segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

Quente


Das copas verdes das árvores do aterro exala um cheiro amargo.
Amêndoas amassadas apodrecem no asfalto.
Faz calor nas ruas movimentadas dos bairros chiques,
nos humildes estabelecimentos onde homens perdem suas vidas a trabalhar.
Faz ainda mais calor nas areias disputadas das praias,
na zona norte,
no morro,
com a pipa no alto ao lado do sol.
Está quente
e por isso sei que as luzes brilharão e que o ano acabou.
Faz um desumano calor substituído pelo vento matinal.
Conforme o tempo passa, calor e vento passam
(e venta quente quando venta).
Fora das salas de escritórios, das mesas de comando,
das cadeiras e poltronas pensadamente dispostas,
onde ares condicionados amenizam o calor que faz,
pessoas ambulam com suas crenças amiúde,
cinicamente,
a ignorar o ciclo que se fecha.
Pensam em seu trabalho enquanto lambem o suor dos lábios,
pensam no fim do ano e fazem contas com as costas grudadas nos bancos dos ônibus.
Está quente. É natal.
Faz calor e algo de familiar se pode reconhecer
desta presença cálida que nos lembra (brasileiros)
do fim.
"Que as benção sejam derramadas e os pedidos atendidos", diz o letreiro que leio.
Eu, poeta, rogo por pensamentos que valham a pena o registro,
neste calor obsceno e cínico,
a ambular e querer;
nesta caminhada: passo após passo, com os olhos úmidos e incerteza,
com a fé impossível a irrigar meu coração,


na beleza de mais um dia de dezembro.


Fabiano Martins

terça-feira, 4 de dezembro de 2012

Humanos

Eles sabem que se movem,
sabem de sua condenação,
sabem de seus medos
e de sua graduação.

Eles sabem que sentem dores.
Muitos sabem que olvidarão.
Coisas que hoje lhe são importantes
Amanhã,
não mais serão.

Eles esquecem seus saberes
e desrespeitam sua oração;
São esquecedores de amanheceres
apregoadores da razão.

E mesmo sabendo das coisas, analisando-as com devoção, -
contabilizado suas experiências enquanto digerem a massa do pão, -
Não percebem dos seus saberes a mais óbvia implicação:
que o amor é importante
e que a vida é um avião.


Fabiano Martins

quinta-feira, 29 de novembro de 2012

Autômato

O que te sobra quando 
dos estressantes relacionamentos empregatícios, 
dos realmente imensos edifícios,
dos dias mais omissos,
aparece o momento em que a glória falta 
a Grande Aventura se revela?
Sobra você, bem constituído ser, edificando uma pirâmide 
cujo o resultado final nunca lhe será permitido ver.
E, às mãos calejadas de tanto sofrer,
sobra a desgraça de saber que não é chegado a nós o
segredo por trás das potências que regem as coisas do mundo.
Um homem só é destinado ao que seu corpo percebe.
Eu entro pela esquerda, enquanto alguém sai pela direita. 
Repulso com violência o que alguém conserva.
Há muitos vieses e o pragmatismo trará lugares seguros.
É como uma peça mal ensaiada: 
todos divergem quanto às ideias 
e deste caos discordante, empiricamente,
a evolução acontece.


Fabiano Martins

segunda-feira, 26 de novembro de 2012

Prólogos, resumos e epitáfios


I

Os teus olhos não são negros
nem dezembros,
nem castanhos.
São cinzas
de um fogo que se apagou
com os anos,
entre os fatos.
Da tua vida me lembro um pouco,
algo se perde
no caminho torto, 
que a memória
vem trazer aqui.


II

Há um quarto,
uma luz fria,
um silêncio simples,
uma calmaria.
Há um retrato na estante
do céu de um dia,
onde se pode ver
a face negra de Maria.
Ela sorri.
Está viva.
Olhos mel, boca rosa.
Tinha um ar sereno de moça,
e uma força 
que luzia
contradita à escuridão
que intermitente
aparecia.


III

Morreu por amar de menos.
Por morrer não se encontrou.
Não sabia quem era.
Não podia voar.
Sempre livre, nunca livre.
Com frases embaixo do braço a guardar,
a se resguardar do embaraço de errar,
a ser pudico e condizente,
contido e descontente
até não mais poder,
até não mais querer
até seu fim causar.


IV

Minhas frases eu levo comigo, 
meu sorriso eu dou. 
Minhas tardes se foram breves 
e minhas noites infinitas. 
Vivi de amanhãs.


