segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Luzes

A cidade arde ao longe.
Favela.
São as luzes ofuscantes, tremulantes,
vibrantes;
verdes, sim, e amarelas.
Há um irresistível
fascínio
pelo que não é real.
A ficção do eldorado
da Rocinha ou Vidigal.
Comum a todos
os anseios,
entre calvários de trabalhadores
operários e chacinas,
impunemente prosperando
sob a égide
cocaína.

Já não posso mais
olhar.
Viro-me, então, para ter
com o mar.
Penso que ela já
não está ali.
Mas o arroubo
seduz,
soterra meninos
sob balas, sangue e
pus.
A miséria não mudou de lugar.
O poder da cocaína
confronta
a beleza deste mar.


Fabiano Martins.

quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Sorte

Há uma estrela no céu
que brilha;
é a minha esperança.
Há um chamado
que incide
no céu
com fulgor e pujança.
É a sorte. É a vida. É o dia.
E a abençoada experiência
terrestre,
destes seres que
andam por aí
com perguntas muitas e
beijos
breves.


Fabiano Martins.

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Personalidade

Acima destes pés
cansados,
existo.
A olhar para o céu... persisto!
Há uma estranha
e velada
insistência
que me vem por trás das horas
dos dias.
Há uma chuva que corrói
o que é bom,
dissipando o lampejo
de rebeldia.
Não me aquieto frente
ao conforto de uma vida sem rumo.
Não desejo, não absolvo.
Eu vou contra tudo.
O sistema me mostra seus olhos de anos
atrás.
O sistema me mostra seus olhos
ferinos a querer sempre mais.
E por fim, o sistema
arrefece o impulso vital;
se disfarça de sorte.
O sistema é um drama fatal
que nos leva o norte.
Não há mote
senão a incessante adesão,
e, portanto, inexisto
debaixo de tanta
negação.


Fabiano Martins.

sexta-feira, 21 de outubro de 2011

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Pelo caminho

As pessoas precisam se matar.
Os cientistas precisam nos libertar.
A religião precisa nos confortar.
Eu procuro meu lugar.

Recuso o conforto de um deus doente,
recuso a palavra de um ateu descrente.
Ofereço-me à jornada puramente
por não ter opção.
Traço o melhor caminho,
sempre a me esgueirar da solidão.
Aquieto-me e
me deixo.
Hei de falar com propriedade:
A vida foge-me entre segundos,
enquanto mudo
observo a paisagem.
Desta água em minha boca,
e desta vontade que desperta em mim,
brotam perguntas cuja as respostas
revelam-se somente ao escrutínio
do fim.


Fabiano Martins

Existir

As palavras descortinam o pensamento:
estou nu para quem quiser me ler.
Eu não sei dizer o que preciso
sempre de forma assertiva,
ostento um impossível lábaro de
beleza nem sempre augusta.
Minha astúcia se põe mediana
neste mundo de feras dispostas a tudo;
sou a laranja mecânica
com dor de estômago
frente ao mundo.
Acabo. Mas torno a nascer.
Uso armas que desconhecem pessoas
que não compartilham as verdades do meu viver.
Quero que a vida me desaponte,
para que eu a possa entender.
Não quero tudo o que preciso
sem esforço; peço o favor,
do mistério conhecer.
Quero saber da capacidade humana de fazer o mal,
para que assim, eu possa entornar atos
e não palavras.
Atos que me valerão.
Os desígnios que saem da minha boca
se perdem ao vento,
por isso os prendo
aqui
neste poema,
tão nosso e tão lento
quanto existir.


Fabiano Martins

terça-feira, 18 de outubro de 2011

Troca

Se você desistir de todas
as belezas impossíveis,
então te restarão apenas
as que, de fato,
existem.


Fabiano Martins

sábado, 15 de outubro de 2011

Cogito - Torquato Neto

Eu sou como eu sou
pronome
pessoal intransferível
do homem que iniciei
na medida do impossível

eu sou como eu sou
agora
sem grandes segredos dantes
sem novos secretos dentes
nesta hora

eu sou como eu sou
presente
desferrolhado indecente
feito um pedaço de mim

eu sou como eu sou
vidente
e vivo tranqüilamente
todas as horas do fim.


Torquato Neto

terça-feira, 11 de outubro de 2011

Percepção

Parece alguma coisa escrita
esta visão atípica
da tua mão repousada calma
e fria sobre a minha.
Parece um romance que li,
ou uma foto que vi,
ou qualquer coisa artística.

Teu corpo mudo e sem vida é carne e osso,
simplesmente.
Assim, vejo que as pessoas são finitas,
e que eu também caminho
para daqui estar ausente.

Digo adeus
como quem diz até logo,
e me despeço com a morosidade
de quem não sabe
ao que prestar.
Vejo-me feito, não de saudade e nem
de matéria,
mas de uma energia etérea,
menos de guerra
e mais de amar.


Fabiano Martins.

