvi..." E abri largos, franqueando-os, meus umbrais.
Noite, noite e nada mais.
A treva enorme fitando, fiquei perdido receando,
Dúbio e tais sonhos sonhando que os ninguém sonhou iguais.
Mas a noite era infinita, a paz profunda e maldita,
E a única palavra dita foi um nome cheio de ais -
Eu o disse, o nome dela, e o eco disse aos meus ais.
Isso só e nada mais.
Para dentro então volvendo, toda a alma em mim ardendo,
Não tardou que ouvisse novo som batendo mais e mais.
"Por certo", disse eu, "aquela bulha é na minha janela.
Vamos ver o que está nela, e o que são estes sinais."
Meu coração se distraía pesquisando estes sinais.
"É o vento, e nada mais."
Abri então a vidraça, e eis que, com muita negaça,
Entrou grave e nobre um corvo dos bons tempos ancestrais.
Não fez nenhum cumprimento, não parou nem um momento,
Mas com ar solene e lento pousou sobre os meus umbrais,
Num alvo busto de Atena que há por sobre meus umbrais,
Foi, pousou, e nada mais.
E esta ave estranha e escura fez sorrir minha amargura
Com o solene decoro de seus ares rituais.
"Tens o aspecto tosquiado", disse eu, "mas de nobre e ousado,
Ó velho corvo emigrado lá das trevas infernais!
Dize-me qual o teu nome lá nas trevas infernais."
Disse o corvo, "Nunca mais".
Pasmei de ouvir este raro pássaro falar tão claro,
Inda que pouco sentido tivessem palavras tais.
Mas deve ser concedido que ninguém terá havido
Que uma ave tenha tido pousada nos meus umbrais,
Ave ou bicho sobre o busto que há por sobre seus umbrais,
Com o nome "Nunca mais".
Mas o corvo, sobre o busto, nada mais dissera, augusto,
Que essa frase, qual se nela a alma lhe ficasse em ais.
Nem mais voz nem movimento fez, e eu, em meu pensamento
Perdido, murmurei lento, "Amigo, sonhos - mortais
Todos - todos já se foram. Amanhã também te vais".
Disse o corvo, "Nunca mais".
A alma súbito movida por frase tão bem cabida,
"Por certo", disse eu, "são estas vozes usuais,
Aprendeu-as de algum dono, que a desgraça e o abandono
Seguiram até que o entono da alma se quebrou em ais,
E o bordão de desesp'rança de seu canto cheio de ais
Era este "Nunca mais".
Mas, fazendo inda a ave escura sorrir a minha amargura,
Sentei-me defronte dela, do alvo busto e meus umbrais;
E, enterrado na cadeira, pensei de muita maneira
Que qu'ria esta ave agoureia dos maus tempos ancestrais,
Esta ave negra e agoureira dos maus tempos ancestrais,
Com aquele "Nunca mais".
Comigo isto discorrendo, mas nem sílaba dizendo
À ave que na minha alma cravava os olhos fatais,
Isto e mais ia cismando, a cabeça reclinando
No veludo onde a luz punha vagas sobras desiguais,
Naquele veludo onde ela, entre as sobras desiguais,
Reclinar-se-á nunca mais!
Fez-se então o ar mais denso, como cheio dum incenso
Que anjos dessem, cujos leves passos soam musicais.
"Maldito!", a mim disse, "deu-te Deus, por anjos concedeu-te
O esquecimento; valeu-te. Toma-o, esquece, com teus ais,
O nome da que não esqueces, e que faz esses teus ais!"
Disse o corvo, "Nunca mais".
"Profeta", disse eu, "profeta - ou demônio ou ave preta!
Fosse diabo ou tempestade quem te trouxe a meus umbrais,
A este luto e este degredo, a esta noite e este segredo,
A esta casa de ância e medo, dize a esta alma a quem atrais
Se há um bálsamo longínquo para esta alma a quem atrais!
Disse o corvo, "Nunca mais".
"Profeta", disse eu, "profeta - ou demônio ou ave preta!
Pelo Deus ante quem ambos somos fracos e mortais.
Dize a esta alma entristecida se no Éden de outra vida
Verá essa hoje perdida entre hostes celestiais,
Essa cujo nome sabem as hostes celestiais!"
Disse o corvo, "Nunca mais".
"Que esse grito nos aparte, ave ou diabo!", eu disse. "Parte!
Torna á noite e à tempestade! Torna às trevas infernais!
Não deixes pena que ateste a mentira que disseste!
Minha solidão me reste! Tira-te de meus umbrais!
Tira o vulto de meu peito e a sombra de meus umbrais!"
Disse o corvo, "Nunca mais".
E o corvo, na noite infinda, está ainda, está ainda
No alvo busto de Atena que há por sobre os meus umbrais.
Seu olhar tem a medonha cor de um demônio que sonha,
E a luz lança-lhe a tristonha sombra no chão há mais e mais,
Libertar-se-á... nunca mais!
Vagos, curiosos tomos de ciências ancestrais,
E já quase adormecia, ouvi o que parecia
O som de algúem que batia levemente a meus umbrais.
"Uma visita", eu me disse, "está batendo a meus umbrais.
É só isto, e nada mais."
Ah, que bem disso me lembro! Era no frio dezembro,
E o fogo, morrendo negro, urdia sombras desiguais.
Como eu qu'ria a madrugada, toda a noite aos livros dada
P'ra esquecer (em vão!) a amada, hoje entre hostes celestiais -
Essa cujo nome sabem as hostes celestiais,
Mas sem nome aqui jamais!
Como, a tremer frio e frouxo, cada reposteiro roxo
Me incutia, urdia estranhos terrores nunca antes tais!
Mas, a mim mesmo infundido força, eu ia repetindo,
"É uma visita pedindo entrada aqui em meus umbrais;
Uma visita tardia pede entrada em meus umbrais.
É só isto, e nada mais".
E, mais forte num instante, já nem tardo ou hesitante,
"Senhor", eu disse, "ou senhora, decerto me desculpais;
Mas eu ia adormecendo, quando viestes batendo,
Tão levemente batendo, batendo por meus umbrais,
Que mal ouvi..." E abri largos, franqueando-os, meus umbrais.
Noite, noite e nada mais.
A treva enorme fitando, fiquei perdido receando,
Dúbio e tais sonhos sonhando que os ninguém sonhou iguais.
Mas a noite era infinita, a paz profunda e maldita,
E a única palavra dita foi um nome cheio de ais -
Eu o disse, o nome dela, e o eco disse aos meus ais.
Isso só e nada mais.
Para dentro então volvendo, toda a alma em mim ardendo,
Não tardou que ouvisse novo som batendo mais e mais.
"Por certo", disse eu, "aquela bulha é na minha janela.
Vamos ver o que está nela, e o que são estes sinais."
Meu coração se distraía pesquisando estes sinais.
"É o vento, e nada mais."
Abri então a vidraça, e eis que, com muita negaça,
Entrou grave e nobre um corvo dos bons tempos ancestrais.
Não fez nenhum cumprimento, não parou nem um momento,
Mas com ar solene e lento pousou sobre os meus umbrais,
Num alvo busto de Atena que há por sobre meus umbrais,
Foi, pousou, e nada mais.
E esta ave estranha e escura fez sorrir minha amargura
Com o solene decoro de seus ares rituais.
"Tens o aspecto tosquiado", disse eu, "mas de nobre e ousado,
Ó velho corvo emigrado lá das trevas infernais!
Dize-me qual o teu nome lá nas trevas infernais."
Disse o corvo, "Nunca mais".
Pasmei de ouvir este raro pássaro falar tão claro,
Inda que pouco sentido tivessem palavras tais.