V

Ante o peito em fastio,
ante a mente em baixio,
A ver o sol sempre poente 
cada vez mais se tornar 
fugidio
e o amor adoecer lentamente
até virar um vazio,
tentou ser feliz
A todo custo.


Fabiano Martins

sexta-feira, 16 de novembro de 2012

Vário

Existem as pequenas coisas e as grandes.
Ambas só podem ter a sua dimensão determinada
quando observadas à luz de uma variável:
O tempo.
Só podemos ver as coisas grandes com o tempo.
Às vezes, o que nos parece ser uma grande conquista
é apenas o início da destruição;
às vezes, o que se faz todo dia, numa dedicação invisível,
toma um adorno grandioso
passado o tempo,
passados nós.


Fabiano Martins

quarta-feira, 14 de novembro de 2012

O fim de el Sordo

No final, estão entrincheirados no alto da montanha
entre os aviões que simbolizam um revoar de bombas iminente
sobre os corpos imóveis, escondidos entre as carcaças 
de cavalos mortos.
O que pensam se aguardam a morte?
Se aguardam a morte pensam nela.
Um jeito resignado, apaixonado pela revolução,
abafa o medo latente.
O sangue ainda pulsa, "então leva contigo ao menos uma alma", 
mas atirar agora seria denunciar a localização,
ao passo que não fazer nada é ao mesmo tempo
sufocante e reflexo de uma outra forma de resignação.
As bombas caem como chuva. Esta é a guerra:
As ideologias contrapostas, 
postas à prova da força,
da medida desigual,
da barbárie.
Ordem, ordem... não há ordem nas montanhas,
há dor e abandono...
de certeza acumuladas sob os sóis das incontáveis manhãs,
de palavras apinhadas,
salpicadas pelo afã de um medo inconsútil - sem início, sem final.
Ordem?
Não há ordem nas montanhas,
onde nos falam da luta contra o fascismo e da revolução.
Ordem imposta com saliva e sangue
bem-sucedida pelo coração vítima das bombas.
Ordem, 
dura ordem plana;
humana.


Fabiano Martins

segunda-feira, 12 de novembro de 2012

Efêmero


A Terra rasga a escuridão do espaço
a milhares de quilômetros.
Você se mexe sem saber.
Tua química está em mim também.
Você se movimenta e me leva contigo
É tudo muito rápido:
Quando vemos existimos,
Quando vemos estamos falando
Quando vemos temos preferências
Quando vemos estamos fazendo escolhas.
E no fim,
 Estamos velhos.
Aproveite as chances desse vôo,
você só terá uma chance. Esta chance.
Não duvide:
Uma chance.
Com sorte 90 anos, talvez menos.
Talvez bem menos...
A Terra rasga a escuridão,
Então deixa esse sol regalar tua retina!
Ofereça o teu coração,
Viva!
A Terra, você, eu...
É só agora.


Fabiano Martins

quarta-feira, 7 de novembro de 2012

Por quem os sinos dobram?


Nenhum homem é uma ilha isolada; cada homem é uma partícula do continente, uma parte da terra; se um torrão é arrastado para o mar, a Europa fica diminuída, como se fosse um promontório, como se fosse a casa dos teus amigos ou a tua própria; a morte de qualquer homem diminui-me, porque sou parte do gênero humano. E por isso não perguntes por quem os sinos dobram; eles dobram por ti”

No original:
For Whom the Bells Tolls

“No man is an island, entire of itself; every man is a piece of the continent, a part of the main. If a clod be washed away by the sea, Europe is the less, as well as if promontory were, as well as if a manor of thy friend’s or of thine own were. Any man’s death diminishes me, because I am involved in mankind; and therefore never send to know for whom the bell tolls; it tolls for thee"


John Donne

terça-feira, 30 de outubro de 2012

Anoitecer

Aguardo-vos, chamados do ego.
Para levarem-me além
do meu desapego.
Aguardo-vos chegarem
nesses carros voadores.
Levem-me, chamados,
a me achar menos mortal.
Aceitem-me no final angustiado;
vendo a sorte do afogado
e despertando para o mal.


Fabiano Martins

quinta-feira, 25 de outubro de 2012

Ambidestro

Escrevem essas tuas mãos agora,
teus anseios quedam assim.
Esquece aquele hálito amargo
que dessa tua sorte foi estopim.
Eu te vejo lamentar, eu te escuto.
Tuas palavras são duras, teu dissabor é muito.
Por isso escrevem essas tuas mãos
outrora paradas, 
outrora a lutar...
escrevem essas tuas mãos
num cumprimento à própria vida.

