quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

É o homem a medida de todas as coisas?

Quando a terra ainda se formava
e quieta, rotunda
ia esfriando
é que de dentro de uma
caverna profunda
no abismo do
período pré-cambriano

os profetas iam se encontrar

Não existia deleite nem prova disso
Não existia nada senão, embora, os oficios
que eram entregues ao mar
Afim de que nele se desse a misturar ideal de um ser
para aquele planeta habitar

"Há de ter autonomia do corpo
Há de evoluir
Há de ter capacidade de transgredir
obstáculos tal qual o
vernáculo proferir"

Então foram formando,
ainda no mar pré-cambriano,
o embrião que iria desabrochar
dez milhões de anos depois
de o mar do deserto e dos cânions secar

Chamaram-lhe nada
pois nada havia para declarar
deram-lhe apenas pistas
que as pegadas de suas conquistas
viriam lhe revelar

O homem chamou a si mesmo de homem
e reivindicou tudo a seu nome
Viu que na terra teria aliados
E lançou-se sem sela nos mais rústicos cavalos

A caminho do futuro passou a olhar!

E inventou o que queria dizer inteligência
e transformou sabedoria em ciência
explicada pela matemática fria
De um outro sábio que ia
Pelo caminho aparecer
um ou dois milhões de anos depois
de outro "fundador da humanidade" morrer

Mas logo chegaram a um impasse
indissolúvel
Matar tornou-se então necessário
ao passo que também tornou-se útil

Pois poder e poderio se confundiram
E a natureza apagou-se em seu revés
o homem que é fruto das profecias mais antigas
caiu diante de seus próprios pés

Passaram a matar a si mesmos
os homens e os medos
Passaram por cima da natureza ao redor
com a matemática que era para explicar

Religião, depressão e ócio
tudo passou da medida do óbvio
e caiu em romaria de uma grande procissão
A paz agora era uma questão de religião

E nela deu-se ainda mais guerra
contradição
o homem matava ainda mais pela gratuita terra
e negava um pedaço de pão

A soberba atacou de repente
e sufocou o fato subsequente
àquela perseguição

Temerosos os algozes sucumbiram
dando lugar à Luz da razão
e por ela criticaram o sistema antigo
e criaram um novo
onde cada homem era lívido
e cada nome grandioso

E entenderam-se (os responsáveis por isso)
que nada havia mais a falar
Explicaram seu iluminismo presunçoso
que em capitalismo selvagem
veio a resultar

Com facas e tridentes
Armas de fogo
os homens vieram de novo a se enfrentar
uns sugeriram o socialismo
como forma de se renovar

Mas esqueceram que é preciso ter personalidade
E que só um par de tênis não basta
pra quem pode ter toda a cidade

E esqueceram de outra prerrogativa
De que existiria sempre alguém no poder
e dele caberia
pelo destino de um grupo responder

O certo é não haver poder de forma alguma
pois somos só poeira
Há de haver o dia
em que essa tecnologia
vai nos levar à luz verdadeira,

que tanto estamos longe de encontrar,
aqueles ofícios entregues ao mar
quando ainda não formados
eram os humanos
e feito célula única do período pré-cambriano,
nos oceanos viviam a flutuar


Fabiano Martins


"Decididamente não compreendo por que é mais glorioso bombardear de projécteis uma cidade do que assassinar alguém a machadadas." Fiodór Dostoiévski

Napoleão em Vilna (Rússia)

"Entre o grandioso e o ridículo, há apenas um detalhe"

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

Fatos da vida

O apetite do mundo
Me quer para o almoço
Do alvoroço da infância
até o fundo do poço
Não posso me conter
Em tentar dizer
O me dá à cabeça
E, sem pressa, me rendo ao que
Menos interessa
Quem se importa com a fome dos outros?
Se não é em quem come que a fome dá
Quem se importa com quem tem medo?
Se tudo o que o mundo oferece é incerteza
Quem tem pressa de sentar-se à mesa?
Eu não.