Mas deve ser concedido que ninguém terá havido
Que uma ave tenha tido pousada nos meus umbrais,
Ave ou bicho sobre o busto que há por sobre seus umbrais,
Com o nome "Nunca mais".
Mas o corvo, sobre o busto, nada mais dissera, augusto,
Que essa frase, qual se nela a alma lhe ficasse em ais.
Nem mais voz nem movimento fez, e eu, em meu pensamento
Perdido, murmurei lento, "Amigo, sonhos - mortais
Todos - todos já se foram. Amanhã também te vais".
Disse o corvo, "Nunca mais".
A alma súbito movida por frase tão bem cabida,
"Por certo", disse eu, "são estas vozes usuais,
Aprendeu-as de algum dono, que a desgraça e o abandono
Seguiram até que o entono da alma se quebrou em ais,
E o bordão de desesp'rança de seu canto cheio de ais
Era este "Nunca mais".
Mas, fazendo inda a ave escura sorrir a minha amargura,
Sentei-me defronte dela, do alvo busto e meus umbrais;
E, enterrado na cadeira, pensei de muita maneira
Que qu'ria esta ave agoureia dos maus tempos ancestrais,
Esta ave negra e agoureira dos maus tempos ancestrais,
Com aquele "Nunca mais".
Comigo isto discorrendo, mas nem sílaba dizendo
À ave que na minha alma cravava os olhos fatais,
Isto e mais ia cismando, a cabeça reclinando
No veludo onde a luz punha vagas sobras desiguais,
Naquele veludo onde ela, entre as sobras desiguais,
Reclinar-se-á nunca mais!
Fez-se então o ar mais denso, como cheio dum incenso
Que anjos dessem, cujos leves passos soam musicais.
"Maldito!", a mim disse, "deu-te Deus, por anjos concedeu-te
O esquecimento; valeu-te. Toma-o, esquece, com teus ais,
O nome da que não esqueces, e que faz esses teus ais!"
Disse o corvo, "Nunca mais".
"Profeta", disse eu, "profeta - ou demônio ou ave preta!
Fosse diabo ou tempestade quem te trouxe a meus umbrais,
A este luto e este degredo, a esta noite e este segredo,
A esta casa de ância e medo, dize a esta alma a quem atrais
Se há um bálsamo longínquo para esta alma a quem atrais!
Disse o corvo, "Nunca mais".
"Profeta", disse eu, "profeta - ou demônio ou ave preta!
Pelo Deus ante quem ambos somos fracos e mortais.
Dize a esta alma entristecida se no Éden de outra vida
Verá essa hoje perdida entre hostes celestiais,
Essa cujo nome sabem as hostes celestiais!"
Disse o corvo, "Nunca mais".
"Que esse grito nos aparte, ave ou diabo!", eu disse. "Parte!
Torna á noite e à tempestade! Torna às trevas infernais!
Não deixes pena que ateste a mentira que disseste!
Minha solidão me reste! Tira-te de meus umbrais!
Tira o vulto de meu peito e a sombra de meus umbrais!"
Disse o corvo, "Nunca mais".
E o corvo, na noite infinda, está ainda, está ainda
No alvo busto de Atena que há por sobre os meus umbrais.
Seu olhar tem a medonha cor de um demônio que sonha,
E a luz lança-lhe a tristonha sombra no chão há mais e mais,
Libertar-se-á... nunca mais!
Romance sonâmbulo - Federico Garcia Lorca
Verde que te quero verde.
Verde vento. Verdes ramas.
O barco vai sobre o mar
e o cavalo na montanha.
Com a sombra pela cintura
ela sonha na varanda,
verde carne, tranças verdes,
com olhos de fria prata.
Verde que te quero verde.
Por sob a lua gitana,
as coisas estão mirando-a
e ela não pode mirá-las.
Verde que te quero verde.
Grandes estrelas de escarcha
nascem com o peixe de sombra
que rasga o caminho da alva.
A figueira raspa o vento
a lixá-lo com as ramas,
e o monte, gato selvagem,
eriça as piteiras ásperas.
Mas quem virá? E por onde?...
Ela fica na varanda,
verde carne, tranças verdes,
ela sonha na água amarga.
— Compadre, dou meu cavalo
em troca de sua casa,
o arreio por seu espelho,
a faca por sua manta.
Compadre, venho sangrando
desde as passagens de Cabra.
— Se pudesse, meu mocinho,
esse negócio eu fechava.
No entanto eu já não sou eu,
nem a casa é minha casa.
— Compadre, quero morrer
com decência, em minha cama.
De ferro, se for possível,
e com lençóis de cambraia.
Não vês que enorme ferida
vai de meu peito à garganta?
— Trezentas rosas morenas
traz tua camisa branca.
Ressuma teu sangue e cheira
em redor de tua faixa.
No entanto eu já não sou eu,
nem a casa é minha casa.
— Que eu possa subir ao menos
até às altas varandas.
Que eu possa subir! que o possa
até às verdes varandas.
As balaustradas da lua
por onde retumba a água.
Já sobem os dois compadres
até às altas varandas.
Deixando um rastro de sangue.
Deixando um rastro de lágrimas.
Tremiam pelos telhados
pequenos faróis de lata.
Mil pandeiros de cristal
feriam a madrugada.
Verde que te quero verde,
verde vento, verdes ramas.
Os dois compadres subiram.
O vasto vento deixava
na boca um gosto esquisito
de menta, fel e alfavaca.
— Que é dela, compadre, dize-me
que é de tua filha amarga?
— Quantas vezes te esperou!
Quantas vezes te esperara,
rosto fresco, negras tranças,
aqui na verde varanda!
Sobre a face da cisterna
balançava-se a gitana.
Verde carne, tranças verdes,
com olhos de fria prata.
Ponta gelada de lua
sustenta-a por cima da água.
A noite se fez tão íntima
como uma pequena praça.
Lá fora, à porta, golpeando,
guardas-civis na cachaça.
Verde que te quero verde.
Verde vento. Verdes ramas.
O barco vai sobre o mar.
E o cavalo na montanha.
Verde vento. Verdes ramas.
O barco vai sobre o mar
e o cavalo na montanha.
Com a sombra pela cintura
ela sonha na varanda,
verde carne, tranças verdes,
com olhos de fria prata.
Verde que te quero verde.
Por sob a lua gitana,
as coisas estão mirando-a
e ela não pode mirá-las.
Verde que te quero verde.
Grandes estrelas de escarcha
nascem com o peixe de sombra
que rasga o caminho da alva.
A figueira raspa o vento
a lixá-lo com as ramas,
e o monte, gato selvagem,
eriça as piteiras ásperas.
Mas quem virá? E por onde?...
Ela fica na varanda,
verde carne, tranças verdes,
ela sonha na água amarga.
— Compadre, dou meu cavalo
em troca de sua casa,
o arreio por seu espelho,
a faca por sua manta.
Compadre, venho sangrando
desde as passagens de Cabra.
— Se pudesse, meu mocinho,
esse negócio eu fechava.
No entanto eu já não sou eu,
nem a casa é minha casa.
— Compadre, quero morrer
com decência, em minha cama.
De ferro, se for possível,
e com lençóis de cambraia.
Não vês que enorme ferida
vai de meu peito à garganta?
— Trezentas rosas morenas
traz tua camisa branca.
Ressuma teu sangue e cheira
em redor de tua faixa.
No entanto eu já não sou eu,
nem a casa é minha casa.
— Que eu possa subir ao menos
até às altas varandas.
Que eu possa subir! que o possa
até às verdes varandas.
As balaustradas da lua
por onde retumba a água.
Já sobem os dois compadres
até às altas varandas.
Deixando um rastro de sangue.
Deixando um rastro de lágrimas.
Tremiam pelos telhados
pequenos faróis de lata.
Mil pandeiros de cristal
feriam a madrugada.
