quinta-feira, 31 de março de 2011

Para Lennon e McCartney

Por que vocês não sabem do lixo ocidental?
Não precisam mais temer
Não precisam da solidão
Todo dia é dia de viver
Por que você não verá meu lado ocidental?
Não precisa medo não
Não precisa da timidez
Todo dia é dia de viver
Eu sou da América do Sul
Eu sei, vocês não vão saber
Mas agora sou cowboy
Sou do ouro, eu sou vocês
Sou do mundo, sou Minas Gerais
Por que vocês não sabem do lixo ocidental?
Não precisam mais temer
Não precisam da solidão
Todo dia é dia de viver
Eu sou da América do Sul
Eu sei, vocês não vão saber
Mas agora sou cowboy
Sou do ouro, eu sou vocês

Marcio Borges, Fernando Brant e Lô Borges.

sexta-feira, 25 de março de 2011

Bagagem

Trago nos olhos
a vermelhidão do choro derramado
os joelhos marcados pela
oração contínua
cheia de simbolismo e desespero
Sou a alegoria do que clama
A flor aberta, pólen
o caule a vazar a seiva
Sou a raíz enterrada no cimento
com olhar sempre atento
a querer achar o céu
Ah... Trago nas mãos
o desejo constante e
a vontande exultante de estar em paz
Não tenho mais
a transcendental euforia
Alforria pra correr os riscos
Para gargalhar
Sou como o fruto daquilo que me
moldou
das vezes em que tudo desandou
de todos os risos que eram falsidade
Sou ante ao perigo
como ainda menino
que percebe em sigilo
que amadurecerá


Fabiano Martins

Calma

Não há melhor calma
que aquela
induzida
não há porque não se envolver
nas tramas que o tempo exige
Elas são tramas
tristes
Firmadas para tirarem-nos o chão
e fortalecerem ou fazerem
perecer
todo o bem que há
Mas a calma induzida
fortifica a campana
pré-guerra
internamente
sinceramente
para o bem do processo de evolução
o bel prazer inverso
de sofrer
o suportar ver a felicidade alheia
que entremeia a discussão cada vez mais áspera com o
coração
e some nas atas que o tempo traz feito samba
ou álcool
dá lugar ao ódio racional
ainda que sem razão
abre a porta do carro em movimento
e se joga

Fabiano Martins

quarta-feira, 23 de março de 2011

Gota d´água

Já lhe dei meu corpo
Minha alegria
Já estanquei meu sangue
Quando fervia
Olha a voz que me resta
Olha a veia que salta
Olha a gota que falta
Pro desfecho da festa
Por favor...

Deixe em paz meu coração
Que ele é um pote até aqui de mágoa
E qualquer desatenção, faça não
Pode ser a gota d'água...

Já lhe dei meu corpo
Minha alegria
Já estanquei meu sangue
Quando fervia
Olha a voz que me resta
Olha a veia que salta
Olha a gota que falta
Pro desfecho da festa
Por favor...

Deixe em paz meu coração
Que ele é um pote até aqui de mágoa
E qualquer desatenção, faça não
Pode ser a gota d'água

Chico Buarque

Kerouac e Neal Cassady



“Nós as abraçávamos e dançávamos. Não havia música, apenas dança. O lugar lotou inteiramente. As pessoas começaram a trazer garrafas. Caíamos fora para curtir os bares e voltávamos voando. A noite estava se tornando mais e mais desvairada. Desejava que Dean e Carlo estivessem ali – aí percebi que estariam deslocados e infelizes. Eles eram exatamente como o homem melancólico da pedra que geme na masmorra, erguendo-se dos subterrâneos, os sórdidos hipsters da América, uma inovadora geração beat, com a qual eu estava me ligando lentamente.”

Trecho do livro "On the road"

terça-feira, 22 de março de 2011

Eu ouço música

Eu ouço música como quem apanha chuva:
resignado
e triste
de saber que existe um mundo
do Outro Mundo...

Eu ouço música como quem está morto
e sente

um profundo desconforto
de me verem ainda neste mundo de cá...

Perdoai,
maestros,
meu estranho ar!

Eu ouço música como um anjo doente
que não pode voar.


Mário Quintana

segunda-feira, 21 de março de 2011

Clube de Esquina n° 2

Por que se chamava moço
Também se chamava estrada
Viagem de ventania
Nem lembra se olhou prá trás
A primeiro passo asso asso ...
Por que se chamavam homens
Também se chamavam sonhos
E sonhos não envelhecem
Em meio a tantos gases lacrimogênios

Ficam calmos calmos calmos...
E lá se vai
Mais um dia
ah ah...
E basta contar compasso
E basta contar consigo
Que a chama não tem pavio
De tudo se faz canção
E o coração na curva de um rio rio rio rio...
De tudo se faz canção
E o coração na curva de um rio ...
E lá se vai...
mas um diaaa
E o rio de asfalto e gente
Entorna pelas ladeiras
Entope o meio fio
Esquina mais de um milhão
Quero ver então a gente gente gente...