Fabiano Martins

sexta-feira, 19 de outubro de 2012

Associações

Os pequenos não sabem o que é sono.
Com suas bocas abertas mal o percebem.
Anoitecem a soluçar e a se debater.

Os pequenos nada sabem sobre a vida.
São inocentes que não deixaram de ver 
navio ou bailarina.

Por isso, dormem assim: entregues.
Pois nada conhecem
ainda.


Fabiano Martins

sexta-feira, 14 de setembro de 2012

Faísca

Ninguém brilha.
São fosfenos, impressões,
rápidas sensações que servem ao fantástico,
ao entusiástico.
O homem que brilha: 
essa ideia leva apenas ao desalicerce da construção.
O homem não brilha, 
ele nasce para usar as mãos.
Esqueça esta vanglória;
é uma luz vazia em que o egoísta se avia;
é uma foz de água suja;
é uma armadilha.


Fabiano Martins

quinta-feira, 13 de setembro de 2012

Observação


Do pensamento sobre a paisagem:

I
- As aves no céu se jogam num voo alegre
Aquela moça se movimenta levemente
Este longo silêncio me acalma

II
- Aves voando assim... mau agouro!
Não gosto da maneira afetada daquela moça
Este silêncio me mata

Das aves:
Voamos porque necessitamos de comida
Abaixo, as pessoas que não percebemos
Com seus olhares ocultos e pensamentos...

Da moça:
- Neste momento estou sendo julgada
Sinto que sou observada; mexo-me e pouso...
sou leve e emancipada.

Do silêncio:
Do silêncio há que se entender que não há nada. 
Nele pode haver má compreensão... talvez 
um julgamento certo que a
razão cala.


Fabiano Martins

domingo, 2 de setembro de 2012

Nós

Ora, já não serias tu refletido no espelho?
Já não serias tu responsável pelos atos que cometestes?
Já não serias tu, com teu livre-arbítrio, senhor do seu destino,
senhorio de tuas horas,
de teu suplício, de tuas glórias?
Ora, não terá sido você 
a obra terrena em que a energia deu vida
e que a evolução levou a crer
que algo haveria depois, e, por isso, consternado, hoje,
pões essas tuas mãos na direção
do céu à procura de consolo?
Pois que se do contrário... 
Ah, se do contrário, já não serias mais você e sim teu corpo!
Já não serias mais um espírito e sim gordura!
já não serias mais amor
e sim profano!
Ora, mas não serias aquele milagre
que rompeu o ventre na direção da luz?
Não serias aquele mesmo inocente
cujo a aleatoriedade das circunstâncias
modificou e transformou
em um homem
em uma mulher:
Não serias tu, filho desta pergunta que fazes 
com este olhar marejado pela dúvida,
com este olhar sequioso - de igreja?
Não serias tu como eu
e como eu, também forte e fraco
e decididamente
ignorante?
Ora, então que sejamos!


Fabiano Martins

terça-feira, 14 de agosto de 2012

Coincidentes e ignorantes

Coincidimos nesta terra, ignorantes do amor,
a procurá-lo.
E, dentre tantos dias, coincidimos, ignorantes,
a desejar intempestivamente as estrelas - 
estrelas que não brilham,
que não são.
Pobres dos homens - entregues à sorte,
embebidos em tantas vontades
e sensações,
a coincidirem nos mesmos dias,
a saciar sua prole com erros iguais.
Pobres destes que se afastam,
que se admiram, que se enlevam.
Pobres mortais, que espreitam seu destino,
que temem a solidão - são fátuos pela dúvida de seu vaticínio, 
pois não sabem se viver 
será em vão.


Fabiano Martins

segunda-feira, 6 de agosto de 2012

Distrações


Como são tristes as almas brasileiras.
Náufragos tristes estes do Brasil.
Como são tristes os homens felizes,
tristes os abastados...
Como são formosas e belas
as paisagens brasileiras,
as mulheres tristes,
as coisas que nos alegram.
Como é fugidia a alegria verdadeira
o êxtase do agora,
o trabalho braçal.
Como são muitas as pessoas tristes -
não possuem vieses; não podem se perder...
Como são tristes as almas do melodrama,
as frases que repetem remendadas
o seu medo de aprender.
Como são tristes os que se acham felizes,
porque estamos verdadeiramente longe do propósito...
neste mundo material,
mundano...
como é triste ser feliz!