Verde que te quero verde,
verde vento, verdes ramas.
Os dois compadres subiram.
O vasto vento deixava
na boca um gosto esquisito
de menta, fel e alfavaca.
— Que é dela, compadre, dize-me
que é de tua filha amarga?
— Quantas vezes te esperou!
Quantas vezes te esperara,
rosto fresco, negras tranças,
aqui na verde varanda!
Sobre a face da cisterna
balançava-se a gitana.
Verde carne, tranças verdes,
com olhos de fria prata.
Ponta gelada de lua
sustenta-a por cima da água.
A noite se fez tão íntima
como uma pequena praça.
Lá fora, à porta, golpeando,
guardas-civis na cachaça.
Verde que te quero verde.
Verde vento. Verdes ramas.
O barco vai sobre o mar.
E o cavalo na montanha.
Brixton, Bronx ou Baixada - Marcelo Yuca e Nelson Meirelles
O que as paredes pichadas têm prá me dizer
O que os muros sociais têm prá me contar
Porque aprendemos tão cedo a rezar
Porque tantas seitas têm, aqui seu lugar
É só regar os lírios do gueto que o Beethoven
Negro vêm prá se mostrar
Mas o leite suado é tão ingrato que as gangues
Vão ganhando cada dia mais espaço
Tudo, tudo, tudo igual
Brixton, Bronx Ou Baixada
A poesia não se perde ela apenas se converte
pelas mãos no tambor
Que desabafam histórias ritmadas como único
Socorro promissor
Cada qual com seu James Brown
Salve o samba, hip-hop, reggae ou carnaval
Cada qual com seu Jorge Ben
Salve o jazz, baião e os toques da macumba também
Da macumba também
O que os muros sociais têm prá me contar
Porque aprendemos tão cedo a rezar
Porque tantas seitas têm, aqui seu lugar
É só regar os lírios do gueto que o Beethoven
Negro vêm prá se mostrar
Mas o leite suado é tão ingrato que as gangues
Vão ganhando cada dia mais espaço
Tudo, tudo, tudo igual
Brixton, Bronx Ou Baixada
A poesia não se perde ela apenas se converte
pelas mãos no tambor
Que desabafam histórias ritmadas como único
Socorro promissor
Cada qual com seu James Brown
Salve o samba, hip-hop, reggae ou carnaval
Cada qual com seu Jorge Ben
Salve o jazz, baião e os toques da macumba também
Da macumba também
Moinho de versos - Paulo Leminski
moinho de versos
movido a vento
em noites de boémia
vai vir o dia
quando tudo que eu diga
seja poesia
movido a vento
em noites de boémia
vai vir o dia
quando tudo que eu diga
seja poesia
Soneto do amor total - Vinícius de Moraes
Amo-te tanto, meu amor... não cante
O humano coração com mais verdade...
Amo-te como amigo e como amante
Numa sempre diversa realidade.
Amo-te afim, de um calmo amor prestante
E te amo além, presente na saudade
Amo-te, enfim, com grande liberdade
Dentro da eternidade e a cada instante.
Amo-te como um bicho, simplesmente
De um amor sem mistério e sem virtude
Com um desejo maciço e permanente.
E de te amar assim, muito e amiúde
É que um dia em teu corpo de repente
Hei de morrer de amar mais do que pude.
O humano coração com mais verdade...
Amo-te como amigo e como amante
Numa sempre diversa realidade.
Amo-te afim, de um calmo amor prestante
E te amo além, presente na saudade
Amo-te, enfim, com grande liberdade
Dentro da eternidade e a cada instante.
Amo-te como um bicho, simplesmente
De um amor sem mistério e sem virtude
Com um desejo maciço e permanente.
E de te amar assim, muito e amiúde
É que um dia em teu corpo de repente
Hei de morrer de amar mais do que pude.
Pra dizer adeus - Torquato Neto
Adeus
Vou pra não voltar
E onde quer que eu vá
Sei que vou sozinho
Tão sozinho amor
Nem é bom pensar
Que eu não volto mais
Desse meu caminho
Ah, pena eu não saber
Como te contar
Que o amor foi tanto
E no entanto eu queria dizer
Vem
Eu só sei dizer
Vem
Nem que seja só
Pra dizer adeus
Vou pra não voltar
E onde quer que eu vá
Sei que vou sozinho
Tão sozinho amor
Nem é bom pensar
Que eu não volto mais
Desse meu caminho
Ah, pena eu não saber
Como te contar
Que o amor foi tanto
E no entanto eu queria dizer
Vem
Eu só sei dizer
Vem
Nem que seja só
Pra dizer adeus
segunda-feira, 7 de dezembro de 2009
Crepusculario - FAREWELL - Neruda
5
Ya no se encantarán mis ojos en tus ojos,
ya no se endulzará junto a ti mi dolor.
Pero hacia donde vaya llevaré tu mirada
y hacia donde camines llevarás mi dolor.
Fui tuyo, fuiste mía. Qué más? Juntos hicimos
un recodo en la ruta donde el amor pasó.
Fui tuyo, fuiste mía. Tu serás del que te ame,
del que corte en tu huerto lo que he sembrado yo.
Yo me voy. Estoy triste: pero siempre estoy triste.
Vengo desde tus brazos. No sé hacia dónde voy.
...Desde tu corazón me dice adiós un niño.
Y yo le digo adiós.
Ya no se encantarán mis ojos en tus ojos,
ya no se endulzará junto a ti mi dolor.
Pero hacia donde vaya llevaré tu mirada
y hacia donde camines llevarás mi dolor.
Fui tuyo, fuiste mía. Qué más? Juntos hicimos
un recodo en la ruta donde el amor pasó.
Fui tuyo, fuiste mía. Tu serás del que te ame,
del que corte en tu huerto lo que he sembrado yo.
Yo me voy. Estoy triste: pero siempre estoy triste.
Vengo desde tus brazos. No sé hacia dónde voy.
...Desde tu corazón me dice adiós un niño.
Y yo le digo adiós.
o tempo
relativa calma
olhar condescendente
tristeza
calma fria e súbita que sobe pelos ouvidos e se deixa
não, não é de desespero
calma soberba, impávida
como quem olha sem olhar
e diz sem dizer
me ame!
palavras esquecidas, subtraídas do papel em branco
histórias de algum tempo
ou mesmo, tempo algum
deixava-se ainda como se quisesse morrer
deixava-se tudo
nada sentia
nada fazia
nada esperava
sofria apenas a angústia de não morrer
de ser apenas o que é hoje
passado inerte
vitórias esquecidas
glórias idas
e hoje, mais nada
além do que lhe deixou a idade
fraco, oprimido
triste
ninguém o via sofrer,
implorar por afeto...
sua percepção do mundo era maior
e sua dor infinita
via em ver apenas
e de levantar precisava.
A idéia de apodrecer deitado o castigava.
Ninguém,
mesmo em volta, pelos corredores, pelos bares...
ninguém.
Guimbas e papel em branco
meros arremedos da pouca distração
câncer de alma lhe acometia dores impensáveis
câncer.
A barba já não crescia,
a altura parecia encolher e o tempo lhe estendia o prazo
parecendo, querendo vê-lo sofrer
deixava-se então de pé
- morrerei ao menos de pé!
e ao meio-dia o anjo lhe apareceu
sucedeu um medo
tirando-lhe a calma habitual
depois o anjo lhe disse e não disse mais nada
aquela tarde parecia fria, o corpo frio, o tempo
acabou
Fabiano Martins
olhar condescendente
tristeza
calma fria e súbita que sobe pelos ouvidos e se deixa
não, não é de desespero
calma soberba, impávida
como quem olha sem olhar
e diz sem dizer
me ame!
palavras esquecidas, subtraídas do papel em branco
histórias de algum tempo
ou mesmo, tempo algum
deixava-se ainda como se quisesse morrer
deixava-se tudo
nada sentia
nada fazia
nada esperava
sofria apenas a angústia de não morrer
de ser apenas o que é hoje
passado inerte
vitórias esquecidas
glórias idas
e hoje, mais nada
além do que lhe deixou a idade
fraco, oprimido
triste
ninguém o via sofrer,
implorar por afeto...
sua percepção do mundo era maior
e sua dor infinita
via em ver apenas
e de levantar precisava.
