quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

Lobo das estepes - Harry Haller

Eu, o Lobo da Estepe, vago errante
pelo mundo de neve recoberto;
um corvo sai de uma árvore, adejando,
mas não há corças por aqui, nem lebres!
Vivo ansiando por achar a corça,
ah! se eu desse com uma!
Tê-la em meus dentes, entre as minhas garras,
nada seria para mim tão belo.
Havia de tratá-la tão cordial,
de cravar-lhe nas ancas os meus dentes,
beber-lhe o sangue até a saciedade
a uivar depois na noite solitário.
Contentava-me mesmo com uma lebre!
Na noite sabe bem a carne flácida.
Por que de mim há de afastar-se tudo
quanto faz esta vida mais alegre?
Em minha cauda o pelo está grisalho
e também já não vejo as coisas nítidas;
há muito que morreu a minha esposa
e vivo a errar sonhando corças,
ansiando lebres,
ouço o vento soprar na noite fria
com neve aplaco o fogo da garganta
e levo para o diabo a minha alma.


Harry Haller

sábado, 5 de outubro de 2013

Quem

Eu só te escolho quando você me escolhe,
só te sorrio com a possibilidade da morte.
Silencio a verdade aparente
e, por trás dos gonzos que rangem, videntes,
apareço.
Sou a folha da árvore morta no outono,
a primavera que a planta tem de abono.
Sou o vento frio que escrespa o mar do sul,
sou feroz e sedento,
sou vil e sou um.

Eu só te mostro aquilo que consegues ver.
Só te emociono com as coisas que tens a capacidade de conceber.
Sou como a vontade da palavra que surge por entre os atos desesperados:
sou um rato, 
presto, 
um rato a morder.

Eu sou o som da noite escura e fria,
a solidão dos que entoam esta sinfonia.
Sou a felicidade incrivelmente arredia
e trago nas mãos a forma sublime e simples 
do desmerecimento eterno.


Fabiano Martins

quinta-feira, 3 de outubro de 2013

Vazio

Procuro olhar até ver o que não me é permitido enxergar.
Quero entender através do amor,
mas nem bem sei amar.
Procuro atentar a cada detalhe,
a cada forma que toma-se em ilusão,
a cada passo dado,
a cada adeus;
em cada negação.
Sou o bem que nasce espontâneo,
mal que assim se faz também.
Sou o que se permite acreditar 
mas, sem certeza,
sou dúvida.


Fabiano Martins

quinta-feira, 19 de setembro de 2013

Todos

Todos nós somos apaixonados por nós mesmos.
Todos nós nos matamos através dos nossos pequenos caprichos:
seja um cigarro,
seja uma dose, 
seja um doce.

Todos nós nos negamos em algum ponto.
Todos nós nos vendemos 
(à liquidação ou sem perceber).

Todos somos filhos da mesma causalidade.
Nossos medos são os mesmos.
Nossas preces chegam juntas ao céu.


Fabiano Martins

quarta-feira, 21 de agosto de 2013

Gol

O que procuro é uma doença para minha cura.
Rechaço a hipótese loucura.
Prefiro uma bebida quente
Uma andança pela rua.
É assim.
É assim que é.
Procuro condescendente uma linha de conduta qualquer
Qualquer palavra boba,
qualquer consolo ou razão.
Procuro aquilo que o artilheiro busca na zona do agrião.
Uma sorte pura.
Uma bola que sobre para o atacante que sou,
sobre a linha da vida,
com a cabeça erguida
para o objeto que apita
indicar
o gol


Fabiano Martins

quarta-feira, 7 de agosto de 2013

Gasto

Sumiu
como a luz que quando acende brilha forte e se faz perceber
e que depois de um tempo acostuma-se a ela
e se faz desperceber.
Como um ruído uníssono,
como um sentido de querer,
que desaparece como vem
depois que se adquire o costume
de o ter.

Desapareceu
como a brasa que se tornou a cinza do cigarro apagado,
como o tecido que se esgarça com o tempo,
como a alegria que termina
no embargo.

Premente e notoriamente desapegado,
como o amor, 
outrora sentido,
outrora querido,
agora
acabado.


Fabiano Martins

quarta-feira, 10 de julho de 2013

Separados

Temos trabalhado a recusa como forma de prazer,
Procurado o inapropriado deleite na vontade de não ser.
Hoje, o abandono é o nosso abrigo
e o adeus o nosso grito.
Temos sido diferentes 
e mais intimamente iguais;
suprimido nossas vontades de superfície
com os gritos de um subsolo que apraz.
Somos negativamente positivos,
positivamente bem vistos.
Separados, eternamente separados.
Atados em palavras por entre sons que emito,
e também na sua voz,
onde arde o nosso grito.
 