Fabiano Martins

quarta-feira, 1 de agosto de 2012

Cia de deus

Na cia de deus,
sob os escombros dos homens,
sob a égide de um inferno em mármore,
entre as visões escondidas,
a ver o mesmo círculo se fechar...
Na cia de deus,
do alto,
sob as foices da morte,
sobre as coisas que dizem,
sobre minha própria sorte...
observo
cada ínfimo momento perdido,
cada intenção de gestos,
cada qual em seu lugar...
observo.
Na cia de deus,
do alto,
da minha dor,
da minha repulsa,
do meu asco de te olhar...
observo assombrado
(na cia de deus)
cada passo fadado,
cada descaso,
cada sina.

Na cia dos olhos meus,
obcecados em ver deus,
imagino algo peculiar.
Imagino meu mundo secreto,
meu próprio universo 
compreendido entre a dureza
do lugar em que estou
e a retidão de rezar.


Fabiano Martins

quarta-feira, 25 de julho de 2012

Inocência

Irrompe o homem
num duelo antigo:
dá-se em seu peito
o odio como amigo;
O amor desfeito
acaba por desmedí-lo.
Irrompe a criança para ser lascivo.
O pecado acompanha a alegria 
e a beleza também lhe faz companhia.
Em seu peito a harmonia
não se queda tão simplesmente...
os receios do caminho desvirtuam 
e são urgentes.
Acontece quase sempre
e quase não podemos ver:
esquece o homem da criança
mesmo sem querer.


Fabiano Martins

quarta-feira, 18 de julho de 2012

Reza

A Deus, reclamo como a um amigo.
Digo-lhe que estou desamparado,
digo-lhe que estou perdido.
Propõe-me, Ele, sem dizer uma palavra,
um caminho.
Em silêncio, eu reclamo a Ele sobre os fantasmas 
que se escondem no escuro,
sobre os ecos da noite que reverberam em meu quarto,
sobre todos os perigos.
Ele me responde sem dizer,
sem sinalizar, sem se mexer.
Ele me responde com fatos que não sei reconhecer.
Eu me aprisiono à Sua visão altiva, 
à Sua altivez amiga,
ao Seu peito imaginado.
Reconforto-me no presente,
significo meu passado.
A Ele reclamo sobre o véu
que a noite pôs sobre meus olhos,
sobre a estrada que desaparece sob meus pés,
sobre o abismo que é pensar na morte.


Fabiano Martins

sexta-feira, 13 de julho de 2012

O dinamista

Tento entender o próximo,
com suas manias e jeitos externos aos meus.
Tento entender o próximo
como se ele não fosse parte do todo
e sim um satélite orbitante da Terra,
de trajeto aleatório.
Tento entender os fatos amontoados e 
sobrepostos.
A minha palavra está viva, mas também
não a posso ler. Não a posso entender.
Contraditoriamente, não a posso igualmente evitar.
Tento entender, mas ao olhar para cima e perguntar por quê, 
tudo o que tenho de volta é o nada.
Um vazio esperançoso onde guardo um pouco de 
motivação.
Tento entender a tarde e sua luz material.
Tento compreender a dinâmica da vida.
Tento pensar que talvez não pertença
mas isso é tudo o que tenho.
Então, me agarro às pequenas percepções 
de minha mente espontaneamente projetada
para encontrar na resposta feita ao infinito
Nada.


Fabiano Martins

quinta-feira, 5 de julho de 2012

Aqui

Aqui está a dor - ela te fará sofrer.
Poderá pensar, e, por isso, há de clamar,
há de chorar,
de não entender...
aqui estão teus olhos - só enxergarão parcialmente.
Aqui está tua cabeça, tuas deturpações,
tua mente.
Tua pequena prisão ressurtida
entre as coisas ouvidas
e aquelas que sente.
Aqui estou Eu.
Eu sou Verbo.
Premente.
Aqui está teu paraíso,
tua noção de gosto,
teu modo impreciso, teus aforismos,
teus apostos.
Aqui está teu egoísmo,
teu ódio, teu suplício.
Aqui está o que não vai poder entender.
Aqui estou Eu.
Eu 
sou 
Verbo.
Eu sou você.


Fabiano Martins.