A idéia de apodrecer deitado o castigava.
Ninguém,
mesmo em volta, pelos corredores, pelos bares...
ninguém.
Guimbas e papel em branco
meros arremedos da pouca distração
câncer de alma lhe acometia dores impensáveis
câncer.
A barba já não crescia,
a altura parecia encolher e o tempo lhe estendia o prazo
parecendo, querendo vê-lo sofrer
deixava-se então de pé
- morrerei ao menos de pé!
e ao meio-dia o anjo lhe apareceu
sucedeu um medo
tirando-lhe a calma habitual
depois o anjo lhe disse e não disse mais nada
aquela tarde parecia fria, o corpo frio, o tempo
acabou
Fabiano Martins
Posto que sou sulamericano
Posto que sou sulamericano
O que fica?
O que fica do ser humano
Posto que é sul americano
Latino
Moreno, de olhos negros
Cabelos negros
O que fica do eu que vejo do espelho da televisão
Quando de repente nos chamam a todos de chicos
E abrem a boca para falar espanhol
Posto que não sou da Espanha
E não falo espanhol
Que não sou europeu
Nem branco
Nem norte americano
O que sou eu?
E o que posso desejar
Posto que sou do sul
Do trópico
De uma língua assaz reinventada
O que posso constatar?
Se gosto de futebol jogado com os pés
Se amo o andar do malandro
De viés
Se ouço samba
Se amo ir à praia, o que chega a ser banal
Dada a proximidade
Se acho que o prato bom
Tem que ter feijão
Se não prescindo de arroz
Qual será o meu lugar?
Posto que sou sul americano
E falo português
E falo mais de uma só vez
E penso
E tenho vontade
E não sei o que é pasta de amendoim
E nem me interesso por siglas de letras que não constam no meu alfabeto
E não uso camisetas brancas com um I maiúsculo e um coração
O que sobra sobre o meu conhecimento, então?
Posto que sou sulamericano
E conheci gente pobre,
E mesmo na minha casa, que nunca foi pobre,
Conheci gente simples
De economizar a passagem do ônibus
De ir à missa
De rezar terminando ao falar amém
O que sobra de mim mesmo
Neste filme sobre ninguém
Neste desdém de lá de fora?
Será que sou étnico?
O que será que sou?
Será que sou profético
Ao tentar esclarecer sem pudor
De parecer exagerado
Quem será que está do meu lado?
Porque não me vejo na novela
Nem mesmo uma parte de mim
Se vê ali
Porque não me vejo no palanque
De terno e gravata a saudar mais um Pinochet
Com sorriso entre os dentes
Porque não sou quem anda pelas avenidas do Leblon
Não tenho casa na Gávea
Nem freqüento a Viera Souto
Se não estou nos Jardins,
Nem passeio pela Oscar Freire
Nem vejo lógica em negar um pedaço de pão
Em nem em escorraçar a empregada que esconde um pedaço de pão
Que lugar será o meu neste mundo de lá fora?
Porque penso antes de gastar cinqüenta reais
Porque sou passante de blitz policiais
Habituée dos lotados hospitais
Porque sou torto,
Não sou alto e cheio de defeitos
A que será que tenho direito?
Se até pagando pelos serviços me exigem documentos
Se até pagando para embarcar no avião
O agente federal do abroad diz que não
Mas eis que o político anuncia
Vamos para o esporte ser moradia
E querem que eu vá para rua comemorar
Sou um sul-americano, e a olimpíada tenho o prazer de sediar
Isso é piada
E ver o prefeito falar do quanto se gasta com o lixo
Isso é piada
E ter uma cidade para música em frente a um hospital sem nada
Isso é uma grande piada!
Querem me fazer sentir orgulhoso do que os que nos criticam julgam ser o certo
Querem nos fazer jogar o jogo viciado em beneficiar os donos do dinheiro
Ah, os estudiosos, os virtuosos europeus vão nos criticar!
Hão de levantar em sua casa com frio
Para acender o pavio
De uma vergonha secular
O pretenso ar superior que herdaram
Dos sifilíticos que nos catequisaram!
De quem os engravatados
Burocratas
E burgueses meio-índios
Nunca vão conseguir se apartar
Porque mesmo lambendo os pés de quem nos dita ser o Direito
Nunca vão conseguir se livrar do atestado latino
Papel que é revelado pelo sotaque da boca
Pela pele que o protetor solar não consegue proteger
Desnivelado estigma de ser terceiro mundo...
Eu me guardo a um preceito:
O pensamento
O início e o fim, que se dá em minha mente
O pensamento que liberta e mostra a face já sem dente
Que me querem pra comemorar
Olimpíada é piada
Porque ninguém dá dinheiro pra benfeitoria sem querer nada
Ou então, economiza este bilhão
E gera emprego pra quem precisa
Economiza o que me levam
Todo o suor da minha camisa
Economiza ao invés de criar subterfúgios pra poder roubar
E fazer parecer festa
Para enganar e enganar
Aqueles que olham sem ver
O que por trás desta festa está
Fabiano Martins
Rio, 7 de dezembro de 2009.
O que fica?
O que fica do ser humano
Posto que é sul americano
Latino
Moreno, de olhos negros
Cabelos negros
O que fica do eu que vejo do espelho da televisão
Quando de repente nos chamam a todos de chicos
E abrem a boca para falar espanhol
Posto que não sou da Espanha
E não falo espanhol
Que não sou europeu
Nem branco
Nem norte americano
O que sou eu?
E o que posso desejar
Posto que sou do sul
Do trópico
De uma língua assaz reinventada
O que posso constatar?
Se gosto de futebol jogado com os pés
Se amo o andar do malandro
De viés
Se ouço samba
Se amo ir à praia, o que chega a ser banal
Dada a proximidade
Se acho que o prato bom
Tem que ter feijão
Se não prescindo de arroz
Qual será o meu lugar?
Posto que sou sul americano
E falo português
E falo mais de uma só vez
E penso
E tenho vontade
E não sei o que é pasta de amendoim
E nem me interesso por siglas de letras que não constam no meu alfabeto
E não uso camisetas brancas com um I maiúsculo e um coração
O que sobra sobre o meu conhecimento, então?
Posto que sou sulamericano
E conheci gente pobre,
E mesmo na minha casa, que nunca foi pobre,
Conheci gente simples
De economizar a passagem do ônibus
De ir à missa
De rezar terminando ao falar amém
O que sobra de mim mesmo
Neste filme sobre ninguém
Neste desdém de lá de fora?
Será que sou étnico?
O que será que sou?
Será que sou profético
Ao tentar esclarecer sem pudor
De parecer exagerado
Quem será que está do meu lado?
Porque não me vejo na novela
Nem mesmo uma parte de mim
Se vê ali
Porque não me vejo no palanque
De terno e gravata a saudar mais um Pinochet
Com sorriso entre os dentes
Porque não sou quem anda pelas avenidas do Leblon
Não tenho casa na Gávea
Nem freqüento a Viera Souto
Se não estou nos Jardins,
Nem passeio pela Oscar Freire
Nem vejo lógica em negar um pedaço de pão
Em nem em escorraçar a empregada que esconde um pedaço de pão
Que lugar será o meu neste mundo de lá fora?