Porque depois do jornal o apetite vai embora
E me dá uma vontade natural
De ir lá fora
E ali, bem perto
Compreendo o que não quero aceitar
Que vale mais o conforto do lar
Do que dar a mão a um irmão
Que vale mais o que vai na carteira
Do que procurar conversar a tarde inteira
Para saber quem aquela ou esta pessoa são

Em estado mais puro
Negligencio o futuro
Para aonde esse amontoado tecnológico vai nos levar
E peço:
Quero ir com vento
Pro lugar onde o vento achar melhor me levar
Derrama vida sobre mim
Não me deixe ser um poeta apenas do amor sexual
Permita-me no mínimo ser menos usual
Que isso
E abre teu sorriso, vida
E me deixa viver
Que nem tudo vai acontecer
Como eu, jovem ainda,
Achava que deveria ser

Primeiro o fato verdadeiro
O primeiro fato da vida que a criança vai conhecer
A morte
Depois o outro, a falta de sorte daquele ser
Que parado à porta do carro
Um sorriso deseja oferecer
Para ser taxado de sujo
Infância suja brasileira quer se mostrar para o mundo
Quer fazer arrastão
Quer mostrar que o Brasil esqueceu do Brasil
E só se preocupa com a imagem na televisão
E esta mesmo, trai o amante irracional
Ao exportar por dinheiro
Todo mal
E mais fácil ainda
Seria culpar as crianças e chamá-las de suja
E ignorar sua infância
E massacrar-lhe os sonhos
E destruir-lhes a esperança

A televisão vai trair o amante
No instante em que o dinheiro falar mais alto
E destronar o lugar da alma
Na hora de tomar a decisão
Usar uma certa razão que privilegiará a grana
E a imagem do arrastão
Correrá pelo mundo
Advinhe como
Pela televisão!
Por dinheiro, vamos denegrir o que é o Rio de Janeiro
Transformar em puteiro as casas das nossas mães
Exportar feito mercadoria
Cada menina que deste país é filha

Que o arrastão se dê no mar
Que é o seu lugar
Que a chuva lave o choro
De um filho que para casa não poderá voltar
Porque não tem casa
Porque neste mundo não tem nada para habitar

Mas, veja bem, o que quero mesmo falar
É que a natureza foi sucumbida
Pela soberba humana de se auto indulgenciar

E, entenda bem, não quero catar migalhas
Desejo que o avanço seja no coração
E não no concreto erguido alto, junto com a argamassa
E o aço, e o corpo daquele sub cidadão
Que construiu e ergueu por sua mão
A cidade
Aquele a quem esquecemos de cumprimentar
Por sua entrega
Por sua queda
Por sua incrível e inexorável felicidade.

Fabiano Martins

quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

Dormir

"A boca de espuma e a mão espalmada,
que contradição..." - pensou.
E continuou seu pensamento ébrio:
"Logo eu que nunca gostei de Chico Buarque!"
Mas havia confundido a autoria do poema,
que era de Vinícius de Moraes,
o Soneto da separação "De repente do riso fez-se o pranto..."
E levou adiante seu divagar à luz de parcas estrelas
escondidas entre o brilho do sol;
Pegou seu prozac, seu rivotril e um punhado de outros comprimidos
e levou à boca,
mastigou
uma,
duas,
três vezes
e engoliu!
Sentiu-se feliz por poder dormir
"Dormirei esta noite feliz"
Mas não era natal,
e o beco úmido fez-se brejo de sapos e rãs, é claro, interpretados por
ratos e baratas,
e quem fazia as vezes de esteira e cobertor eram os jornais velhos e os sacos de lixo.
Deu asas ao sonho.
Suas roupas eram particularmente boas para aquele fim, e o breu do sono induzido fez o mundo desabar em silêncio,
Dentro de suas pálpebras brilhavam pôses em prédios, mulheres e carros em elegante resumo de sua vida de excessos.
Pela noite, uma coruja soturna posou à sombra de um poste próximo
Luz amarela,
A coruja de olhos abertos, pousava sua atenção ao rato, e a presa secundária vislumbrava paz em seu bocejar.

Fabiano Martins