Fabiano Martins

sábado, 18 de maio de 2013

Progressão


No alto da montanha
O saber que asfixia
O ar rarefeito
A solidão
A vista de cima
Vazia.
No alto da montanha
Em silêncio
Em sobrepasso
Ao sabor do vento que venta
E dos sons de animais que passam
O saber que asfixia
O ar rarefeito
A solidão
E a vista de cima
Vazia.


Fabiano Martins



"não são palavras e sons, arco-íris e falsas pontes entre coisas eternamente separadas?" Nietzsche

sexta-feira, 3 de maio de 2013

Irmãos

Os irmãos que se odeiam
não se odeiam, absolutamente!
Não se entendem e se desmedem por serem filhos
dos mesmos pais, partes diferentes da mesma semente,
metamorfoses da natureza presente.
Os irmãos que se odeiam 
anseiam pelo perdão,
por sua dor diminuída,
por salvação.
São partes de um todo imaterial,
ligados por uma força incomutável;
são díspares e iguais.
Os irmãos que se odeiam se amam
e querem o bem para o outro,
e, certamente, velarão inconsoláveis seu caixão.
Mas não se entendem em vida por que são partes diferentes - anti-matéria e matéria.
Embora sintam o mesmo medo das coisas mundanas
e vivam intensamente
de forma igual
a mesma
solidão.

Fabiano Martins

terça-feira, 30 de abril de 2013

Abandono

Ah! Uma alma notívaga -
dentre tantas outras -
anda pela linha do trem.
Alma incólume - não quer nada.
Unicamente deseja deixar de ser.
Eu a sigo pelo caminho.
Pequenina alma, cheia de vontades negadas.
Como pode o mundo ser tão duro contigo?
Eu sigo você por essa estrada,
e lhe desejo proteção.
Mas também não sou nada
e, portanto, nada posso fazer;
assisto à sua ruína num camarote
bem posicionado.
Ninguém se importa com a sua dor,
e nem mesmo você se importa
com a dor de ninguém.
Este é o fato.


Fabiano Martins

quarta-feira, 17 de abril de 2013

Catecismo


É vago 
o soneto
que trata da ação;
sua verdade
tem vertentes alienadas
e desatenção.
É vago o soneto
cheio de versos.
É vaga
a solidão.
É vago o que pago,
muito vago,
entender a
didática
oração.

Fabiano Martins

quinta-feira, 11 de abril de 2013

Diário

A cor do dia é intensa.
Às vezes se reflete no vidro da janela da casa da frente.
Revela a poeira escondida em pequenos grãos suspensos.
Às vezes aparecem nuvens e o clima ameniza.
Às vezes as nuvens negras encrespam as lisas,
é quando vem a tempestade. 
No verão, quanto maior a sua intensidade, maior o seu volume,
menor é o tempo que duram.
Às vezes, elas passam antes de começar.
Às vezes ficam.
A luz diminui conforme a Terra gira,
o sol ilumina outro lugar.
Rodamos em um planeta perdido,
até o último suspiro,
suspensos pelos fios do tempo
numa escuridão sem fim.


Fabiano Martins

quinta-feira, 28 de março de 2013

De onde nasce a redação


Quando não há criança, nem olhares,
nem verdades em que se acreditar.
Quando os sonhos ficam órfãos
e a credulidade dá as mãos ao abandono.
Sozinho é que nos encontramos.
Sozinho é que estamos.
Quando dentro de nossas cabeças as partes se misturam
para criar uma história,
o todo nos foge pelas mãos.
O todo nos escapa dada à fraca compreensão.
Quando a esperança é uma criança branca
e nós somos negros,
segregamos contentes e felizes
o nosso zelo.
Aprumar-se para o enfrentamento do mar, então, 
pode significar uma dor compartida, 
construída na solidão e amenizada em grupo, porém uma dor imortal,
que só deixa de existir depois que nós deixamos,
uma dor que aparece apenas quando somos adultos e
nos deparamos com as mentiras que disseram para nossa proteção.
Somos crianças, sim. Vivemos num mundo construído pelo medo.
Cabemos no ínterim entre nascimento e falecimento,
para dar adeus, para amar, para experimentar as sensações, 
o álcool, o sal, o açúcar
e os sentimentos.
Cabemos, às vezes, em um microssegundo de felicidade
que guardamos para quando as coisas não vão bem.
E sim, quando não há verdades em que se acreditar
é preciso criar.
Criar é preciso.


Fabiano Martins

quarta-feira, 27 de março de 2013

Algo imperial

Alcançar aquilo que se deseja
deixa
algo marcado.
A vida cobra um preço,
pende para um lado.
Transforma a ideia
à sua razão.
Podemos nos perder em
meio a esta razão,
que obedece à uma lei identificável,
e que, ainda assim, se repete em ciclos.
Alcançamos o inabalável e o inantigível com nossos olhos
crentes, cheios de saudade 
e de abismo.
Ora alcançamos, ora abarcamos
em busca de cabermos -
neste sem sentido passo (mais que imperial)
imperioso
destino.