Porque penso antes de gastar cinqüenta reais
Porque sou passante de blitz policiais
Habituée dos lotados hospitais
Porque sou torto,
Não sou alto e cheio de defeitos
A que será que tenho direito?
Se até pagando pelos serviços me exigem documentos
Se até pagando para embarcar no avião
O agente federal do abroad diz que não
Mas eis que o político anuncia
Vamos para o esporte ser moradia
E querem que eu vá para rua comemorar
Sou um sul-americano, e a olimpíada tenho o prazer de sediar
Isso é piada
E ver o prefeito falar do quanto se gasta com o lixo
Isso é piada
E ter uma cidade para música em frente a um hospital sem nada
Isso é uma grande piada!
Querem me fazer sentir orgulhoso do que os que nos criticam julgam ser o certo
Querem nos fazer jogar o jogo viciado em beneficiar os donos do dinheiro
Ah, os estudiosos, os virtuosos europeus vão nos criticar!
Hão de levantar em sua casa com frio
Para acender o pavio
De uma vergonha secular
O pretenso ar superior que herdaram
Dos sifilíticos que nos catequisaram!
De quem os engravatados
Burocratas
E burgueses meio-índios
Nunca vão conseguir se apartar
Porque mesmo lambendo os pés de quem nos dita ser o Direito
Nunca vão conseguir se livrar do atestado latino
Papel que é revelado pelo sotaque da boca
Pela pele que o protetor solar não consegue proteger
Desnivelado estigma de ser terceiro mundo...
Eu me guardo a um preceito:
O pensamento
O início e o fim, que se dá em minha mente
O pensamento que liberta e mostra a face já sem dente
Que me querem pra comemorar
Olimpíada é piada
Porque ninguém dá dinheiro pra benfeitoria sem querer nada
Ou então, economiza este bilhão
E gera emprego pra quem precisa
Economiza o que me levam
Todo o suor da minha camisa
Economiza ao invés de criar subterfúgios pra poder roubar
E fazer parecer festa
Para enganar e enganar
Aqueles que olham sem ver
O que por trás desta festa está
Fabiano Martins
Rio, 7 de dezembro de 2009.
Cogito - Torquato Neto
eu sou como eu sou
pronome
pessoal intransferível
do homem que iniciei
na medida do impossível
eu sou como eu sou
agora
sem grandes segredos dantes
sem novos secretos dentes
nesta hora
eu sou como eu sou
presente
desferrolhado indecente
feito um pedaço de mim
eu sou como eu sou
vidente
e vivo tranqüilamente
todas as horas do fim.
pronome
pessoal intransferível
do homem que iniciei
na medida do impossível
eu sou como eu sou
agora
sem grandes segredos dantes
sem novos secretos dentes
nesta hora
eu sou como eu sou
presente
desferrolhado indecente
feito um pedaço de mim
eu sou como eu sou
vidente
e vivo tranqüilamente
todas as horas do fim.
Poema de Natal - Vinícius de Moraes
Para isso fomos feitos:
Para lembrar e ser lembrados
Para chorar e fazer chorar
Para enterrar os nossos mortos —
Por isso temos braços longos para os adeuses
Mãos para colher o que foi dado
Dedos para cavar a terra.
Assim será nossa vida:
Uma tarde sempre a esquecer
Uma estrela a se apagar na treva
Um caminho entre dois túmulos —
Por isso precisamos velar
Falar baixo, pisar leve, ver
A noite dormir em silêncio.
Não há muito o que dizer:
Uma canção sobre um berço
Um verso, talvez de amor
Uma prece por quem se vai —
Mas que essa hora não esqueça
E por ela os nossos corações
Se deixem, graves e simples.
Pois para isso fomos feitos:
Para a esperança no milagre
Para a participação da poesia
Para ver a face da morte —
De repente nunca mais esperaremos...
Hoje a noite é jovem; da morte, apenas
Nascemos, imensamente.
Para lembrar e ser lembrados
Para chorar e fazer chorar
Para enterrar os nossos mortos —
Por isso temos braços longos para os adeuses
Mãos para colher o que foi dado
Dedos para cavar a terra.
Assim será nossa vida:
Uma tarde sempre a esquecer
Uma estrela a se apagar na treva
Um caminho entre dois túmulos —
Por isso precisamos velar
Falar baixo, pisar leve, ver
A noite dormir em silêncio.
Não há muito o que dizer:
Uma canção sobre um berço
Um verso, talvez de amor
Uma prece por quem se vai —
Mas que essa hora não esqueça
E por ela os nossos corações
Se deixem, graves e simples.
Pois para isso fomos feitos:
Para a esperança no milagre
Para a participação da poesia
Para ver a face da morte —
De repente nunca mais esperaremos...
Hoje a noite é jovem; da morte, apenas
Nascemos, imensamente.
Se te queres matar - Fernando Pessoa
Se te queres matar, porque não te queres matar?
Ah, aproveita! que eu, que tanto amo a morte e a vida,
Se ousasse matar-me, também me mataria...
Ah, se ousares, ousa!
De que te serve o quadro sucessivo das imagens externas
A que chamamos o mundo?
A cinematografia das horas representadas
Por actores de convenções e poses determinadas,
O circo polícromo do nosso dinamismo sem fim?
De que te serve o teu mundo interior que desconheces?
Talvez, matando-te, o conheças finalmente...
Talvez, acabando, comeces...
E de qualquer forma, se te cansa seres,
Ah, cansa-te nobremente,
E não cantes, como eu, a vida por bebedeira,
Não saúdes como eu a morte em literatura!
Fazes falta? Ó sombra fútil chamada gente!
Ninguém faz falta; não fazes falta a ninguém...
Sem ti correrá tudo sem ti.
Talvez seja pior para outros existires que matares-te...
Talvez peses mais durando, que deixando de durar...
A mágoa dos outros?... Tens remorso adiantado
De que te chorem?
Descansa: pouco te chorarão...
O impulso vital apaga as lágrimas pouco a pouco,
Quando não são de coisas nossas,
Quando são do que acontece aos outros, sobretudo a morte,
Porque é a coisa depois da qual nada acontece aos outros...
Primeiro é a angústia, a surpresa da vinda
Do mistério e da falta da tua vida falada...
Depois o horror do caixão visível e material,
E os homens de preto que exercem a profissão de estar ali.
Depois a família a velar, inconsolável e contando anedotas,
Lamentando a pena de teres morrido,
E tu mera causa ocasional daquela carpidação,
Tu verdadeiramente morto, muito mais morto que calculas...
Muito mais morto aqui que calculas,
Mesmo que estejas muito mais vivo além...
Depois a trágica retirada para o jazigo ou a cova,
E depois o princípio da morte da tua memória.
Há primeiro em todos um alívio
Da tragédia um pouco maçadora de teres morrido...
Depois a conversa aligeira-se quotidianamente,
E a vida de todos os dias retoma o seu dia...
Depois, lentamente esqueceste.
Só és lembrado em duas datas, aniversariamente:
Quando faz anos que nasceste, quando faz anos que morreste;
Mais nada, mais nada, absolutamente mais nada.
Duas vezes no ano pensam em ti.
Duas vezes no ano suspiram por ti os que te amaram,
E uma ou outra vez suspiram se por acaso se fala em ti.
Encara-te a frio, e encara a frio o que somos...
Se queres matar-te, mata-te...
Não tenhas escrúpulos morais, receios de inteligência!...
Que escrúpulos ou receios tem a mecânica da vida?
Que escrúpulos químicos tem o impulso que gera
As seivas, e a circulação do sangue, e o amor?
Que memória dos outros tem o ritmo alegre da vida?
Ah, pobre vaidade de carne e osso chamada homem.
Não vês que não tens importância absolutamente nenhuma?