Destino

Nós não fomos o que pensáramos ser;
por sorte, fomos mais idealistas.
Hoje, os dias chovem em tempestades de recordações.
Às vezes, me percebo vacante de emoções.
Atravesso o labirinto atrás do que convém,
me dou ao que sinto, pois muito querer vira desdém.
Preciso ir mais rápido, menos lento,
mais apto e sedento.
Acho que não só pelo que ouvia;
fui levado a ser quem sou também
pela rebeldia.
E, embora seja uma ironia,
me tornei exatamente
aquilo que
deveria.



Fabiano Martins

segunda-feira, 2 de julho de 2012

Vicissitude

Eu sonhei contigo.
A noite incide sobre a consciência
como um falso amigo.
Eu sonhei que você usava
um hábito antigo,
um sorriso no lábio,
um fato escondido.
Eu sonhei contigo
E nessas horas o desejo me dá as mãos
e o caminho é abrigo.
Sonhar é acordar.
Eu quis, mas não pude.
Vicissitude...
eu sonhei contigo.


Fabiano Martins

quinta-feira, 28 de junho de 2012

Nota

Eu também sou um Karamázov
Também odeio e desprezo,
também estudo e rezo,
também vivo minha 
devassidão.
Eu também me perdi
na vergonha;
fui cristão na montanha
e, mesmo à face da morte,
consegui me convencer que 
não.
Eu também sou um Karamázov.
Eu também tenho irmão.
Eu também me sinto vivo
embora às vezes sinta que não.
Eu também sou um Karamázov.
Filho de um Pai Pavlov.
Filho de um Karamazov.
Inocente, culpado e
bufão.


Fabiano Martins

terça-feira, 19 de junho de 2012

O milagre

Ao fecundar um óvulo,
acordei de um sonho.
Sem consciência de nada,
agindo por instinto - antes mesmo de ser humano.
Era parte humana, sem eu´s implícitos.
Era secreção
e nada havia em mim de político.
Apenas desejava adentrar aquele óvulo e fecundá-lo
com muita energia,
desprovido de cuidado, de intenção até.
Desperto do sonho,
depois de tanto me aprisionar,
um dia hei de renascer
para enfim
poder
acordar.




Fabiano Martins

quarta-feira, 13 de junho de 2012

À ação do tempo

Não me sinto coisa,
resguardo-me da pseudointelectualidade.
Sou inteligível devido à minha dualidade.
Existo sem motivo para estar, mas estou para existir.
Sacrifico-me entre gestos e poses
que em nada vão contribuir.
Sou altivo e sabedor de fatos verdadeiros.
Sou o que vejo, embora o apagado candeeeiro.
No escuro, voraz, eu me encontro
com o fato que me suporta até aqui.
Estou sempre me olhando do retrato,
imaginando que não sou mais eu
quem me sorri.


Fabiano Martins

terça-feira, 12 de junho de 2012

O ceticismo

Não há cartas
nem registros guardados.
Não há poesia,
nem linhas de caderno
rabiscadas.
Não há vitória traduzida
por bons atos.
Não há verdade.
Há silêncio.
Há ausência.
Ai de mim!

Não, não há preceito,
nem ensejo motivador.
Salvo de tudo, 
lembro que em Deus não há rancor.
Mas aonde é que ele está?
Traduzido na derrota de um... 
Na vitória de outro.
Traduzido na revolta que esquenta o ímpeto
por violência... aonde é que ele está?
Afinal, traduzido na beleza das flores, nas folhas.
No reumatismo, na conspurcação.
Na sagrada fogueira das vaidades humanas.
Na constituição.
Aonde é que ele está? Não o vejo, nem sei como
é sentí-lo.

Sofro com impulsos químicos e meu corpo responde aos estatutos com sobriedade.
Mas não estou só nesta teatralidade. Pois há também
o bufão e o executivo.
O gago e o tetraplégico.
O monge e seu traje típico.
Não sei como devo sentir Deus,
e isso é magnifíco.
Estou jogado nestes gases
criando artifícios,
tentando explicar o impossível.
Sendo sempre conduzido a acreditar,
através das citações dos que vieram antes,
de que é preciso ter fé.
Esta crença me fortaleceria durante os anos
e me faria produzir;
me faria ser feliz entre os segundos perdidos;
Perder-me pelo que reluz.

Mas meus olhos estão escurecidos,
esquecidos dentro de uma caverna.
Perdidos sem conhecer luz só podemos ficar
encerrados nas
trevas
do ceticismo.


Fabiano Martins