Fabiano Martins

sábado, 23 de março de 2013

A foto

A verdade é que o silêcio
que fazes agora
é um reflexo da tua alma.
Nada podes sentir.
Nada podes querer.
Estás entregue ao porvir
feito matéria 
a se desfazer.
Bebes sem consciência alguma.
Tua face embranquece e,
sem consciência,
anua.
A beleza abandonou teu corpo
só ficou a feiura
e esta tua brancura
e essa tua desfaçatez
frente à penúria.
Só sobrou a figura
que ostentas na bonita moldura.
Só ficaram os adeuses
e as marcas de uma arrefecida
fúria.


Fabiano Martins

Estrada

Preste atenção ao que lhe digo
sou seu verdadeiro e único amigo,
pois nas noites que estivemos juntos
procurei evitar o perigo.
Era tudo pra te salvar 
e te poder trazer comigo.
Era inocência pensar 
que podíamos nos salvar.
É inocência ponderar cada pecado
salutar.
Eu me perdi de você
em busca de te encontrar.
Eu me perdi pela estrada
em um ponto que não sei
precisar.


Fabiano Martins

Pássaro

Um menino observa
do pátio de sua casa
o céu da tarde.
Está nublado e venta muito.
Ele vê passar 
solitário
um pássaro.
Nunca em sua curta vida
havia prestado atenção 
no céu.
Estava descobrindo as marcas
que a luz do sol difusa
lhe deixava na retina.
O menino raramente ficava só, vivia cercado de crianças
e cuidados.
Conhecia o carinho, a raiva, a gratidão e o respeito.
Mas nada sabia sobre se sentir sozinho.
"é o pássaro um fugitivo de seu ninho?", disse a si mesmo.
Ficou meditativo, enquanto olhava o céu. 
A noite caiu bem lentamente naquele dia.


Fabiano Martins

terça-feira, 5 de março de 2013

Pequeno relógio de pó


Somam-se aos anos, passares.
Passos de pessoas que não ficam as faces.
Geografia que não se imprime na memória.
Pesares.
Somam-se aos anos os lugares.
Inexatos, circunspectos à penumbra dos olhares.
Somam-se como aquilo que se descarta:
alegria faltosa e melancolia silenciosa.
Fugacidade de pares.
É onde estou.
Aí, passo sendo o nada que nada sou.
Sendo tudo o que restou da última leva desta viagem.
Soma-se ao meu olhar vadio a paisagem e o frio. Talvez me acalente na sincera sensação de um arrepio, ou talvez acenda algum pavio para que seja lembrado como o nada que nada sou. Entre o tanto que me confundo,
Entre tudo o que me formou.


Fabiano Martins

domingo, 27 de janeiro de 2013

Geografia

A mesma luz que brilha na areia
dobra-se na água crespa
da baía.
Nosso pouco entendimento
de nós mesmos
tem espelho em nossa 
rica geografia.
A mesma cor que se perde
com o tempo,
O mesmo dom que se rende
à ignomínia:
Ignorante sê a contento
para poder na jornada
encontrar alegria.


Fabiano Martins

sábado, 12 de janeiro de 2013

Convulso

O estado em que eu me encontro
não é o Rio.
E eu não conto pra ninguém.
O estado em que me encontro
é impreciso e apartado do desdém.
Está além do que as palavras alcançam.
Está além do que os olhos podem ver.
Pertence à vertigem 
do epilético 
e ao desejo de não 
ser.


Fabiano Martins

sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

Noite e Dia

Quero abandonar a dúvida
em benefício da certeza vã
e efêmera.
Ser, portanto, menos sedento de tudo.
Quero.
Entretanto, a madrugada favorece o pensamento alheio,
a contemplação a partir de tudo que se quer dizer.
A madrugada me fez querer a nescidade.
Enquanto o dia me fez querer a sanidade.
Mas talvez, apenas porque,
à noite,
as coisas ganhem proporções demasiadas,
principalmente, no que diz respeito 
àquelas que nos deixam menos atentos
e mais prolixos,
mais distantes e descompromissados com 
a realidade aportada em nossas terras pelos outros.
Talvez porque a noite seja um terreno fértil para 
as ideias furtivas e transcendentais.
Então talvez por isso eu queira abandonar a dúvida
em prol de um benefício,
de uma certeza que hei de fazer de ofício,
e, assim, bramir com a credulidade rasa que me permite o mundo, 
as vitórias opacas que com certeza surgirão nesse futuro.
E porque sei que tudo é fruto da tristeza fugidia, 
que tudo isso irá mudar ao meio dia,
não cedo ao abandono que se insinua.
Pois se fosse assim a paz que vejo nos olhos, 
quando realmente me vejo, 
essa paz não mais
em meus olhos
estaria.


Fabiano Martins

quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

Citação

"A Beleza não é só uma coisa terrível, é também misteriosa. Aí lutam Deus e o diabo, mas o campo de batalha é o coração dos homens."
- Mítia Karamázov