És importante para ti, porque é a ti que te sentes.
És tudo para ti, porque para ti és o universo,
E o próprio universo e os outros
Satélites da tua subjectividade objectiva.
És importante para ti porque só tu és importante para ti.
E se és assim, ó mito, não serão os outros assim?
Tens, como Hamlet, o pavor do desconhecido?
Mas o que é conhecido? O que é que tu conheces,
Para que chames desconhecido a qualquer coisa em especial?
Tens, como Falstaff, o amor gorduroso da vida?
Se assim a amas materialmente, ama-a ainda mais materialmente:
Torna-te parte carnal da terra e das coisas!
Dispersa-te, sistema físico-químico
De células nocturnamente conscientes
Pela nocturna consciência da inconsciência dos corpos,
Pelo grande cobertor não-cobrindo-nada das aparências,
Pela relva e a erva da proliferação dos seres,
Pela névoa atómica das coisas,
Pelas paredes turbilhonantes
Do vácuo dinâmico do mundo...
Ah, aproveita! que eu, que tanto amo a morte e a vida,
Se ousasse matar-me, também me mataria...
Ah, se ousares, ousa!
De que te serve o quadro sucessivo das imagens externas
A que chamamos o mundo?
A cinematografia das horas representadas
Por actores de convenções e poses determinadas,
O circo polícromo do nosso dinamismo sem fim?
De que te serve o teu mundo interior que desconheces?
Talvez, matando-te, o conheças finalmente...
Talvez, acabando, comeces...
E de qualquer forma, se te cansa seres,
Ah, cansa-te nobremente,
E não cantes, como eu, a vida por bebedeira,
Não saúdes como eu a morte em literatura!
Fazes falta? Ó sombra fútil chamada gente!
Ninguém faz falta; não fazes falta a ninguém...
Sem ti correrá tudo sem ti.
Talvez seja pior para outros existires que matares-te...
Talvez peses mais durando, que deixando de durar...
A mágoa dos outros?... Tens remorso adiantado
De que te chorem?
Descansa: pouco te chorarão...
O impulso vital apaga as lágrimas pouco a pouco,
Quando não são de coisas nossas,
Quando são do que acontece aos outros, sobretudo a morte,
Porque é a coisa depois da qual nada acontece aos outros...
Primeiro é a angústia, a surpresa da vinda
Do mistério e da falta da tua vida falada...
Depois o horror do caixão visível e material,
E os homens de preto que exercem a profissão de estar ali.
Depois a família a velar, inconsolável e contando anedotas,
Lamentando a pena de teres morrido,
E tu mera causa ocasional daquela carpidação,
Tu verdadeiramente morto, muito mais morto que calculas...
Muito mais morto aqui que calculas,
Mesmo que estejas muito mais vivo além...
Depois a trágica retirada para o jazigo ou a cova,
E depois o princípio da morte da tua memória.
Há primeiro em todos um alívio
Da tragédia um pouco maçadora de teres morrido...
Depois a conversa aligeira-se quotidianamente,
E a vida de todos os dias retoma o seu dia...
Depois, lentamente esqueceste.
Só és lembrado em duas datas, aniversariamente:
Quando faz anos que nasceste, quando faz anos que morreste;
Mais nada, mais nada, absolutamente mais nada.
Duas vezes no ano pensam em ti.
Duas vezes no ano suspiram por ti os que te amaram,
E uma ou outra vez suspiram se por acaso se fala em ti.
Encara-te a frio, e encara a frio o que somos...
Se queres matar-te, mata-te...
Não tenhas escrúpulos morais, receios de inteligência!...
Que escrúpulos ou receios tem a mecânica da vida?
Que escrúpulos químicos tem o impulso que gera
As seivas, e a circulação do sangue, e o amor?
Que memória dos outros tem o ritmo alegre da vida?
Ah, pobre vaidade de carne e osso chamada homem.
Não vês que não tens importância absolutamente nenhuma?
És importante para ti, porque é a ti que te sentes.
És tudo para ti, porque para ti és o universo,
E o próprio universo e os outros
Satélites da tua subjectividade objectiva.
És importante para ti porque só tu és importante para ti.
E se és assim, ó mito, não serão os outros assim?
Tens, como Hamlet, o pavor do desconhecido?
Mas o que é conhecido? O que é que tu conheces,
Para que chames desconhecido a qualquer coisa em especial?
Tens, como Falstaff, o amor gorduroso da vida?
Se assim a amas materialmente, ama-a ainda mais materialmente:
Torna-te parte carnal da terra e das coisas!
Dispersa-te, sistema físico-químico
De células nocturnamente conscientes
Pela nocturna consciência da inconsciência dos corpos,
Pelo grande cobertor não-cobrindo-nada das aparências,
Pela relva e a erva da proliferação dos seres,
Pela névoa atómica das coisas,
Pelas paredes turbilhonantes
Do vácuo dinâmico do mundo...
Ai de mim, Copacabana - Torquato Neto
um dia depois do outro
numa casa abandonada
numa avenida
pelas três da madrugada
num barco sem vela aberta
nesse mar
nem mar sem rumo certo
longe de ti
ou bem perto
é indiferente, meu bem
um dia depois do outro
ao teu lado ou sem ninguém
no mês que vem
neste país que me engana
ai de mim, Copacabana
ai de mim: quero
voar no concorde
tomar o vento de assalto
numa viagem num salto
(você olha nos meus olhos
e não vê nada -
é assim mesmo
que eu quero ser olhado).
um dia depois do outro
talvez no ano passado
é indiferente
minha vida tua vida
meu sonho desesperado
nossos filhos nosso fusca
nossa butique na augusta
o ford galaxie, o medo
de não ter um ford galaxie
o táxi, o bonde a rua
meu amor, é indiferente
minha mãe, teu pai a lua
nesse país que me engana
ai de mim, Copacabana
ai de mim, Copacabana
ai de mim, Copacabana
ai de mim.
Torquato Neto
numa casa abandonada
numa avenida
pelas três da madrugada
num barco sem vela aberta
nesse mar
nem mar sem rumo certo
longe de ti
ou bem perto
é indiferente, meu bem
um dia depois do outro
ao teu lado ou sem ninguém
no mês que vem
neste país que me engana
ai de mim, Copacabana
ai de mim: quero
voar no concorde
tomar o vento de assalto
numa viagem num salto
(você olha nos meus olhos
e não vê nada -
é assim mesmo
que eu quero ser olhado).
um dia depois do outro
talvez no ano passado
é indiferente
minha vida tua vida
meu sonho desesperado
nossos filhos nosso fusca
nossa butique na augusta
o ford galaxie, o medo
de não ter um ford galaxie
o táxi, o bonde a rua
meu amor, é indiferente
minha mãe, teu pai a lua
nesse país que me engana
ai de mim, Copacabana
ai de mim, Copacabana
ai de mim, Copacabana
ai de mim.
Torquato Neto
quinta-feira, 3 de dezembro de 2009
3 de janeiro de 2006
hoje à noite estamos aí
nos botecos de ruas sujas e pedras portuguesas
no reduto do olhar alheio e sem beleza
no canto brindando de lado
com uma cerveja
preocupado por estar desocupado
estamos aí
hoje à noite tentamos fugir
corremos bêbados pela rua
tropeçamos nos lenços advindos da lua
caímos em bege e negro
face do tempo e do desespero
porém havia quem pedisse:
- diminua
e o sentido disso tudo era apenas estar
estávamos sóbrios, era dia
estávamos ao passo de um tremular
hoje, por hoje, estamos aí -
que ninguém tem nada com isso,
apenas eu e alguns amigos
brindamos o início rotineiro
da manhã de brilho passageiro
o fígado rotina trançado nas mãos
a porta da varanda
o arroz e o feijão
por que seria diferente
amar o subúrbio e ver um rosto contente?
de volta pra casa
estamos aí
andando solitários
na solicitude de mais um pedido negado
no fim da caça
objeto caçado
estamos tão longe de conseguir....
e tão perto de apenas ser
isso nos deixa um pouco temerosos
mesmo sabendo que não há nada a temer...