Lô Borges, Márcio Borges e Milton Nascimento.

Película

Não é preciso fechar os olhos
a escuridão não deixa ver
De olhos abertos pareço olhar ao longe
na amplitude de todo negro que vislumbro
São as luzes da cidade que procuro
e em seu véu tenebroso e escuro
continuo.
Sei que devo encontrar chama no final da procissão
com os pés sem proteção e às mãos nada além de sonhos e cera

Quando saí de casa, à minha rua dei adeus
procurei o que achava que seria diferente
e encontrei.
Encontrei comigo procurando por algo mais.
Como em um círculo
meu caminho dá voltas.

Comporta esta pieguice em meu coração que não se aquieta.

A dor é completa
e de sonhos se alimenta.
A porta outrora aberta
pouco a pouco
vai fechando.

Em meus pés encontro a poeira do caminho transcorrido
tinha poucos anos
mas me achava já vivido

como o quê

porém, vívido
com certeza podia ser.
Pois me ponho a peregrinar e nunca a me esconder.

A luz em meu peito acende de repente,
e, de repente, sou levado a perceber
que a vontade reticente é a mais certa
chance que me leva até você

Sou como um cemitério de recordações,
sou o cemitério à beira do mar.
Trago demais grandes e marcantes lembranças,
deságuo para então à areia retornar.

E fico contente com os dias de calor
e me acalento nos dias de frio.
Tenho por mim quem seja cobertor,
tenho flores nos túmulos vazios.

E nem ao menos me interpelo ou atrapalho.
Trago palavras que confortam e motivam.
Emociona-me falar de tudo isso.
Sou por bem o mesmo filme que todos já viram.


Fabiano Martins.

sexta-feira, 18 de março de 2011

Feira Moderna

Tua cor é o que eles olham, velha chaga
Teu sorriso é o que eles temem, medo, medo
Feira moderna, o convite sensual
Oh! telefonista, a palavra já morreu
Meu coração é novo
Meu coração é novo
E eu nem li o jornal
Nessa caverna, o convite é sempre igual
Oh! telefonista, se a distância já morreu
Independência ou morte
Descansa em berço forte
A paz na Terra, amém

Fernando Brant / Beto Guedes / Lô Borges

O Salto

(nota: uma das letras mais poéticas que já ouvi, principalmente a primeira estrofe)

As ondas de vaidade
Inundaram os vilarejos
E minha casa se foi
Como fome em banquete
Então sentei sobre as ruínas
E as dores como o ferro a brasa e a pele
Ardiam como o fogo dos novos tempos
Ardiam como o fogo dos novos tempos

E regaram as flores do deserto
E regaram as flores com chuva de insetos

Mas se você ver
Em seu filho
Uma face sua
E retinas de sorte
E um punhal reinar
Como o brilho do sol
O que farias tu?
Se espatifaria
Ou viveria
O espírito santo?
Se espatifaria
Ou viveria
O espírito santo?

Aos jornais
Eu deixo meu sangue
Como capital,
E às famílias o punhal
À corte eu deixo o sinal!

Carlos Pombo / Marcelo Lobato / Marcelo Falcão / Lauro Farias / Xandão

Andança

Escrevo e encarno
a dialética que em minha cabeça
compus.
Minha mente é colcha de retalho
onde não sei
qual palavra propus
pra definir melhor o cenário,
que só meus olhos podem ver.
Dentro das conexões escondidas,
reflexões sobre ter e querer.

A ótica minha é pessoal,
luta que travo contra ninguém
Sou avesso a elogios perigosos
e nunca demonstro o meu desdém
Me atém dizer que preciso mudar
e sempre penso nisso
assim:
mudar é preciso pois
acomodar seria a morte pra
mim

Por isso vou pela rua
rezando a Deus a sorte que é tua
Rangendo os dentes, batendo os meus pés.
Viés
prorrogado da tristeza nua.
Com profundo sorriso e um bonito retrato.
construo o meu viço
baseado em atalhos.

Corro então para sorte,
abro meus braços assim.
Falo comigo presente
e nunca falo de fim.
Nas conversas apenas palavras
constituem meu camihar.
Ando nu pelo inverno alto
para poder me orgulhar.

E orgulhoso me sinto jocoso,
sou o mesmo que tentei não ser...
Sê a boca, a coisa mais doce, peço,
e dê-me algo para beber.

Minha vida eu construo
sempre depois das seis.
Meu barato de andar mudo
não muda o que impus como minhas leis,
mesmo não sendo normativista
e passando longe de cartas sinceras de amor.
Te mostro o que há nos retalhos,
compartilho contigo esta dor.