O anti-veneno das horas

Acho que foi o amor
que te fez achar
que tudo valia a pena.
Mesmo à sorte sincopada
entre os goles de cicuta
dados por pessoas ingênuas.
Eram poemas que você oferecia
sem se importar.
Mas veja:
As palavras te dão a liberdade de falar
e te aprisionam ao que disse.
Meu pessimismo, na verdade,
enseja uma maré melhor.
A vida não é só de pão e circo e
sonatas executadas em lá menor.
Não. A vida se passa distante
da camuflagem romântica.
Estamos aqui, apenas pragmatizando
mais razões ufanas,
para contemplar a grana,
e esquecer da grama que se prende
aos pés descalços, quando estes estão.
A poesia mesmo quando feia
é bonita,
mesmo quando crítica
acredita,
mesmo quando não rimada
é rítmica.
Basta prestar atenção.


Fabiano Martins.

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Lembranças

Vejo o passado tomar conta da minha vida
como uma nuvem lânguida,
que se estende pelos dias
até o presente encontrar;
Vai consumindo tudo
até me ver
ausente,
mesmo deste exato segundo
que se pôs a passar.
E, no entanto, o imaterial Agora
traz sensações amiúde,
que aí estão postas
para punir e inebriar.
As razões dos erros do passado
desvanecem,
frente as coisas que acontecem
antes da tal nuvem dominar.
As coisas que são sentidas
estão mais vivas,
mesmo aquelas
cujo o tempo, com suas lâminas frias,
vem cortar.


Fabiano Martins

sexta-feira, 7 de outubro de 2011

Café

Quando me sento à mesa
sei que não há nada
além do café
em minha frente.
Pego a xícara pela alça
e pela sede
bebo à vida.
Sei que do café
e do seu pó negro,
haverá um fator
químico que me fará
beirar o exagero.
Minhas pupilas se dilatam.
É o mundo iluminando novos caminhos.
Estou na decorrência
de um altivo e parcimonioso
discurso factível.
Nos jornais, leio as matérias plantadas.
Não formo opinião,
ao que não entendo nada.
Quero evitar sensacionalismos - não possuo
melindres de nacionalismo;
não tenho pátria.
Ando pelas ruas da cidade.
Uso apenas as pernas para este fim.
Minha cabeça mantém-me afastado
do atrito osso-a-osso,
que se afeita à carne
e gera autonomia ao corpo.
Minha cabeça voa em frações de tempo
incontáveis. Estou sempre só
no meio desta multidão altiva
e misturada.
Estou só a definir odores
e classificar pessoas
em boas, más,
aproveitadoras
ou nada.
Enterro minha cabeça nas nuvens
quando tomo café.
A viagem pareceu-me um tanto lúgubre,
vindo a pé: recusei a folha do menino de rua
e não cedi à tentação de comprar
um doce.
Não fumo cigarro há tanto tempo
e hoje, do nada,
senti seu gosto agridoce.
Não há razão que não a de apenas estar.
Os românticos querem chorar.
Eu quero gritar, pois não compreendo
quase nada.


Fabiano Martins

Maquinal mente

Tudo nasce natural,
mesmo a coisa etérea.
Há a vaidade de Ser agora,
e a depressão de quem
Era.

Tudo nasce confuso,
caos inexplicável.
Será que faremos algum dia uso
de um sentimento palpável?
Ah, quanta besteira invade minha cabeça
e me põe a pensar...
As coisas de um modo ou de outro
irão se desmaterializar.
Entretanto, contas chegam.
Não vou mais filosofar.
Sei que não há tempo mas envelheço,
isto significa que na minha realidade
tempo há.
Ao que chegamos à idade mais avançada,
e de lá nos sobra quase nada,
apenas resguardo financeiro grande ou pequeno
e filosofia barata.

Eu verso distante, dentro de um bueiro.
Quero explodir a cada instante,
ao que só assim serei verdadeiro.
Não devo me acabar de tristeza no banheiro
com o gás ligado e a chama apagada,
repleto pelo odor característico
e pensamentos sobre a vida derramada.

Não hei de ser alvo
do mundo -
Nesta vida entregue à sorte.
Assumo meu papel neste teatro,
ora corrosivo, ora suporte.

Não, não... não há nada.
Repito sempre a mesma bravata.
Amanhã é dia de trabalho e ao pescoço
laço gravata.


Fabiano Martins

quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Para que servem os fatos?

Olá.
Estou vivo
aqui neste instante.

Disperso palavras
pois não as sinto
nunca
distantes.

Tento não sorrir jocosamente
para o que não entendo.
Tento não repreender
e me pego
repreendendo.

Sim, há muitas contradições
neste meu viver,
mas agora estou aqui sentado
escrevendo e desejando apenas
escrever.

Estou criticamente empenhado
em conquistar por merecer.
Não me visite se não gostar de mim
e não me diga palavras
por dizer.

As pessoas morrem no final - este é um fato.
O que quero
é saber
por quê.


Fabiano Martins

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Vontade e potência

Por horas a fio
pensei.
Não havia nada
nem
ninguém.
Por horas a fio
atestei
a vontade que se recosta
à parede em alarde
ou
em ninguém.

Estou só.
Estou caído, sem resposta;
com tantos versos embebidos
em tanta prosa.

Estou aqui e estou lá,
sempre querendo
estar.
Não sou, pois não posso
ser
nada além do que
a vida
deixar.

A política tornou os
homens mais medíocres,
donos da verdade.
Sufocou
a verdadeira potência,
entre os gritos da sociabilidade.
Tudo agora diz respeito
a ter uma incrível honorabilidade,
que só é merecedor
quem obedece os estatutos
até trespassar a última
idade.


Fabiano Martins