Nas noites pregados
estamos aí
Na juventude pragmática
estamos aí
No tempo Perdido
estamos aí
No que não faltou dizer
e deixamos fugir
hoje, por hoje,
estamos aí
21 de julho de 2006
Da pálpebra noturna dos olhares rejeitados
restam pôses dos atores,
das atrizes
e mal-grado
Quando cega, a solidão, de repente, em tua cama,
Quando a noite paciente se demora e tu reclamas,
Espera!
Que há de vir de novo
o novo que tanto brindas pela noite
em barris de álcool derramados pelo chão
pelos que espreitam a noite em total devassidão
Andas por aí a suspirares o fim das coisas
sem saber que a razão de tudo é ter final
e por mal julgas tudo assim, difícil.
As estrelas atentam por tiritarem infinitas
nada vês que não o teu próprio rosto
no banheiro, de um lugar, de palafitas
Cada passo avança contra o peito o perfeito ufanar
Não se sabe nem onde e nem porque continuas a andar
e, assim, temente do que pode te esperar
vangloria-se dos teus feitos
perfeitos e arredios
na hora de recomeçar
Pela solidão das tuas palavras ditas e reditas
vês que nada te serve a não ser esta maldita
falta de razão,
Sobre a cabeça pairando o lúgrube beijo
que anseias dar na noite fatal
Há de lembrares que de tudo mais nada
e que de nada,
enfim, de uma finita rosa parada
nada desabrochará
Nada resistirá depois deste pernoite
Hás de levantar da cama com o corpo quente e o coração frio
Hás de olhar para os cantos deste quarto vazio
e ver no chão as tuas roupas
hás de achar memória distante dos pontos precisos que são poeira
E tal constatação arderá na tua testa a tarde inteira
- Um ínfimo pedido rejeitado -
Arrependendo-se jovem
por ainda e ainda,
Adiando o teu encontro derradeiro
Num claro raiar do dia
com os olhos vedados pelo que já fostes
Se queres, assim como eu acho que queres,
deverias, ao menos, dar-se uma chance no inverso
desta prosa
numa poesia que fosse ser lida
e ao final transpirada e afinada pelos ouvidos
dos outros zumbis
destituídos da verdade,
embora tenham como tu
vinte e tantos anos de idade
30 de maio de 2006
és despida
em despedida
nas mãos
nos suspiros
entre os dedos
és de ouvir nos ouvidos
adeuses
em plenos
epílogos
nos prólogos
nas continuações
nos meios
e no fim das
canções
és tantas
que chega sê-las
muito mais que todas elas
e no corpo coberto
de bordados
tem todas as cores da aquarela
me deixa de lado um sorriso
e por ele, sorriso jocoso,
é que eu vivo
entre meus olhos encharcados
encontra lugar
pra fazer-me um agrado
e nas já sem-razão
vezes
que fostes força a mover minhas mãos
tive certeza de me ver em confundido estado
Tuas madeixas
madeiras
e pontes
forjastes pra mim
no recanto de um corte
trouxeste e puseste jasmim
me deste prazer, muito além do que teu corpo poderia
me deixaste em ver, em poder
em crer e ser alegria
pois és,
pois sois tantas
tantas quanto posso, eu, abrigar
um séquito
em tolas divagações, nos andares
és contra-posta paz,
aos túmulos assaz assombrados
de outros olhares e corações
23 de maio de 2006
contemplar
é meu deleite
- deite e fique
sempre
olhando o que precisa
apenas de um sonho
para se ver
fique no meu coração
em termos negaceados outrora
indignos de satisfação
deixe que te fale
algo cativante
feito o tino de uma estrela morta
pairando neste horizonte
deixe que te faça amor
que te rasque na faca sem pudor
que te encontre em rastro de um profundo
abismo
abrigo teu
no teu peito, meu coração
obrigado
abrigado das chuvas, da devassidão
em meados de uma noite clara
em vil contentação
meu ouro
minha sina
minha aríete...
- confronte-me as guerras
e me roga, por favor, e me incide
que este som nada mais é
que o fôlego
resvalado
do que restará no teu peito daquilo tudo que quer...
19 de dezembro de 2005
um dentre todos se matou
o outro cedeu à doença
há quem tenha perdido pro vício
eu me perco na confidência
tão dificíl e sem artifício
artimanhas daqueles que ouviram os gritos
escritos de escritores
algum morreu de amores
A fragilidade e os meandros
contra o vigor dos malandros
há quem tenha apenas fenecido
mas morreu
houve alguém algum dia
que achasses que seria teu?
Muitos se foram de tristeza
verdade e vontade
postas à mesa
o poeta sucedeu o precedente inferno
o poeta infrigiu a lei
com esmero
houve quem culpasse o vicío
eu acho difícil
não se viciar
vigio teu sono
no olho fechado
será meu destino
morrer por te amar?
espero que seja
pois o gosto do amor
é doce e ilusório
tapa o sentido e toda a dor
na lembrança do mesmo cartório
Pois é a mulher o que mais me insinua
e toda a linha que escrevo
brota
do meu
te ver
nua
11 de novembro de 2005
está demais
uma vontade
que se assemelha,
sem maldade,
a uma aflição sem par
está demais querer te ver
e ter nos olhos
a luz do teu mirar,
contemplar castanhos
em ondas que fluem
transparentes à retina
Do ponto de te querer dizer
de uma parte de você
que só eu vejo
nas poucas que passo e quando
mas tanto
que me apego
a apelos
e em trazer vazios
de verdade
sem vontade
de mantê-los
ai quem me dera
me desses
uma palavra
e seria ruído
dos teus passos
para sempre
gravados
sem nem lembrar
que existi
por onde não estavas
ao que entrasses pela porta
sopraria o gosto de vento
e eu seria
teu contínuo prolongamento
prólogo
e contemplação de momento
astrólogo,
visionário
ao que parti de quererer
pra te querer e escrever
ainda mais
ao que parti de merecer
pra te, ao contrário, odiar
estando longe
8 de novembro de 2005
é importante
que olhes a fundo o meu coração
reconheça dentro dele
vida em desassociação
às feridas pregadas
em sua parede
é que há um mistério
indizível
nos seus corredores
q me mói
de amores
ao não saber
o que vou fazer
me corrói por dentro
trazendo
a inspiração de alento
esse é o melhor momento
para deixar plumar
o destino
pelo meu tino, confesso,
sou dominado
tenho de dentro dele
algo mais
inconfessável
será que sei amar?
será que mereço amor
ou mesmo apreço?
será que já sou suficientemente
augusto
para poder percebê-lo?
quero as linhas
uma de cada vez
que por sua vez
se façam linhas de história
mais uma vez
coração de querelas brasileiras
de águas de março
de ondas do mar
não me deixa saber
o que vem depois da tempestade
o que festeja é a altiva passividade
em contra ponto ao anseio,
à ansiedade...
é bem como, poderia dizer,
dado à amores fáceis,
esses amores de esquinas boêmias,
fadados ao descaso
que sentem falta deles
dentro deles mesmos
que os fazem ser tão fáceis amores
Mas ela salta tão bem
em minha direção
parece caída do céu
como um anjo em condenação
quer redimir meus pecados
e eu - pobre de mim - coitado!
mais uma vez sou obrigado
a me embriagar por dentro
deste - um amor - mal-fadado.
