quinta-feira, 20 de junho de 2024

In media res

Às vezes, 

reclamo sobre a transitividade exagerada de viver.

Olhar, captar e descartar

(descartar para compreender). 

Neste processo, ver é deixar de ver.

A gente se adapta ao dinamismo da vida. 

Não sei se vício ou virtude, 

mas há vicissitude presente naquilo que venho a ser.

Portanto, escrever é reter 

quem fui e o que abandonei. 

Tenho a impressão que talvez não exista clímax. 

E, mesmo convicto da existência de finais, 

vivo de inícios. 



Fabiano Martins

sexta-feira, 7 de junho de 2024

Futuro do passado


Há neblina na lagoa rasa.
Densa. 
Parece funda. 
Não se vê vegetação. 
Pela fumaça, nada passa. 
Inunda meu olho parado 
o branco da bruma, 
o declive (que suponho) 
e a forma que se obtusa. 
A chaminé da barca, imagino, 
A vida dos peixes e anfíbios, imagino.
E desenho, imaginativo,
sempre super criativo 
pirossamas, pinípedes, 
panacéias e plantas aquáticas.
Até dar meio dia e o sol tudo dissipar. 
Era mais belo quando não via.
Lembrei-me da primeira vez à luz do seu olhar.


Fabiano Martins

quarta-feira, 9 de agosto de 2023

A impossibilidade


O que seremos senão a impossibilidade de ser outra coisa?
O que estaremos planejando se não controlamos nem bem o que pensamos?
Pelo que iremos nos magoar e nos autossabotar em busca dos prazeres momentâneos? 
O quanto queremos algo de verdade a ponto de conseguirmos? 
O que seremos senão a impossibilidade de sermos outra coisa, 
de termos outros medos, outras coragens... 
senão a impossibilidade de termos outros olhos, 
sentirmos outros gostos, 
termos outras formas de absorvemos verdades, de definirmos o mal? 
O que queremos de verdade se não conseguimos 
nem ao menos definir quem somos? 
Se estamos sempre no topo da superfície, de olhos esbugalhados, 
tentando respirar e achar clareza,
e, às vezes, dormimos e sonhamos com cruezas, 
marés e voos, se sonhamos e não entendemos... 
se não entendemos nada nem quando nos contactamos com quem realmente somos 
então quem realmente seremos? 
Se não podemos nem ao menos isso saber 
seguiremos na impossibilidade de ser outra coisa.
Mudar? Sim, muitas vezes mudaremos,
mas a esmo, 
por escolhas que escolhemos, 
por caminhos que trilhamos (por termos abandonado outros), 
por causa das coisas que particularmente percebemos, 
das coisas que cativamos e afetamos, 
pelas quais achamos que vivemos.


Fabiano Martins

quinta-feira, 1 de junho de 2023

Pensamento


Penso no segundo antes de nascer,
no universo antes dele acontecer.
Penso no infinito sem começo, 
sobre a finitude do meu ser,
sobre a delicadeza da vida 
- às vezes elefante, às vezes formiga -.
Penso no brilho das estrelas furtivas
iluminando os campos com sua luz antiga.
Penso sobre os erros, sobre os desacertos 
e os desencontros,
sobre os âmbitos mais noturnos da alma. 
Penso sobre aprender,
e apreensivo penso que não me encaixo, 
mas sei que esse pensamento é inevitável. 
Então paro de pensar.
Guardo a ansiedade sob a carne e
vou a pé pela cidade. 
A pé. 


Fabiano Martins

terça-feira, 30 de maio de 2023

Respirar


Sobre a natureza, repousar.
Ver de fato o homem que vai nos atacar.
Ter coragem na luta que precisa acontecer,
embora eu mesmo não saiba porquê.
Sobre o córrego, escorregar; deixar-me ir 
e me esvair, 
devagar.
Sobre as coisas que disse 
e que me disseram: 
pesar, pensar, esquecer, abafar.
Voltar para a casa que ainda está lá, 
mas que não posso entrar. 
Voltar para ficar na porta 
e aguardar. 
Ver de fato a vida pela cabeça passar,
e saber precisar de ajuda e ajudar. 
Sentir à boca amarga, angostura, 
e não amargar.
Sentir o golpe duro, justo, 
e não golpear. 
Absorver, resilir, perseverar. 
Nunca temer a luta. 
Nunca deixar de lutar.
Sempre conservar a ternura, a empatia e a gratidão 
por mais um dia 
na imprecisão.
E respirar. 


Fabiano Martins

quarta-feira, 5 de abril de 2023

Incompreensível

 

O que havia antes da grande explosão? 

Talvez um lugar vazio. 

Um lugar...

talvez uma grande explosão anterior a essa,

e um outro universo que existia (e antes disso?).

Como é ilógico e difícil aceitar que nunca houve um início 

e que nunca haverá um fim. 

Que capacidade de abstração pode compreender essa ideia,

se vivemos e morremos, 

se tudo começa e termina, 

e mesmo o sol explodirá (já se sabe) em algum momento. 

E não há manutenção possível que resista 

à morte da nossa estrela. 

Então, se antes de existirem os planetas e os seres, 

e poemas escritos à tinta, 

já existisse esse outro universo, talvez muito parecido, 

e se desse universo houvesse o nosso partido,

como algo que aconteceu muito antes disso

e antes

e antes...

então, por que fomos feitos para querer permanecer?

Por que fomos moldados para sofrer nas despedidas?

Por que não aceitamos que só há uma única vida, 

uma única experiência física? 



Fabiano Martins 

quinta-feira, 9 de março de 2023

Sol


Quero ter calor à beira do mar

Sentir o sol me abraçar 

E esquecer

Dos navios, bailarinas, baterias

Sobretudo desejo viver

E vida é coisa dura 

Que pune e alivia 

Sem medida 

Sem disciplina 

Quero encontrar o crepúsculo selvagem 

Sentir a falta que vem na estiagem

O frio do vento que bate

Deixar a chuva me molhar 

Apenas temos uma passagem

Uma viagem

Um único momento

O passado vai embora rápido 

Mas o presente é lento 

Por isso quero ter com sol 

Sentir nos ossos o efeito do

Vento

E me esquecer das distrações 

Dos desvarios 

Dos desalentos 

E me esquecer na paisagem 



Fabiano Martins