Fabiano Martins.

quinta-feira, 17 de março de 2011

Fiódor Dostoiévski

Sou mestre na arte de falar em silêncio.
Toda a minha vida falei calando-me
e vivi em mim mesmo tragédias inteiras sem pronunciar uma palavra...

Fiódor Dostoiévski

quarta-feira, 16 de março de 2011

Serrano

A chuva caiu levando tudo.
Levou meu barraco,
meu filho,
me deixou mudo.
A chuva é desgraça pra comprar a bonança;
é tempo que nunca passa;
é o que marca a minha andança.

A chuva levou consigo
para enfim o carnaval encontrar.
Não digo que nunca digo,
pois gosto de tudo lembrar.

Da água ficou comigo
um sapato, um vestido.
E tudo ficou pra atentar
ao fato de que estou sozinho,
não é desatino,
não hei de acordar.

A lama vermelha, é lama.
A revolta no coração se conclama.
A paz se elege por aclamação,
mas é falsa.
É apenas dor mental esgotada pela física.
Não há choro e nem palavra
nesta média estatística.

O rio vermelho de lava
riscou em minha vida
tal a linha na minha mão.
Se é destino, não sei bem ao certo.
Acho mais que é intenção

De Deus? Não sei.
Do mal? também não.

Acho que a vontade de bicho
sobrepuja o artifício
e faz o homem levantar a sua mão
quando lhe oferecem comida,
um pouco de água,
toalha e sabão...
Dizem: Reconstrua logo sua vida.
Reconstitua-te da perda do irmão!

E a família que cedeu à enxurrada
na mesma tarde foi enterrada,
soterrada entre os córregos póstumos.
Ficou o azedume.
A carne humana inconforme
foi presa da vileza
e deixou natureza impune.

Os desígnios que vou acatar
são dados por quem me achou forte
a ponto de suportar.
Hei de lembrar que não tenho mais nada
e dos dedos feridos de tanto cavar
a recompensa de ver teus olhos de novo
não vou comigo levar.

Era sala, era chão,
Terra batida, meu coração.
Era filha, filho e irmão,
mulher, pai e mãe, contradição.
Era o que tinha comigo guardado
Todo dinheiro, todo o retalho,
um vira-lata,
minha atenção.

Corri, sei que corri,
mas vi que nada mais havia.
Senti, sei que senti
vontade de ir junto da família.
Mas não, e meus olhos fechei.
Mais, não! E meus olhos abri.
A boca espumou de vontade
de verdade
senti-me esvair.


Fabiano Martins.

quarta-feira, 2 de março de 2011

A nave

A última nau adormece
num mar de fundo escuro,
como as escolhas que fiz permanecem
ecoando seu dizer mudo

Uno sou com o mundo
que nada mostra além da exatidão,
De tudo sou quando confuso
Rejeito aceitar seu quinhão

Inexatas palavras aparecem
me mostram através do pensamento,
ato este que vem de repente
e me leva a mente a contento,

Fico então parado a divagar
pensando nas milhões de opções
a dinamicidade me dificulta respirar
me traz algumas recordações

Aprendo com erros que tive
aprendo, mas volto errar
Obstante à perfeição me detive,
pois não sei o que devo encontrar

Neste mar que por vezes me afundo
Neste mar que me quer para tragar
como Nau, antes nave do espaço,
hoje esparsa em destroços sem ar.



Fabiano Martins.

Gato que brincas na rua

Gato que brincas na rua
Como se fosse na cama,
Invejo a sorte que é tua
Porque nem sorte se chama.

Bom servo das leis fatais
Que regem pedras e gentes,
Que tens instintos gerais
E sentes só o que sentes.

És feliz porque és assim,
Todo o nada que és é teu.
Eu vejo-me e estou sem mim,
Conheço-me e não sou eu.

Fernando Pessoa.

Poema das Sete Faces

Quando nasci, um anjo torto desses que vivem na sombra disse:

Vai, Carlos! ser gauche na vida.

As casas espiam os homens que correm atrás de mulheres.

A tarde talvez fosse azul, não houvesse tantos desejos.

O bonde passa cheio de pernas:

pernas brancas pretas amarelas.

Para que tanta perna, meu Deus, pergunta meu coração.

Porém meus olhos não perguntam nada.

O homem atrás do bigode é sério, simples e forte.

Quase não conversa.

Tem poucos, raros amigos

o homem atrás dos óculos e do bigode.

Meu Deus, por que me abandonaste

se sabias que eu não era Deus

se sabias que eu era fraco.

Mundo mundo vasto mundo

se eu me chamasse Raimundo,

seria uma rima, não seria uma solução.

Mundo mundo vasto mundo,

mais vasto é meu coração.

Eu não devia te dizer mas essa lua

mas esse conhaque

botam a gente comovido como o diabo.


Carlos Drummond de Andrade.