6 de dezembro de 2005
PARA SOBREVIVER
o amor deve morrer
o amor deve estar morto e sepultado
para que possa ser ressucitado
o amor tem que desapegar os sentidos
e acordar meio aflito
em detrimento ao perigo
de sozinho
ficar
o amor deve acabar
para ser completo
deve ter nos entre meios
um afeto
que impeça de saber
se é amor
ou é sofrer
deve estar pelo caminho
em cada noite e cada espinho
de uma flor no roseiral
o amor tem que se dar
pois não se sabe se é do mal
proveniente
o amor baila contente
meu dissabor
para sobrevivência
de um amor
é necessário que se esqueça a vida em flor
e a faça renascer
como perene parecia ser
e agora não mais o é
o amor feito de vida, morre
e renasce nos teus olhos de mulher
25 de novembro de 2005
é o fogo que despedaça
e brinda leve o passar das horas
sobe como q ascendendo aos céus
me desapega de sentidos
me queima e gera abrigo
contra o frio
da chama sai o grosso pálido de fumaça
que se espalha e se expande no desfazer-se de motivos
é, por si, contra a esperança em desatino
que fico
a observar
se esvaem lágrimas contra as já incontáveis
lâminas do tempo
a contento do desprender
me atende um beijo calado
queixa-se ao sol por te negar abrigo
faz da lua uma razão para ser mais furtivo
e espera
ascendendo cometas
viajando planetas
formulado por um bilhão de partículas atômicas
oxigênio! - gritas
em pedir mais
justifica
a ida interminável do vento
assopra, que é bom
a chama peca e dá alento
ao vicío pretenso da memória
e mais o que me deixas preso
aos plenos pulmões que depois de acabar
vai-se embora
6 de dezembro de 2005
- oq te faz ser o que é?
- o meu corpo despido e o seu corpo de mulher
- porque o fim é uma constante...
- que nos arrebate a todo instante
- me deixa falar tão pouco!
- sou feito apenas de palavras, ao contrário estaria morto
- repousa nos teus olhos estranhamente uma paz
- a paz que se apresente no meu olho não é mais do que mentira
- espera o tempo curar, segue tua vida
- a vida segue sozinha no meu poço é aonde me encontro
- que poço profundo, de andar por aí e seguir os segundos
- pois é, o amor não é perfeito, se parece com a maldade
- o que festeja em teu coração? ódio, raiva?
- tranquilidade
- tranquilidade é um dom
- não é, contudo, mais ou menos do que pode também trazer a solidão
- por que queres tanto sofrer assim?
- por não me saber mais em mim
- a gente só queria a vida
- a vida, a vida
- o que eu recebia no seu beijo era uma página que parecia infinta
- mas acabou, como tudo acaba, restou o que restou e mais nada, pelo menos
sofreremos menos e mais, dependedndo do dia e do frio que faz
- não procura respostas, deixe que o caminho seguinte dê uma prova
- não procuro mais nada, das rimas de amor me sobraram migalhas
- fomos nós, foi o tempo sobre nós, que desfez o solto querer do coração
- éramos iguais e por ser tão iguais diferentes no que não podíamos ter
sido, a paixão e o amor esquecidos, no meu carro resta ainda muito lixo,
tenho q tirar um dia e limpar os meus armários
- armários queridos, porque sinto tanta coisa ao te ver partir e partindo
assim, um pouco, me reparte também, como já não saberia dizer.
- foi o vento
- fomos nós
- e nossas danças, nossas coisas, nossos nós...
14 de dezembro de 2005
Mudar
mudança
irreal
constante
porém
nem sempre
a vida é bela
olhou?
olhei!
viste flores?
eram flores na janela!
a vida é bela...
sentado a beira de um cais
pousa um menino voador
com olhos de bicho
olho negro
arisco
pousa um menino sobre o parapeito
e me disse qualquer coisa
sem desdizer
sem ter respeito
à minha idade
que personalidade!
menino venha cá, qual seu nome?
ele responde:
você
então sois eu?
não, sou você!
muito prazer!
indagado constirpado
perturbado
olhos negros do menino que era eu
a me impressionar
quanto fui
já pude até voar
era eu sim
com asas!
que beleza
a vida é bela
e o menino partiu?
se foi?
cadê?
alçou vôo alucinante entre mares e canções
entre amores desesperados
entre sangue e ilusões
tantas histórias
tantas histórias
mas me chega uma ruga, perdi as asas...
mas a vida é bela!
mas a vida é dela
a vida é delas
ai ai
se me perdi, as asas, cadê as asas? já as perdi...
ai que medo, que frio!
era um menino tão constante em ter aquilo
o que queria
queria eu ter asas!
mas as perdi
cadê as asas?
não posso tê-las perdido!
estive encontrando comigo
nessas tardes me descobri de vida bela
sem donzelas, mas com tantas
que nada querem me dizer
me descobri nas tardes ante aflito
q perigo
quem sou?
tinha asas, volto a repetir e te enjoar e a sorrir
era um menino
e sou
ainda
do menino
um pouco que restou
cadê os olhos negros
e a procura do filme de amor?
cadê a nuvem fulgurante, me pergunto cadê teus olhos?
eram negros
mas não como antes
eram negros mas já vividos
olhos de amores, amares, de virares as noites
em tempo quando
meu tempo perdido
cadê meu olho
está partido!
a vida é bela
a vida é bela...
Vem das flores o cheiro dos jardins
a mesma infância
se sou ainda,
sim,
ainda
sou
criança
mesmo que já tenha sido
6 de outubro de 2005
então, o que é o amor?
desmensurado com um pingo d´água
exagerado como o desespero
irremediavelmente, a simples confisão de um exagero
se me vêem, como posso eu escolher o que ser pra quem me vê?
- não é só q eu escolho ser -
mesmo aceitando o acaso como um feliz aliado
fortuna de quem chora por já não ter
razão
e falta em dizer
a palavra certa
o que falta é abrigo no teu coração
quando fala comigo
me diga o q ouvir de todas essas palavras
de um esperar que parece eterno.
Confissão de culpa é besteira.
A paz cansa tanto,
por uma guerra contra teu vestido daria o mundo
armado e calado
desesenfreado deletério de uma escolha que nem ao menos é minha.
Um outro par? Incabível!
mesmo sendo um outro par, um experimento pra solidão
que aprove sentido em ter razão ao ouvido morto de amor
qdo se olha para o lado e não se vê
vírgulas aonde somente palavras
tomam parte pra uma explicação
que não pára
Cessa, então, meu não dizer de te querer,
fingindo estar sem a nova mancha de vinho
no tecido azul marinho
aveludado que te entrelaça e te sufoca
Veja você! E me diga, ao menos porquê
a felicidade é tão difícil de se manter,
tão flutuante sobre nossos olhos de cores escuras,
tão imaginativa e contemplativa quanto o amor é até o fim.
E quanto amor até o fim está reservado?
Seria apenas uma janela aberta, uma brecha pro tempo escondido atrás da parede
por onde andamos enclausurados, encalacrados, misturados
como um armário aberto e itinerante que se faz em outro lugar
da mesma forma lenta, deixando-se descobrir os segredos
sem contar o q mais será quando a porta findar o seguimento que a persegue por uma força
advinda de não sei de onde e feche!
Mas não - se acalme amor - que o meu amor nem é tão confuso assim
nem de tanta lágrima,
é ainda melhor do que aquele amor da tv
um ai de mim, copacabana!
que anda fazendo partes da minha vida e sussurrando, ainda que alto: Não vá embora...
16 de dezembro de 2005
O poeta disse
poetemos, pois
e se matou
o poeta insiste
em lembrar artigo
do fim
q se tornou
o poeta disse
poetemos, pois
e se matou
o poeta triste
viu de malgrado
onde estava
ao fazer pedido:
falem baixo,
por favor!
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